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Mas nós não somos cavalos

Na semana passada, talvez após uma noite mal dormida, Francisco Novelletto tomou uma decisão unilateral e resolveu provocar um licenciamento compulsório de oito equipes do Estado. Na edição 2011 da Copa Federação Gaúcha de Futebol, no segundo semestre, os rebaixados à Terceira Divisão não poderiam se inscrever. Aimoré de São Leopoldo, Atlético Carazinho, Bagé, Garibaldi, Gaúcho de Passo Fundo, Guarany de Bagé, Milan de Júlio de Castilhos e Três Passos perderam, num par de frases inesperadas, o direito de decidir seus destinos. Uma ordem vinda de cima para baixo, sem consulta aos clubes. Como numa ditadura alienante. 

A alegação de Novelletto é tão simples quanto repleta de vazios interrogativos. Para ele, o fechamento seria benéfico para os clubes. Assim, diz Chico, teriam tempo de se reorganizar e economizar. O máximo mandatário do futebol do Estado parece disposto a proteger as equipes do torneio deficitário que ele próprio organiza. É sabido: a Copinha tem um formato desinteressante e transcorre diante de arquibancadas escassas de torcedores. Mas, na situação de muitos dos rebaixados em 2011, esta análise é simplista. O preço de entrar numa competição mal pensada pela FGF pode ser necessário para não se perder mais no longo prazo. Não disputá-la significa quinze meses de paralisação no futebol profissional – entre a queda na Segundona e o início da Terceirona, marcada para o segundo semestre de 2012. No reinício, terão sumido patrocínios e associados.

Valduíno Alves treina o Milan desde que o clube voltou ao profissionalismo, em 2008. As condições financeiras nunca permitiram que suas equipes superassem a primeira fase da Segundona, mas sua saída raramente foi cogitada. Valduíno é muito mais do que um treinador resistente – ele pode ser considerado um dos mantenedores do Milan, ostentando a marca inacreditável de dezessete anos ininterruptos na casamata do clube. A maior parte do tempo, no amadorismo – cujo retorno agora é uma possibilidade contemplada com indignação. “Os clubes que ficarem parados vão fechar. Se nós não formos aceitos na Copinha, vamos ter que disputar alguma outra porcaria. Nem que seja a Copa A Razão”, diz Valduíno, citando o torneio amador da Região Central do Estado, apoiado por um jornal de Santa Maria. “São oito times parados. Oito vezes vinte e cinco jogadores – são duzentas famílias prejudicadas. Eu tinha um elenco acertado para a competição e agora os jogadores me ligam: ‘bah, Valduíno, não vai ter como”.

Em São Leopoldo, o Aimoré acumula algumas das maiores dívidas entre os caídos, mas considerava necessário o sacrifício da disputa para se manter ativo no futuro. “Sem a competição, o clube que já tem dificuldades vai se desvalorizar ainda mais. O Novelletto prometeu analisar caso a caso, mas o problema é saber o critério dele”, afirmava o então gerente de futebol Renan Mobarack na sexta-feira. As cobranças judiciais de pagamentos atrasados se acumulavam, e ficou arriscado demais tentar seguir com o profissionalismo em 2011 diante da incerteza quanto ao posicionamento da FGF. Na segunda-feira, o Aimoré desistiu de qualquer luta pela Copinha e dispensou seus funcionários. O próprio Mobarack acabou deixando o clube.

Rebaixado com a pior campanha da Segundona e dono de uma das situações financeiras mais delicadas do interior, o Atlético Carazinho pretendia seguir com sua política de futebol o ano inteiro. Gilberto Kamphorst, presidente que apoiou a recriação da Terceirona mesmo tendo a certeza de que seu clube iria para lá, acreditava que seria mais fácil estruturar o Atlético sem um desnível tão grande em relação aos adversários. Agora se sente enganado: “isso (o banimento) não foi falado quando aprovamos a volta da Terceira. Se essa questão fosse colocada, talvez a decisão final fosse diferente. Nós estamos sofrendo duas penas, e uma não estava prevista no regulamento”. O Três Passos, que mantinha postura oposta à do Atlético, julgando melhor evitar a Copinha, pretendia rever a ideia em 2011 para não ser esquecido pelo público e pelo mercado. O aurinegro só definiria sua entrada no torneio em reunião marcada para o final desta semana – desestimulado por Novelletto, é possível que nem liste o assunto na pauta.

A decisão da Federação assombra mesmo as equipes convictas em não se manter ativas no segundo semestre, como Garibaldi e Gaúcho. “Agora nós não fomos afetados diretamente, mas não é por esse fato que a gente não vai se preocupar. Esperamos que não seja assim (uma decisão imposta) com a fórmula da Terceirona, ou teremos que fazer algo”, teme Fabiano Giongo, presidente do Garibaldi. Comenta-se nos bastidores que os rebaixados da Segundona 2012 jogariam a Terceirona no mesmo ano, tirando das mãos da FGF um eventual fiasco de poucos inscritos. Gilmar Rosso, presidente do Gaúcho, se vê sem força política para questionar a decisão sobre a Copinha: “Hoje, infelizmente, eu estou envolvido com a retomada do estádio e a sobrevivência do Gaúcho. Não tenho como bater de frente com a FGF. Mas tem muita coisa feita nas coxas, sem ouvir os clubes. Ele (Novelletto) dita a norma e todo mundo baixa a cabeça”.

Bagé é provavelmente a cidade mais afetada pela última medida de Novelletto. Com os dois clubes rebaixados juntos, o período de recuperação pode se transformar num purgatório de trabalho perdido se a Copa FGF não for uma realidade para jalde-negros e alvirrubros. Um ano e três meses sem futebol profissional seriam o maior tempo de ausência simultânea da dupla Ba-Gua nos gramados do Estado. Dentro dos dois estádios a poucos quilômetros da Fronteira com o Uruguai, entende-se isso como uma morte. Carlos Alberto Ducos, presidente do Bagé, tem opinião favorável à gestão de Novelletto, pelos patrocínios levantados nos últimos anos. Mas estranha: “ele diz agora que a participação na Copinha é por convite. Até o ano passado, eu sempre ‘me convidei’ e não sabia disso. Ele que convide o Bagé. Não podemos e não temos por quê ficar parados todo esse tempo. O Bagé não precisa se estruturar – ele está estruturado. Se não nos deixarem jogar, vamos pegar outra Federação, disputar algo no Uruguai ou organizarmos nós um torneio”.

A hipótese de os próprios times assumirem a função da Federação se não restarem alternativas foi levantada pela maioria dos representantes dos clubes. Muitos têm receio de represálias no cenário político do futebol e preferem não se identificar – mas até mesmo a fagulha de uma antiga ideia, de se criar uma “liga” de clubes, é alimentada. Uns apóiam, outros acham loucura quando aplicada ao interior. O que se concorda é que o licenciamento por imposição passa a imagem de que a Federação parece olhar os rebaixados como cavalos feridos, com pernas quebradas e inúteis. Que precisam levar um tiro de misericórdia para não sofrerem mais.

Há um livro de Horace McCoy com esta metáfora. “Mas não se matam cavalos?” fala sobre as maratonas de dança que afloraram nos Estados Unidos durante a Grande Depressão, quando casais passavam meses abraçados e se movendo na pista, em competições que rendiam uns poucos dólares para seu sustento. Nele, um dos personagens um dia saiu do galpão onde ficara dançando sem descanso. Entendeu enfim como Jonas, o do mito bíblico, se sentira ao sair da alienação do interior da baleia.

Hay que llenar el corazón,

Maurício Brum

Impedimento – www.impedimento.wordpress.com

Foto: Carlos Grün