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Eva Sopher, servidora pública da Cultura em tempo integral

– O Theatro São Pedro nunca foi pichado.

A frase, dita com orgulho e brilho nos olhos, soa como o grito do vitorioso de uma grande guerra. Quem faz a afirmação, assim do nada, sem que o assunto estivesse em pauta, é a mulher que, durante nove anos, lutou para reabrir o teatro inaugurado em 27 de junho de 1858. Eva Sopher, chamada pela maioria dos interlocutores de dona Eva, nasceu na cidade alemã de Frankfurt am Main, em 18 de junho de 1923, filha do banqueiro Max e da dona-de-casa Marie Plaut, irmã de Lieselotte, a Lolo, três anos mais velha. Dos seus 88 anos, 51 foram vividos em Porto Alegre, onde, diz ela, adquiriu o sotaque carregado que a caracteriza. “No Rio de Janeiro, eu falava chiado”, recorda.

Como o São Pedro conseguiu a proeza de não ser pichado?

“O respeito é uma das coisas mais contagiantes. O respeito que sai, volta. A comunidade tem um carinho imenso”, afirma a “autodidata assumida, convicta, nata”, como se revela em Doce Fera – Fragmentos biográficos de Eva Sopher, escrito pelo jornalista e professor Antonio Hohlfeldt. Respeito é a palavra que norteia a sua vida. Para defini-la, amigos e admiradores usam, também, as palavras dedicada, idealista, obsessiva, imparcial. “Nunca conheci criatura mais dedicada. O teatro e as artes sobrevivem graças a ela”, diz, ao telefone, com empolgação, o ex-governador Alceu Collares, acusado de querer tirá-la da direção do teatro. Ela lembra bem do episódio. Não gosta de falar sobre ele. Faz sinal de que já esqueceu tudo. “Isso não leva a nada”. Afinal, lembra a reação da comunidade cultural, que promoveu um abraço no São Pedro, contra a sua provável saída. A foto do ato está exposta no Memorial do São Pedro. Collares nega a intenção de substituí-la.

Bruno Alencastro/Sul21

Alceu Collares: "Sem ela o teatro não sobreviveria" l Foto: Bruno Alencastro/Sul21

“Naquela época fui a um programa do Jô Soares com a Neusa (Canabarro) e ele levantou a hipótese de que havia um movimento contra a permanência dela na direção do São Pedro. Ironizei, dizendo que o pessoal dele estava mal-informado. Ninguém nunca quis tirá-la do teatro. As informações de que ela seria tirada da direção não saíram do Piratini. E no meu governo, a secretária de Cultura era a Mila Cauduro, amiga da dona Eva. Ela passou por todos os governos com sucesso. Sem ela, o teatro não sobreviveria”, diz o ex-governador.

É verdade. A menina que aos 13 anos trocou a Alemanha nazista de Adolf Hitler pelo Brasil está na direção do São Pedro e depois da Fundação Theatro São Pedro (FTSP) desde 1975. Foi convidada para o cargo pelo então governador Synval Guazzelli, por sugestão do jornalista Paulo Amorim. Nestes anos todos, passou por governos de todos os matizes políticos. “O único governador que conheci antes de ser governador foi o Antonio Britto”, revela. Justifica-se: Britto era jornalista, categoria com a qual sempre manteve bom relacionamento, desde que reativou a Pro Arte, em Porto Alegre, em 1960, poucos meses depois de chegar à cidade em companhia do marido, também judeu alemão, Wolf Klaus Sopher, e das filhas Renata e Ruth, nascidas no Rio de Janeiro. Ela começara a trabalhar na Pro Arte aos 16 anos, em São Paulo.

Aos 13 anos, trocou a Alemanha nazista de Adolfo Hitler pelo Brasil l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Dona Eva não era nem de um, nem de outro partido. Ela nunca falou em política”, declara o artista plástico Léo Dexheimer que, junto com Plínio Bernhardt e Danúbio Gonçalves, sob a coordenação do arquiteto Carlos Antônio Mancuso, pintou o teto do teatro. “Nós fazíamos as pinturas no chão, para depois levantar”, diz Léo. “E aí começou uma romaria de gente, que dava palpite no nosso trabalho. Fiquei brabo e fui falar com a dona Eva. A romaria acabou”. O artista acha que Eva Sopher “fez milagres” para garantir a reinauguração do teatro, em 27 de junho de 1984. “Admiro a imparcialidade dela. Dona Eva é uma pessoa maravilhosa, correta. Com a sua habilidade, conseguiu driblar todas as peculiaridades políticas”.

Léo Dexheimer: admiração pela imparcialidade de Eva Sopher l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Na Pro Arte, em Porto Alegre, fazia de tudo. Inclusive escrever – “a mão ou numa máquina” – os releases que levava aos jornais, diariamente. “Eu tinha páginas inteiras. Lembro de um dia em que disse ao doutor Breno (Breno Caldas, diretor da Companhia Jornalística Caldas Jr): ‘Quero lhe agradecer o espaço que nós temos na imprensa’. Ele disse: ‘Não, a senhora está equivocada. Nós que lhe agradecemos porque a senhora preenche os nossos espaços. A senhora nunca viu uma página em branco’”, relembra com satisfação. Hoje, dona Eva lamenta a falta de críticos de arte na imprensa gaúcha. Mas, faz questão de ressaltar: “Nós temos um excelente crítico hoje, que é o Antonio Hohlfeldt”.

Celito De Grandi, que nos anos 60 foi editor do caderno de Cultura e depois secretário de redação do Diário de Notícias, diz que se lembra bem das visitas frequentes da representante do Pro Arte ao jornal. “Sempre manteve esse jeito carinhoso e afável que lhe foram essenciais para chegar aonde chegou”, afirma.

Sempre afável com os jornalistas l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Uma funcionária pública que se apresenta como empresária cultural

O convite de Synval Guazzelli para assumir a restauração do teatro, que não tinha mais condições de funcionar e estava fechado havia 10 anos, só foi aceito, porque Wolf, a sua grande paixão, lhe disse: “Ou você assume isso, ou vão derrubar o teatro”. O industrial Wolf Sopher aceitara o convite para trabalhar nas empresas Zivi-Hércules e, em 1975, como Eva, a comandante da Pro Arte, já era bem conhecido na cidade, com amigos empresários e políticos. Ele foi o grande apoiador da mulher, na busca de recursos para as obras, que acabaram sendo, como gosta de dizer dona Eva, não de restauro, mas de reconstrução.

Não demorou muito para que a família Sopher criasse raízes na capital gaúcha, uma cidade que, “naquela época”, oferecia mais facilidades do que o Rio de Janeiro. Em 1971, Eva recebe o título de cidadã de Porto Alegre, por proposição do vereador Glênio Peres. Em 1975, continua a dirigir a Pro Arte, e se torna funcionária pública, servidora da Secretaria de Educação e Cultura. “Ocupei o lugar de uma professora que tinha falecido”, diz. Para ingressar na função pública, precisou passar pela Biometria Médica. Não suportou a burocracia e reclamou. Escreveu uma carta a Jair Soares, secretário da Saúde, que viria a governar o Estado. Ele respondeu por escrito. “Jair foi o único governador que me deu um pito”, afirma.

Jair Soares: atendeu à solicitação de recursos e inaugurou o São Pedro l Foto: JCRS

“Não lembro deste pito”, diz o ex-governador. “Lembro que um dia, depois do almoço, cruzei a Praça da Matriz e fui, de surpresa, até o São Pedro. Perguntei à dona Eva quanto faltava para a conclusão das obras. Ela me disse, eu liberei os recursos e inaugurei o teatro”.

Jair é outro que não poupa elogios à impulsionadora das obras do Multipalco, iniciadas em 2003. “Acho a dona Eva uma pessoa excelente. Uma idealista. Ela não tem hora nem dia para trabalhar. É obsessivamente dedicada. Tem uma grande liderança. Envolveu a elite da sociedade gaúcha na construção do Multipalco. Claro que o cartão de visitas dela foi o Theatro São Pedro”, garante.

Para ela, como para muitos, a maior dificuldade em trabalhar para o Estado “é e sempre foi e, provavelmente, sempre será a burocracia”, que, segundo dona Eva, não se supera. “Sou obrigada a conviver com ela. Digo o que penso, e repito, quando possível, que esta casa nunca foi pichada”. As críticas recebidas, segundo dona Eva, não provêm da comunidade, mas dos órgãos e dos servidores públicos. Por que dos servidores? Devido à “falta de possibilidade e de coragem”. São raros os que têm a atitude da ex-secretária estadual de Minas e Energia e, hoje, presidenta da República, Dilma Rousseff. Um determinado dia, a secretária lhe telefonou, dizendo: “Tenho um dinheiro sobrando que não quero devolver ao governo. Tens algum projeto?” A resposta foi sim. “Com esse dinheiro, que ela me deu, começamos os concertos dominicais com entrada franca, onde – eu digo – vêm da chupeta à bengala”, alegra-se a autodenominada “mãe ou avó” do São Pedro.

Maior dificuldade em trabalhar para o Estado “é e sempre foi e, provavelmente, sempre será a burocracia” l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

Onde quer que vá, a diretora da FTSP jamais se apresenta como servidora pública. Apresenta-se sempre como empresária cultural. E dá a lição para vencer os problemas que se apresentam: brigar sempre, sem esmorecer. Esta foi a estratégia que usou para terminar a “reconstrução do São Pedro” e esta é a que usa para concluir o Multipalco, um prédio de oito andares, com mais de 18 mil metros quadrados.

Obras lentas e orçamentos que não se sustentam

O repórter Geraldo Hasse, que também entrevistava Eva Sopher, quis saber: quanto custou a reforma do Theatro São Pedro? “Não interessa”, respondeu ela, com firmeza, deixando transparecer um pouco de irritação. “Não interessa. Numa sexta-feira fui convidada a levar a Brasília, na segunda-feira, um orçamento. Meu marido pegou uma folha de aritmética do caderno de uma das gurias e chutou um orçamento. Não lembro qual era a moeda (cruzeiro). Só sei que a cifra era R$ 17,5 milhões. E foi o que eu levei para o presidente Geisel”, diz.

Ao ver o orçamento entregue em uma folha de caderno, o presidente, segundo Eva, pode ter pensado duas coisas: “Ou são loucos ou são sérios”. Apenas para colocar os mosaicos ao redor do teatro, porém, foram consumidos 14 milhões de cruzeiros, em junho de 1984. Os recursos para a reforma do teatro seriam divididos meio a meio entre o governo federal e o estadual, que sempre teve problemas para repassar a sua parte, atrasando as obras, que se estenderam de 1975 a 1984, quando a previsão inicial era de dois anos.

Orçamento do São Pedro foi entregue ao presidente Geisel numa folha de caderno l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

“O engenheiro responsável pela construção do Opera House, em Sidney, foi mandando para casa quando mostrou o orçamento, que parecia inadmissível. Hoje, Sidney é o Opera House. Então, o que interessa o quanto é gasto no Multipalco?”, insiste no seu ponto de vista, agora falando do projeto orçado, inicialmente, em 2001, em R$ 24 milhões. “Futuramente, a única coisa que interessará ao mundo é que ao lado da centenária casa, no centro da capital, tem o maior centro cultural da América Latina”, prevê. “Não. O nosso Multipalco é maior do que o Lincoln Center em Nova York”, orgulha-se. “Não há outro igual no mundo”.

Se conseguir logo os R$ 18 milhões que faltam, dona Eva calcula que o teatro do Multipalco estará concluído dentro de dois anos. A preocupação maior é não parar a obra, o que só não aconteceu este mês, porque receberam verbas da Refap. Seu fiel assessor jurídico José Roberto Diniz de Moraes informa que “do ponto de vista construtivo” já estão concluídos 97% das obras. Faltam os acabamentos, que “são caros”. E uma subestação de energia elétrica, avaliada em R$ 2 milhões. “Sem ela – afirma José Roberto – não é possível tocar a obra adiante”. A medida adotada é a de entregar ao público o que já está pronto e pode entrar em operação. Foi o que aconteceu com o estacionamento e a área administrativa. A esperança de José Roberto é abrir, em março de 2012, quatro salas múltiplas e a da Orquestra de Câmara.

Para restauração do São Pedro e construção do Multipalco, a maior parte dos recursos vem da iniciativa privada l Foto:Ramiro Furquim/Sul21

Como o São Pedro, o Multipalco vem sendo construído com a colaboração da iniciativa privada. Antes, lembra dona Eva, os empresários colaboravam sem esperar nada em troca. Eram verdadeiros mecenas. Com a criação das leis de incentivo à cultura, como a Rouannet (federal) e a LIC (estadual), esperam ser beneficiados com abatimentos no Imposto de Renda ou no ICMS. Com isso, os recursos vão pingando. E Eva Sopher qualifica as leis de incentivo de “desastre”. “Elas começaram a dificultar a vida”, conclui.

No total, a obra está orçada em R$ 50 milhões, segundo dona Eva. Uma quantia que não lha parece muito. “O Bradesco, para colocar o nome no teatro em São Paulo, puxou do bolso R$ 40 milhões. Não para fazer o teatro, mas para botar o nome. Em Natal, as Lojas Riachuelo puxaram mais de R$ 50 milhões para dar o nome ao teatro, dentro de um shopping”, justifica. E ressalta: o São Pedro e o Multipalco são espaços não para uma, mas para todas as artes, desde as cênicas até as plásticas.

– Para tocar obras como esta, além de ter paciência, é preciso ter fé. A senhora tem fé?
– Eu acredito na educação, responde. E a educação vem junto com a cultura. Uma coisa não vive sem a outra.

Borderô vai para o Caixa Único do Estado

A manutenção do São Pedro tem sido feita com a renda do estacionamento, administrado pela Associação dos Amigos do TSP, que chega, mensalmente, em média, a R$ 40 mil. Este dinheiro paga o pessoal dos serviços gerais, limpeza, conservação, bilheteria, chapelaria, portaria e equipe técnica de palco. Do Estado, são recebidos mensalmente R$ 10 mil, insuficientes para cobrir o custo da energia elétrica. A conta entregue pela CEEE – sem nenhum desconto, nem mesmo do ICMS cobrado pelo governo – é de R$ 18 mil/mês.

Em 2010, o borderô do São Pedro foi de R$ 350 mil l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

E o borderô? O que é feito com ele? Vai para o Caixa Único do Estado. Em 2010, a renda da bilheteria foi de R$ 350 mil. No primeiro semestre deste ano, já chegou a R$ 250 mil. Eva Sopher e José Roberto são unânimes: o São Pedro é o único teatro no mundo que dá lucro para a administração pública. José Roberto espera que esta relação mude. Dona Eva revela-se esperançosa com a atual administração. Lembra que no governo Yeda Crusius a cultura foi abandonada. A governadora nunca compareceu ao teatro, mesmo recebendo, automaticamente, os 16 convites destinados ao Palácio Piratini. Sobre a secretária da Cultura de Yeda, Mônica Leal, não fala: “Vou ficar devendo a resposta”. A postura dos dois governadores que antecederam Yeda foi bem diferente. Olívio Dutra “sempre frequentou o teatro. Antes, durante seu governo e depois de ser governador”. Germano Rigotto ganhou o apelido de “garoto propaganda” do São Pedro. Apesar desta atenção, a relação de investimentos entre a iniciativa privada e o poder público sempre foi “terrível”, ficando a maior parte a cargo dos empresários.

Divulgação

Tarso Genro e Dilma Rousseff: dois dos nomes em que Eva Sopher deposita suas esperanças l Foto: Diulgação

A esperança de dona Eva tem três nomes: Luiz Antônio Assis Brasil, Tarso Genro e Dilma Rousseff. “Dilma esteve aqui durante a campanha dela, almoçou no Mutipalco. Faço contato com ela, com o governador, com o secretário. As expectativas agora são outras”. Há promessas de envio de recursos? “Felizmente não há promessas, porque promessas não cumpridas são piores. Por enquanto estou só sentindo (que o comportamento vai mudar). Já tive muitas decepções na vida, mas espero que desta vez não tenha”.

Outra expectativa é com a liberação de recursos, por meio da LIC, suspensa desde que o secretário da Cultura do governo Rigotto, Roque Jacoby, sem consultar o Conselho Estadual de Cultura, liberou pouco mais de R$ 1 milhão para o teatro. “Com isso, o Conselho Estadual de Cultura subiu pelas paredes, cortou tudo e processou o secretário. Fui chamada como testemunha de acusação. E o juiz disse que o secretário não teria merecido o nome de secretário se não tivesse feito o que fez”, lembra dona Eva, acostumada com as disputas entre órgãos e servidores, que acabam prejudicando o andamento das obras.

Antonio Hohlfeldt: "basta olhar para a cara dela que a gente sabe que ela está furiosa" l Foto: Divulgação

A última luta de dona Eva foi para reparar o teto do São Pedro. A chuva inundava o palco e encharcava os artistas, embaixadores do teatro pelo Brasil e pelo mundo afora. “Tive de virar a mesa. Tive um ataque de histeria. Agora, estão sendo feitos orçamentos para a reparação”. Quem imagina esta senhora elegante, de cabelos brancos, bem-educada tendo um ataque de histeria? José Roberto ri da pergunta: “A brabeza de dona Eva é a de uma dona-de-casa que está cansada de fazer o mesmo serviço. Ela fala sério, fala braba. Às vezes, fica um pouquinho desaforada, mas não baixa o nível”. Hohlfeldt, seu biógrafo, diz que “basta olhar para a cara dela que a gente sabe que ela está furiosa. Depois, dá uma resposta seca e direta, tipo soco de nocaute. Se diz palavrão, fica lá dentro com ela; não sai. Ela é uma alemã bem educada. Outra alternativa é a ironia com que responde”.

Geraldo Hasse: “Eva parece não ligar para prestação de contas. Mas não há dúvida de que tem espírito público" l Foto: editoracoruja.com.br

A obstinação e determinação impressionam também quem conversa com dona Eva pela primeira vez, como Geraldo Hasse: “fiquei impressionado com a determinação dela. Dizer que a vontade férrea é coisa de alemã não basta, pois há muito alemão frouxo por aí. Acho que ela tem ainda a panca herdada do pai Plaut, banqueiro que, mesmo perdendo os anéis para o nazismo, chegou com os dedos intactos a São Paulo em 1937, o ano do Estado Novo getulista”. Geraldo também se impressionou com as respostas de Eva Sopher, quando questionada sobre os custos das obras: “O que interessa é o resultado”, ela repete sempre. “Eva parece não ligar para prestação de contas. Mas não há dúvida de que tem espírito público. Tanto a pessoa quanto a obra são admiráveis”.

60% dos espetáculos são locais

Guri de Uruguaiana: 99% do público nunca haviam entrado no teatro l Foto: visitecachoeira.com.br

A maioria dos espetáculos apresentados no São Pedro, atualmente, são produções locais. Sessenta por cento, informa dona Eva. Esta composição da grade, porém, não é proposital. É resultado da resposta do público. “O Guri de Uruguaiana, em três semanas, colocou aqui dentro 12 mil pessoas. E agora, um chute meu: 99% destas pessoas nunca tinham entrado no teatro”, diz Eva. Em 2010, 60 mil pessoas estiveram no TSP. O público cresceu muito no primeiro semestre de 2011, como a receita.

José Roberto ressalta que este é o resultado do trabalho de uma boa equipe. Na liderança, Eva Sohper, por quem de diz apaixonado e chama de monstro sagrado.

– Por que ninguém diz nada contra a dona Eva?
– Impossível falar mal dela, afirma José Roberto. Muita gente gostaria de dar uma espinafrada nela, porque ela incomoda. Mas não tem como. Não há o que dizer. Ela é uma mulher livre, com a vida resolvida. É uma pessoa com objetivos e metas claras. O Theatro São Pedro e o Multiplaco são o que ela quer deixar para o futuro.

Dois grandes amores

O primeiro e definitivo amor de Eva Sopher é Wolf, com que se casou, em março de 1946, no Rio de Janeiro, três meses depois de conhecê-lo. O único momento em que demonstra tristeza é quando fala da perda do marido, que faleceu, em 1987, depois de 41 anos de união. “Quando ele morreu, morreu tudo”. Em Doce Fera, ela revela a mágoa com quem lhe disse ao telefone: “Seu marido tem seis semanas de vida. Sem tratamento. Com tratamento talvez consigamos uns nove a onze meses”. Ela se revolta: “Isso não se faz com ninguém. Nem com o pior inimigo”.

O amor à primeira vista – “tinha certeza de que havia encontrado a pessoa certa” – se transformou num casamento perfeito, como aqueles em que poucos acreditam. Dona Eva escreve em sua biografia: “Contrariando o lugar-comum de que não há casal sem briga, declaro ser isso uma tolice. Desde que exista o amor, o respeito, a paciência e a convicção de que cada ser tem o direito de ser, é perfeitamente possível viver-se em harmonia e paz”.

"Quando Wolf morreu, morreu tudo" l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com Wolf formou uma família de duas filhas, quatro netos e seis bisnetos, para os quais cozinha, religiosamente todos os domingos. O gosto dos bisnetos é determinante para a escolha do prato a ser oferecido. Nem os netos, nem os bisnetos, acostumados com a sua vida de empresária cultural, reclamam das 12 horas, em média, que passa no TSP. As filhas, sim. Acham um exagero. Mas, o São Pedro entrou para a vida de Eva como outra grande paixão. Em 1982, deixou a Pro Arte e passou a dedicar-se unicamente a ele.

Ela caminha pelos corredores como uma perfeita anfitriã. Sem modéstia, mas sem arrogância, fala na primeira pessoa do singular, ao contrário dos políticos que gostam de usar a primeira do plural. Conta o que fez pelo teatro, mostra o que restou do velho edifício – “esta é uma parede do século XIX, que decidi conservar” , “aqui está o ar condicionado, que decidi enterrar, para não prejudicar a acústica do teatro” -, porta-se como uma estrela, que já sabe como se portar para a fotografia. “Vais fotografar contra a luz?”, pergunta para o fotógrafo. “De lá a foto vai ficar melhor”. Olha tudo, vê tudo e decide tudo. Ninguém contesta.

"Impossível falar mal dela", afirma o assessor jurídico José Roberto de Moraes l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

"Como este operário, me pergunto: onde fui me meter?" l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O domingo de Eva é dedicado inteiramente à família: duas filhas, quatro netos e seis bisnetos l Foto: Ramiro Furquim/Sul21