Cotação do dia

USD/BRL
EUR/USD
USD/JPY
GBP/USD
GBP/BRL
Trigo
R$ 115,00
Soja
R$ 180,00
Milho
R$ 82,00

Tempo

Nei Lisboa: “A democracia patina sem dar mostras de que evolui”

Felipe Prestes

O Sul21 convidou o cantor e compositor Nei Lisboa para um papo em que se falasse sobre democracia, revoltas sociais, ditadura, gauchismo e – por que não? – música. Nei soltou o verbo sobre todos estes temas, mesmo com o jeitão tímido, o falar baixo, às vezes quase sussurado. No papo de quase uma hora, em uma lancheria tradicional do bairro Bom Fim em Porto Alegre, o compositor repleto de conteúdo crítico em sua obra musical explicou por que política e música têm se afastado cada vez mais. “Acho que é um sentimento genérico muito forte, não é só da música, mas de muitas áreas, de descrença naquilo que a imensa maioria diz que é uma democracia consolidada. Acho que a democracia, ao contrário, patina sem dar mostras de que evolui para uma democracia plena”, disse.

Nei se mostrou descrente, inclusive, com o contexto atual de revoltas nos países árabes e na Europa e o comparou com o início do século XXI, com os protestos contra a globalização e o surgimento do Fórum Social Mundial – momento motivou Cena Beatnik, disco de 2001. “Aqueles protestos de Seattle (durante um encontro da OMC, em 1999) tinham um caráter bem mais ordenado, em termos de um objetivo, um ideal”.

O compositor, que teve o irmão mais velho Luiz Eurico Tejera Lisboa, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), desaparecido em 1972, também falou sobre a iminência da criação da Comissão da Verdade. Sobrou tempo, é claro, para falar de música. Nei está compondo e um novo disco deve sair no ano que vem, sete anos depois do último álbum autoral.

Sul21 – Nos anos 1970, tivemos no Brasil muita música com conteúdo político. Nos anos 1980, também e de uma maneira até mais explícita, durante a abertura política. Tu fizeste muito e também as bandas de rock, como Titãs, Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso. Atualmente, parece que não temos muito isto. Tu também tens esta impressão? Será que a democracia consolidada tirou o tesão de compor sobre política?

Nei Lisboa – Acho que é um sentimento genérico muito forte, não é só da música, mas de muitas áreas, de descrença naquilo que a imensa maioria diz que é uma democracia consolidada. Acho que a democracia, ao contrário, patina sem dar mostras de que evolui para uma democracia plena. Parece demandar mais do que uma reforma, ou um aperfeiçoamento: uma ruptura com alguma coisa. Parece dar mostras de ser uma estrutura política umbilicalmente ligada a uma visão capitalista, neoliberal do mundo. Pelo menos assim ela é usada o tempo todo. A primeira ameaça que surge contra a liberdade absoluta para os movimentos de capital ou para qualquer das estruturas liberais já se chama de uma ameaça à democracia. Isto vai gerando um desconforto genérico nas pessoas. Elas estão vendo que na verdade aquilo que domina o Estado é o poder do capital financeiro.

Sul21 – Isto tudo não seria um prato cheio para representações na música?

Nei Lisboa – Acontece é que na medida em que o tempo vai passando e as pessoas veem que estas estruturas se eternizam. O caso do Congresso brasileiro, por exemplo: todo mundo já cansou, há um desgaste do próprio protesto, tu passas a desacreditar. Hoje, no que tu vês acontecendo nas ruas em Londres, por exemplo, as pessoas chegam se perguntar: “mas por que mesmo?”. Passa a ter um objetivo mais fluido, genérico, porque a dimensão do caminho político e partidário não serve para ninguém. Isto é muito ruim. Acho que é a pseudodemocracia forjando um ambiente de descrédito total à democracia.

Sul21 – Tu disseste em um bate-papo no Núcleo da Canção da Ufrgs, que quando lançaste o Cena Beatnik, em 2001, tu vias o surgimento de uma alternativa ao modelo neoliberal, que tinha tido uma hegemonia bem maior nos anos 1990.

Nei Lisboa – Aquele foi um bom momento, mas muito pontual. Aqueles protestos de Seattle (durante um encontro da OMC, em 1999) tinham um caráter bem mais ordenado, em termos de um objetivo, um ideal. O Fórum Social Mundial foi uma tentativa de dar uma ordenação a este debate, alternativas para esta cilada de estarmos presos a uma democracia. Em cima daquele momento veio a queda das torres e uma reação fortíssima conservadora. A América Latina é um caso um pouco à parte, seguiu um rumo contrário. Na Europa e nos Estados Unidos a visão conservadora teve a primazia, cresceu na última década.

Para Nei, revoltas atuais pelo mundo são apenas reativas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Naquele momento em que surgiu Cena Beatnik tu não lançavas um disco com músicas autorais desde 1993 e então lançou um dos discos que considero estar entre teus melhores. Como tu acompanhas este momento em que vivemos de revoltas árabes e na Europa, estas marchas organizadas pela internet por direitos individuais no Brasil? Pode sair um disco um novo disco a partir deste momento?

Nei Lisboa – Não, não com aquele entusiasmo do Cena Beatnik. Eu estou trabalhando em um projeto de disco que vai tocar em coisas do coletivo, dos dias de hoje, mas não com aquele entusiasmo. Hoje, como eu te falei, enxergo a coisa dispersa demais. Estas revoltas que estão acontecendo são fruto de uma pressão social tremenda, de uma política conservadora, deste receituário que, depois de a gente ter tomado nos anos 1990, estão aplicando lá fora. Mas elas são somente reativas, não são propositivas de nada novo. Não há um caminho novo que a esquerda no mundo tenha conseguido apresentar. Há aqui na América Latina algumas tentativas. O Brasil pode ser um exemplo, mas num sentido mais reformista. E não se apresentaria como um exemplo para estas massas que estão nas ruas em Londres, por exemplo. Mesmo as revoltas árabes muitas vezes são tribais, estão brigando entre si, ou insufladas por interesse europeu e americano. Falta um objetivo. É uma reação desesperada simplesmente. Não posso me alegrar, não posso ter maiores expectativas. Nunca saiu boas coisas do desespero.

Sul21 – Lembra um pouco 68?

Nei Lisboa – Não, 68 foi uma coisa mais ideológica, mais conduzida. Um desespero administrado.

Sul21 – Embora não tenha tido resultados.

Nei Lisboa – É relativo, a gente fala até hoje de 68, porque está na gente de alguma forma. Mexeu com as estruturas. Certamente deixou sua herança, sim.

Sul21 – Tu gravaste um vídeo em apoio a Dilma Rousseff durante a campanha presidencial, mas agora tu estás desiludido com a esquerda, com o governo?

Nei Lisboa – Estava falando do mundo todo, mas, dentro deste contexto, acho que a Dilma vai muito bem. Estou gostando muito do governo dela. Ela está se arriscando justamente em mudar um Estado de coisas. É curioso que se fala tanto, toda hora, em corrupção e no instante em que ela está metendo a mão nisto – instigada ou não pela imprensa- a popularidade dela cai. É de se perguntar se as pessoas preferem ser enganadas, se esta pseudodemocracia não é uma doença social de preferir ser enganado.

Sul21 – Tu tiveste um irmão desaparecido durante a ditadura. Como tu vês este contexto em que ganha força a criação da Comissão da Verdade?

Nei Lisboa – A princípio, com muito bons olhos. A gente está na expectativa de como é que se vai formular esta comissão. Os familiares de desaparecidos tinham um rol de demandas que foram encaminhadas para a ministra de Direitos Humanos e isso ainda está em suspense. Ainda não se sabe que formato terá esta comissão. Aparentemente, até os militares estavam satisfeitos com a primeira formulação. Se for apenas uma comissão pro forma… no Brasil é difícil fazer com que a sociedade se interesse por isto e veja algum significado. Fica mais uma coisa “daquelas famílias, coitadinhas”.

"A gente fala mal dos congressistas, mas não fez nada para responsabilizar aqueles que sustentaram politicamente a ditadura" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Não é uma coisa que una a sociedade em torno do tema como na Argentina.

Nei Lisboa – Mesmo no Uruguai, na Argentina e no Chile que já andaram bem mais que nós foram processos difíceis, com idas e vindas. O sentimento que as pessoas têm em relação a este período foi forjado no medo. Esquecer isto, virar a página é que as pessoas mais querem. Elas só não se dão conta que não estão virando página nenhuma, porque na medida em que tu não passas a limpo esta história, tu dás margem a que as estruturas vindas de lá estejam se eternizando, por exemplo, na ideologia de Estado que se prega nas Forças Armadas, na impunidade policial que a gente tem e na própria política. A gente fala mal dos congressistas, mas não fez nada para responsabilizar aqueles que sustentaram politicamente a ditadura. O primeiro presidente civil após a ditadura tinha sido presidente da Arena poucos anos antes.

Sul21 – Tu achas que a luta pela Comissão da Verdade seria um bom objeto para a classe artística se envolver?

Nei Lisboa – Não vejo porque a classe artística em especial. É uma questão nacional que deveria envolver a todos. No mínimo, as gerações que viveram mais de perto, para que a gente legue aos mais jovens uma verdade, não um conto de fadas.

Sul21 – Teus discos sempre trouxeram uma diversidade de ritmos, mas no começo da carreira tu eras mais calcado no rock, no blues; depois teve uma fase reggae e flertaste com o candombe, no Amém. Agora tu tem feito mais baladas, com um toque de jazz, de blues. Pode haver uma reinvenção, um flerte com um novo ritmo?

Nei Lisboa – Pode sim. Nesta década que passou, tive uma produção pequena. No início da década foi até intensa, com o Cena Beatnik e o Relógios de Sol. Depois veio um período de produção pequena, teve o Translucidação, há cinco anos. Eu me encaminhei muito para uma coisa de canção, de MPB. O Relógios de Sol e o Translucidação têm muito disso, esta cara de MPB. O disco que está vindo agora é baladeiro, no sentido de uma balada rock. Parece mais conectado com os anos 80 do que com os últimos discos. Não saberia te dizer por quê.

Sul21 – Mas não vem nada de muito diferente, como foram tua inflexão para o reggae e depois para o candombe?

Nei Lisboa – Não, vem mais um retorno baladeiro, com poucos acordes. Quando eu digo MPB, falo de riqueza harmônica, de ficar trabalhando isto no violão. Agora não.

Sul21 – Será mais simples? Um pouco de folk?

Nei Lisboa – Isso, um pouco de folk, baladas, rock. Simplificar. Acho gostoso isso. Com três acordes se produz uma coisa muito legal, que enleva as pessoas. E solta a palavra também. A elaboração harmônica muitas vezes trava a letra. Se torna um jogo de paciência achar a palavra exata para caber ali. E as baladas te liberam mais para um texto, para uma coisa mais próxima da prosa.

Sul21 – Em que fase está o disco?

Nei Lisboa – Muito no início. Até o final do ano, no máximo na temporada de verão que a gente tem feito todos os anos, vou mostrar o repertório, para amadurecer e gravar no ano que vem.

Sul21 – Tu fizeste algumas músicas sobre Porto Alegre, como Telhados de Paris e Berlim, Bom Fim. Acho que tu foste um dos únicos. Porto Alegre é pouco cantada em comparação a outras capitais como Rio de Janeiro, Salvador e até São Paulo.

Nei Lisboa – Tem uma coisa que se relaciona com a autoestima da cidade e o plano em que ela se vê, ou que a veem. O Rio de Janeiro é um caso muito a parte, é a Cidade Maravilhosa, mas Porto Alegre foi sim cantada por muitos, Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, o Vitor Ramil e outros tantos. Muitas vezes não aparece tanto este repertório, de repente soterrado sobre Porto Alegre é demais (risos), que tem uma execução demasiada.

Sul21 – A gente tem poucas músicas exaltando a cidade.

Nei Lisboa – É outra relação com a cidade, mas acho isso ótimo, ter uma relação mais crítica. Eu acho ruim justamente quando se fica adocicando demais a ideia de Porto Alegre ser maravilhosa, uma visão assim “família no sofá, ao lado da lareira”, quando a realidade é muito diferente.

Sul21 – No Translucidação tu tens uma música engraçada sobre Porto Alegre, Em Pleno Carnaval, que é um exemplo disto, em que tu falas sobre a cidade vazia durante o carnaval.

Nei Lisboa – Aquela música foi feita no deserto do carnaval em Porto Alegre. Para quem não curte o carnaval em Porto Alegre, que é toda uma outra cidade que está naqueles dias sambando. Mas para quem está no centro e vê o vazio que fica, é aquele sentimento que eu botei ali. Tem outra música que eu fiz para Porto Alegre, que se chama Pronta Entrega, do Cena Beatnik, que é mais carinhosa com a cidade, mais amorosa, que diz: Sou das manhãs dessa cidade/Na meia-estação/E em plena liberdade/Reluzindo a Redenção/E sou do céu do fim da tarde/Do roxo e carmim/Do sol virar saudade/Levitando a multidão. Esta é a que foi feita mais especialmente para a cidade, carinhosamente para ela.

Sul21 – Tem uma coisa que é muito comum no Rio de Janeiro, de ter músicas para bairros da cidade como a Lapa e Copacabana. Tu fizeste isto, de certa forma, para o Bom Fim, com Berlim Bom Fim.

Nei Lisboa – É, o Bom Fim foi nominado nesta música, mas, sem ser citado, ele estava em todas as músicas que fiz naquela época. Onde ele aparece, na verdade, é menos uma exaltação ao bairro e mais uma comparação. Eu estava lendo um livro do Ignácio Loyola Brandão, escrito quando ele estava estudando em Berlim, O verde violentou o muro, sobre aquela efervescência ainda antes da queda do muro. Foi o que me inspirou.

"A mídia se serve do gauchismo para vender seu produto" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Como é ser um músico marcadamente porto-alegrense num universo em que se diz que a cultura é gaúcha? Em uma cidade em que, por exemplo, não há nenhum boi e o monumento principal da cidade é um laçador?

Nei Lisboa – A última vez em que eu tentei falar sobre isto quase fui apedrejado em praça pública (risos). Vou tentar dizer de uma forma mais delicada. Me faz falta compor coisas que tenham uma conexão musical explícita com a terra em que eu vivo. Ao compositor de Porto Alegre acho que é um sentimento comum. Aqui é uma terra de multiplicidades e isto é muito legal. Acho que é a melhor coisa de Porto Alegre. Tu tens samba, rock n’ roll, reggae; um pouco de Brasil, um pouco de América Latina. No momento em que a multiplicidade se permite acontecer, isto é bárbaro. Ao mesmo tempo, eu sinto falta de vez em quando de uma identificação cultural que brote debaixo do chão. O caso do Gilberto Gil, por exemplo, um cara que transita pelo pop, mas, de repente, rola uma coisa de São João que é da poeira de onde ele nasceu. O que poderia suprir isto aqui seria, de fato, o modelo de música da fronteira. A gente não está na fronteira, mas ela chega muito facilmente à gente. O que há de mais particular em matéria de música aqui é a música da fronteira com o Uruguai e com a Argentina. A minha queixa é que eu não ouso mesclar meu trabalho com este mundo, porque ele sempre vem carregado de formulismos, de preconceito, de uma visão do gaúcho demasiado heroica.

Sul21 – Tu temes ser identificado com estes valores, ao fazer algo semelhante?

Nei Lisboa – Não é temer, é não querer mesmo, nem para mim, nem para ninguém. Isto vai muito além da música. Acho que a gente merece mais do que isso. Acho ruim ver, por exemplo, em jogos de futebol as pessoas cantarem aquele hino do Rio Grande do Sul com um ufanismo que sempre me passa uma ideia de que a gente seria melhor do que outros, ou de que tem necessidade de afirmar isso. No fundo, acho que estamos vivendo décadas de um Estado que vem perdendo sua força dentro do País, e isto gera nas pessoas uma necessidade de afirmar o contrário. Mas isto é trabalho para sociólogos, antropólogos. Tem muita gente que tem tratado disso, historiadores de porte que escrevem sobre esta questão do gauchismo, e isto pouco aparece. A mídia se serve disto para, a partir deste sentimento daquilo que “é nosso”, vender seu produto, que também é local.

Sul21 – Em uma entrevista que fizemos com Arthur de Faria ele imaginou como seria bom se toda a estrutura que os CTGs têm no Brasil e no Exterior pudesse difundir os filmes feitos por aqui, a tua música, a música até dos grupos de rock daqui, o samba, a literatura gaúcha. Como tu vês isto?

Nei Lisboa – Como seria bom se toda esta estrutura pudesse ela mesma produzir cultura com liberdade. Sem esta dimensão pobre, caricata e fascista de ter sua indumentária regulamentada, seu instrumental limitado. “Tu não podes tocar de tênis, nem guitarra, nem não sei o quê”. Isto é o fim da picada. Uma estrutura que impõe isto às pessoas não pode ter suporte oficial, não pode estar inserido em uma dimensão de Estado da cultura. E aqui a gente está levando isto para as escolas. A visão histórica do tradicionalismo a respeito da formação cultural do Estado hoje é parte do educandário. As crianças estão aprendendo o que qualquer historiador sério diria que é uma inverdade.

"No fundo, acho que estamos vivendo décadas de um Estado que vem perdendo sua força dentro do País, e isto gera nas pessoas uma necessidade de afirmar o contrário" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Tu tens uma imagem de que seria um cara que não quis sair de Porto Alegre…

Nei Lisboa – Isto é uma inverdade (risos).

Sul21 – Tu fizeste no ano passado uma turnê por todo o Brasil. Como é que foi a receptividade do público? Por que pela imagem que se faz de ti é como se tu fosses praticamente desconhecido fora do Estado.

Nei Lisboa – E sou muito pouco mesmo, porque estive muito pouco na mídia. Eu vou todo ano a São Paulo. Ano passado a gente foi duas vezes, neste ano já voltei. Mas são coisas pontuais, localizadas. É um público alternativo. Poucas vezes tive inserção na grande mídia. O pessoal que é da área – músicos e imprensa especializada – sabe quem eu sou, mas o grande público não. Tem alguns lugares em que eu tenho um pequeno público formado, como São Paulo e Curitiba. Belém do Pará nos surpreendeu no ano passado. Tem uma rádio lá, educativa, e um público que é ligado à música de Porto Alegre. O Vitor faz shows seguidamente lá em teatro.

Sul21 – Como foram os shows nestas capitais mais distantes?

Nei Lisboa – Belém foi maravilhoso. Em Brasília e Rio de Janeiro, também. Mas muitas vezes com gauchada. Brasília foi um encontro da gauchada, serviu para reunir gente que não se via há bastante tempo.

Sul21 – Porque tu resolveste sair pelo Brasil depois de tanto tempo?

Nei Lisboa – Estas coisas a gente não resolve, a gente faz quando pode. Conseguimos um patrocínio da Petrobras. Eu estava fazendo 30 anos de carreira e começamos a captar para fazer uma comemoração em torno disto. A princípio até pensamos em um DVD e não nesta turnê, mas no caso da Petrobras eles não bancam DVD. Foi uma circunstância que se uniu a uma data chave. E também a coisa estava se justificando por um acúmulo de trabalhos que eu tinha lançado e que eu tinha posto na roda aqui e que não chegavam a outros lugares. Tinha uma demanda das pessoas que moram em outros lugares. Acho que o meu trabalho tinha significado suficiente para se autorizar a este patrocínio dentro desta política de aproximação de trabalhos com caráter regional dentro do Brasil.

Sul21 – Tu ias dizendo que não é verdade que tu não quiseste ter uma carreira nacional.

Nei Lisboa – Isto é uma bobagem. Quem é que não quer comer a Malu Mader? Mas a Malu Mader quer dar para ti? Mas o que é que eu vou ter que fazer para comer ela? Vou ter que ir para o Rio de Janeiro, morar anos lá.

Sul21 – Olha, que ela é casada com o Toni Belloto.

Nei Lisboa – Vou ter que matar o Toni Belloto. Vai render um livro policial póstumo dele. É claro que eu poderia investir. A esta altura do jogo, vamos combinar, eu não vou para lá disputar o mercado com a gurizada que está iniciando, já tendo construído para mim uma situação relativamente confortável de sobrevivência. Então, não é uma recusa vaidosa do sistema, ou do resto do Brasil. Fiz o que pude.

Sul21 – Como está tua carreira de escritor?

Nei Lisboa – Abandonada. Eu escrevi dois livros com intervalo de 15 anos entre eles. O terceiro sabe-se lá quando. Eu adoro escrever.

Sul21 – Tu manténs este hobby, então? Continuas escrevendo?

Nei Lisboa – Por temporadas. Depois do primeiro livro fiquei anos sem escrever e voltei nesta década que passou, como colaborador de jornal, com as crônicas que reuni no segundo livro. Mas eu sou lento, sou um amador. Me toma muito tempo escrever e reescrever, até achar… A minha vantagem é que eu tenho certa autocrítica, mas também é o que inviabiliza um pouco a coisa. Houve um momento, em 2005, em que eu tinha que escrever três crônicas em um mês. Eu escrevia mensalmente para o Extra Classe e quinzenalmente para Zero Hora. Escrever estas três crônicas acabava com meu mês. Eu parei porque eu tinha que fazer um disco. E no momento não tenho escrito nada. Já se foram os tempos em que o negócio era mais impulsivo, e a produção era mais rápida.

Fonte: Sul 21