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Marcos Rolim: não se resolve o problema da segurança com UPPs

Instalado há três anos no Rio de Janeiro e em caráter experimental no Rio Grande do Sul, o principal modelo de policiamento comunitário adotado no Brasil — as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) — não é recomendado para os territórios gaúchos. A avaliação é do consultor em segurança pública e direitos humanos Marcos Rolim, que em entrevista ao Sul21 analisa os avanços e retrocessos nesta área no país e as primeiras ações do governo estadual na segurança pública.

Para Rolim, a política nacional de segurança hoje não passa de uma intenção de aplicar as UPPs do Rio de Janeiro em todo o país.  “Sérgio Cabral vendeu uma  ilusão tão forte que está incorporada no programa de governo da  Dilma”, critica. Ele alerta que são necessárias outras medidas, tais como mudanças na legislação federal para reformar as polícias e políticas públicas, para além da criação de mais vagas no sistema prisional brasileiro, entre outras medidas que vão de encontro ao “discurso convencional, achando que vão convencer as pessoas que se resolve o problema de segurança com as UPPs”.

Na entrevista, Marcos Rolim analisa também as primeiras ações do governador Tarso Genro na área de segurança pública. “É desconhecida a política de segurança do governo Tarso. E não só para mim”, aponta.

Sul 21 – Como o senhor avalia o modelo, adotado no Rio de Janeiro, de ocupação das favelas cariocas, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), consideradas referência nacional para segurança pública?

Marcos Rolim – Esse é um tema central para se discutir a segurança pública no Brasil hoje. O governo do Rio de Janeiro vendeu para a opinião pública uma ilusão e setores da sociedade, especialmente a mídia, a começar pela rede Globo, se entusiasmaram com esta ilusão e foram artífices desta ideia de que bastaria uma medida como a instalação das UPPs para que toda a segurança fosse equacionada, para que o tráfico fosse derrotado e a sociedade fosse, como se anunciou, pacificada. Eu escrevi vários artigos sobre o assunto  defendendo que isso é uma ilusão, que o Rio de Janeiro não será pacificado desta forma. Em primeiro lugar, porque as UPPs são uma estratégia importante, mas devem ser concebidas como um braço da política, que deve ter outros braços. O tema da segurança é complexo e devem ser pensadas soluções também complexas. Soluções simples não resolvem. As soluções devem articular sinergicamente as ferramentas do Estado na saúde, educação, esporte, lazer, nas políticas para a juventude. Os jovens de periferia no Brasil estão abandonados, não estão só desempregados, estão abandonados pelo Estado. Eles estão fora da escola e sem qualquer perspectiva. É isso que precisamos fazer se quisermos disputar espaço no mercado das drogas. E estas questões não foram se quer tocadas no Rio. O governador Sérgio Cabral, com apoio do governo federal, vendeu uma ilusão tão forte que está incorporada no programa de governo da Dilma. A presidenta anunciou como única e principal meta as UPPs para o Brasil inteiro. É assim que se produzem as farsas e os mitos na política.

 

Sérgio Cabral e Dilma Rousseff | Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

"O governador Sérgio Cabral, com apoio do governo federal, vendeu uma ilusão tão forte que está incorporada no programa de governo da Dilma. A presidenta anunciou como única e principal meta as UPPs para o Brasil inteiro. É assim que se produzem as farsas e os mitos na política" | Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Sul21 – Qual a melhor forma de combater a criminalidade no Rio de Janeiro?

Marcos Rolim – O Rio de Janeiro tem vários problemas na área da segurança pública, mas o principal deles não é o tráfico, é a polícia. Grande parte dos policiais cariocas estão articulados em milícias. Eles já superaram o papel do policial sócio do crime, eles são donos do negócio. Eles exploram por meio das milícias regiões inteiras, bairros e favelas que não têm as UPPs. O foco das UPPs desde o começo não priorizou o combate às milícias. É como se o governo dissesse que vai enfrentar o tráfico em uma das suas facções, que é o Comando Vermelho, e vamos deixar as demais e as milícias. O preço disso é o assassinato de uma juíza e outros fatos que tornam a situação no Rio de Janeiro irrespirável.

Sul21 – Enfrentar este problema da milícia com a estratégia de formar novos policiais não é uma alternativa?

Marcos Rolim – Mas também não há uma política séria neste sentido. A única tentativa do governo com as UPPs é trabalhar com recrutas. Só policiais novos entram nas UPPs, eles ficam o máximo possível sem contato com a polícia. O que não é sustentável. Mais cedo ou mais tarde eles terão contato, terão que fazer parte de uma estrutura orgânica de polícia. A tendência de se contaminar com esta tradição da milícia é muito grande. O desafio da reforma das polícias não foi se quer concebido no Rio de Janeiro, porque não é interessante do ponto de vista político e midiático. Isto não dá manchete, nem foto. Destaque na mídia dá um blindado subindo uma favela. Esta imagem foi outra ilusão criada. Quem conhece as favelas do Rio de Janeiro sabe disso. Um blindado não tem nada o que fazer em uma favela. Os rabecões não sobem favela, nem botijão de gás, tudo tem que ser levado pela mão. Os blindados subiam até seis metros, passavam as barricadas e paravam. Os canhões dos blindados foram para quê? Eles iam disparar contra a favela? Foi só para causar impacto na mídia. Isso é ridículo do ponto de vista da segurança pública. Este tipo de discussão não foi feita e agora percebemos que o tráfico voltou e que as favelas não estão pacificadas coisa nenhuma.

A presença de militares que não têm esta preparação de policiamento, por muito tempo dentro da favela, abre precedente para estes homens se corromperem.

Sul21 – Nas últimas semanas foram registrados conflitos entre os moradores do Complexo do Alemão e o Exército, que permanece no local desde a megaoperação das forças de segurança. Isto está ocorrendo porque as Forças Armadas não deveriam estar mais no morro?

Marcos Rolim – Sim. É isso. Os riscos são graves para as Forças Armadas. A presença de militares que não têm esta preparação de policiamento, por muito tempo dentro da favela, abre precedente para estes homens se corromperem. O tráfico de drogas trabalha muito com infiltração. Há um cuidado no recrutamento dos soldados no Rio de Janeiro por isso, para não ter soldados infiltrados. Daqui a pouco veremos homens das forças armadas respondendo aos interesses do tráfico. Já temos seguramente soldados corrompidos hoje.

Agência Brasil

"Daqui a pouco veremos homens das forças armadas respondendo aos interesses do tráfico. Já temos seguramente soldados corrompidos hoje" | Foto: Agência Brasil

Sul21 – Como o senhor idealiza esta reforma das polícias no país?

Marcos Rolim – Temos um modelo que é único no mundo. Temos em cada Estado duas polícias. Na verdade são duas metades de polícia. Temos uma polícia que faz metade do ciclo (investigação) e a outra faz a outra metade (policiamento ostensivo). Em qualquer lugar do mundo a mesma polícia faz todo o ciclo completo, investiga, prende, faz tudo. Aqui dividimos. Em Nova York tem detetives e homens na rua que pertencem à mesma polícia. No Brasil, há um questionamento que ninguém faz: por que a Polícia Civil, que é para investigação, tem identificação em carros e coletes? Não tinha que ser discreto? Ou ainda: por que a Brigada Militar tem um departamento de inteligência? Para quê? Ela faz identificação? É para fazer questão de se identificarem para a população, o que gera disputa entre as polícias. Para piorar o quadro, há uma subdivisão de funções internas. Uns ganham mais e têm mais prestígio dentro da corporação, outros menos e acabam se boicotando internamente. É evidente que um sistema destes não pode funcionar.

Sul21 – Como mudar esta cultura dentro das corporações, se qualquer proposta inovadora já causa resistência?

Marcos Rolim – Enfrentar isso é uma tarefa fundamental para o Brasil na área da segurança pública. Ainda mais depois que a sabedoria dos nossos constituintes colocou este modelo na Constituição Federal. O Brasil é o único país do mundo que colocou o seu modelo de polícia na Constituição, é o artigo 244. Então qualquer mudança nesse modelo é reforma constitucional, três quintos de votos, etc. e tal. Então tu não mexes com isso. Agora, é uma situação que é central e que envolve a satisfação dos próprios policiais. A gente fez uma pesquisa chamada “O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil”, em 2009. Essa pesquisa é minha, do Luiz Eduardo Soares e da Sílvia Ramos. Nós tivemos mais de 64 mil policiais que responderam à nossa pesquisa. E a gente mostra que a maioria esmagadora dos policiais do Brasil não quer esse modelo, eles estão contra, mas é um pessoal de baixo. O pessoal de cima esta satisfeito com o modelo e não quer mudar. Quando se chama no Congresso pra discutir as polícias, vão os representantes grandes, coronéis e delegados que dizem: “Não, está bem assim”.

"Hoje o que há são petistas de expressão a nível nacional que têm o mesmo discurso estilo “lei e ordem” da extrema direita na área da segurança pública" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Sul21 – Mas e o documento aprovado na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública?

Marcos Rolim – Não deu em nada. Porque o governo se acovardou, não apresentou proposta nenhuma. Colheu as sugestões de todo mundo e aprovou todas. Inclusive aquelas que são contraditórias. Então tu pegas as resoluções da conferência e há posições propondo “A” e do outro lado “não A” e as duas estão aprovadas. É a democracia petista.

Não há nenhuma reforma destas  instituições, há pelo contrário, uma reforma do PT, que se integra a  estas instituições.

Sul21 – O senhor organizou o projeto político de segurança pública da ex-candidata a presidente pelo PV, Marina Silva. Como avalias a política de segurança do governo Dilma?

Marcos Rolim – Não tem. O programa do governo do Lula na primeira eleição dele, que eu participei do programa, é o programa mais avançado de segurança pública do país. É um programa de reforma. Ele abre com uma proposta de reforma constitucional das polícias. É um programa que avançou muito, mas quando o Lula ganhou as eleições, ele esqueceu do programa de segurança. Ele fez alguma coisa, mas enfim, não avançou muito. No segundo mandato, esse programa foi esquecido. O que se aprova na segunda eleição do Lula é uma coisa completamente anódina, são afirmações genéricas. Não tem uma definição clara. E na gestão da Dilma, a regressão é ainda maior. Há uma carência nessa trajetória do PT que é enorme. A primeira delas: a inexistência de qualquer perfil reformador; quer dizer, se tu olhares a atuação dos governos do PT com as instituições brasileiras, a gente nota claramente que não há nenhuma reforma destas instituições; há pelo contrário, uma reforma do PT, que se integra a estas instituições. Mas tu não tens reforma institucional no Brasil em nenhuma área. Na área de segurança pública isso é muito visível porque não se toca nas polícias, mas também não se toca nos presídios. Então o tema da reforma prisional desapareceu do horizonte da esquerda brasileira. E de novo acontece o mesmo processo: o que é reformado é o discurso do PT, então hoje o que há são petistas de expressão a nível nacional que têm o mesmo discurso estilo “lei e ordem” da extrema direita na área da segurança pública. O negócio é penas mais graves, mais cadeias, mais policiais nas ruas. Essa história é regressiva do ponto de vista da segurança pública e dos direitos humanos, o que é uma pena, mas é a verdade. Isso não quer dizer que essa experiência de governo não tenha tido avanços muito importantes em várias áreas. Acho que foi um governo muito importante para a distribuição de renda, que abriu uma perspectiva de vida para as pessoas, há políticas sociais importantes, mas na área de segurança pública é uma tragédia. E agora essa tragédia virou farsa porque está reproduzindo esse discurso convencional, achando que vão convencer as pessoas que se resolve o problema de segurança com as UPPs.

 

Caco Argemi/Palácio Piratini

"Mataram cinco na Restinga, agora vamos para lá. Mas temos que ter um diagnóstico para destinarmos melhor nossas ações e o dinheiro público" | Foto: Caco Argemi/Palácio Piratini

Sul21- Quanto o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) contribuiu nos últimos anos do governo federal para transformação da segurança no país? Este programa ainda é executado no governo Dilma?

Marcos Rolim – Atualmente, não sei como está sendo executado este programa. A principal vantagem dele é o aumento do volume de recursos para a segurança. Além de ser a primeira vez que um programa de segurança pública no Brasil passou a lidar com a ideia de prevenção. Isso foi um marco importante comparado com o que tínhamos antes. O limite do Pronasci é que ele é um programa que não parte de um diagnóstico mais concreto dos fatores de risco para a violência e para o crime. Ele lida com base nas ocorrências criminais para definir as áreas que tem mais indicadores de violência e que não necessariamente são as áreas mais violentas. E tem uma questão mais complicada porque envolve as três esferas do governo (município, Estado e União) e elas precisam estar integradas. Esta articulação é muito burocrática, é lenta. E, infelizmente, neste meio já se abriu um espaço para a corrupção. Tem um monte de entidades aparecendo agora para receber recursos, tem intermediários. Parte deste recurso acaba se perdendo. Mas o Pronasci foi um passo adiante e tem que se manter este caminho de investir em segurança pública apostando em prevenção. Só que tem que ter uma formação mais científica que até hoje não foi feita.

Nós não temos nem diagnóstico e nem programa. Este é um desafio do  governo atual, mas já se passaram sete meses de governo e não temos isso ainda.

Sul21 – Diagnósticos precisos e indicadores para a área da segurança são um problema crônico?

Marcos Rolim – Tenho insistido há muitos anos, que para termos diagnósticos na segurança pública não podemos partir de boletins de ocorrência. Porque as ocorrências policiais medem muito mais as atitudes das vítimas do que as tendências criminais. No mundo inteiro se produz diagnóstico a partir de pesquisa de vitimização. Entrevistamos um grupo representativo da sociedade para saber se elas foram vitimadas nos últimos 12 meses. As respostas positivas abrem para outras perguntas e então tu tens uma estimativa muito mais próxima da realidade. Nos países da Europa que já fazem esta pesquisa há mais de 20 anos, se encontram em média cinco a seis vezes mais crimes do que os registrados pela polícia. No Brasil, temos pouquíssimas pesquisas em municípios. Não temos nenhuma em nível estadual. Eu coordenei três delas, Alvorada, Canoas e Rio Branco (Acre). Aqui encontramos dez vezes mais crimes do que os registrados. É bem compreensível o por que isso acontece. Quanto menor a confiança da população na polícia, menor é a taxa de subnotificação e menos se registram as ocorrências. Temos um mar que não está registrado. Para ter acesso a isso, só com esta pesquisa. O governo federal tenta fazer uma pesquisa nacional de vitimização há três anos. Já teve licitação, o instituto Datafolha ganhou, mas não avança. Serão 75 mil entrevistas no país inteiro. Agora parece que estão no final do processo e sai até o final do ano o relatório da primeira pesquisa nacional de vitimização no Brasil. Isto é básico e precisa ser verificado ano a ano para se ter um diagnóstico concreto. Este é um exemplo do porquê não temos política pública concreta na área da segurança. Não temos diagnóstico. Todos improvisam, é tudo no “achismo”. A polícia tem estimativa da sua prática nas ruas. Mas, a maioria dos homicídios a polícia não tem ideia de quem é o autor e associam tudo ao tráfico. Ainda não vivemos em um nível de investigação e embasamento científico. Vivemos na pré-história na segurança pública brasileira. As polícias ficam agindo de forma reativa de acordo com a repercussão dos fatos na mídia. Mataram cinco na Restinga, agora vamos para lá. Precisamos de um diagnóstico para destinarmos melhor nossas ações e o dinheiro público. Isto é outro ponto fundamental. Não nos falta dinheiro na segurança pública. Nós precisamos é aplicar melhor os recursos. Há muito dinheiro sendo desperdiçado, indo pelo ralo. Se gasta com improvisos. Fortunas são gastas para comprar equipamentos e viaturas, mas ao entrar em uma delegacia de polícia tem um computador que não serve pra nada a não ser para escrever porque não está ligado a nenhuma rede de informação do serviço de inteligência das polícias.

 

"O Rio Grande do Sul não tem situações que recomendem UPPs como no Rio de Janeiro. Mas temos uma urgência aqui que é o policiamento comunitário" Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O senhor deu o exemplo da Restinga, que é um dos locais onde o governo gaúcho pretende adotar uma política de segurança que dizem ser similar às UPPs cariocas. Isto é possível?

Marcos Rolim – Quando trabalhamos com segurança pública, além do diagnóstico, temos que ter um programa de segurança conhecido de todos. Escrevemos ele, colocamos na internet, permitimos uma consulta pública, abrimos para a população contribuir. Partindo disso tu irás reparar tuas ações. Nós não temos nem diagnóstico e nem programa aqui. Este é um desafio do governo atual, mas já se passaram sete meses de governo e não temos isso ainda. Eu espero que se consiga fazer. As pessoas precisam saber do programa de segurança pública para poderem ser protagonistas. A imprensa tem que ser mobilizada para sensibilizar a população do seu papel. Se isto não está claro para nós, não deve estar claro para os agentes da segurança pública. Esta inexistência de um conceito claro impede um controle racional por parte da população. Eu imagino que o secretário de segurança e sua equipe saibam o que querem fazer, mas isso não pode estar na cabeça deles, tem que estar na nossa.

Sul21 – Além de conceitual, a diferença entre UPP e Território de Paz, que é o que já existe no RS, também é na forma de aplicação?

Marcos Rolim – O Rio Grande do Sul não tem situações que recomendem UPPs como no Rio de Janeiro. Mas temos uma urgência aqui que é o policiamento comunitário. É ter policiais fixados em áreas geográficas, ganhando hora extra para trabalharem sempre no mesmo local. A intenção com isso é que as pessoas conheçam este policial pelo nome, que os moradores tenham seu celular, que o policial saiba o nome dos moradores e se relacione com eles diariamente. Preferencialmente este policiamento deve ser feito a pé, para que os policiais tenham contato e conversem com os moradores. Aumentar a confiança da população na polícia faz com que aumente o poder de informação das polícias. A forma mais rápida de fazer isso é aproximar o policial do cidadão. Este policial tem que estar direcionado só a esta função, não pode estar vinculado em atender ocorrências do 190. Teremos grande parte da policia na rua e pequena parte no atendimento do 190. Hoje é o inverso. A maioria passa atendendo ocorrências. A ineficiência e as chances de se corromperem são muito maiores porque eles agem sem informação. Eu sei que a Secretaria Estadual de Segurança Pública está determinada a investir em policiamento comunitário e isso não é UPP. É destinar o policial a trabalhar todos os dias no mesmo local.

 

Bruno Alencastro/Sul21

"É desconhecida a política de segurança do governo Tarso. E não só para mim" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Sul21 – Com o contingenciamento de recurso do governo federal, o Pronasci ficou comprometido. Isto fez com que o governo gaúcho anunciasse como alternativa incorporar as demandas das ações deste programa no estado dentro do Plano Plurianual. É possível manter um programa como este com o orçamento das secretarias?

Marcos Rolim – Acho muito improvável, são investimentos muito altos. Mas eu acho que o governo não pode pensar em programas deste tipo sem monitoramento de resultados. Principalmente no que toca à formação de novos policiais. Tem que medir a postura dos policiais que participam de um curso para saber se eles modificaram suas ações, para saber se esta capacitação está funcionando ou não. Um convênio com uma universidade seria uma alternativa para saber se devemos manter estes gastos ou não.

Sul21 – O governo gaúcho já anunciou uma redução de 8% nos homicídios nestes meses. Foi anunciado pelo secretário Airton Michels que esta será uma prioridade até o final do mandato. Como se reduzem os indicadores de homicídios?

Marcos Rolim – O homicídio é entre todos os crimes o mais regular. Se avaliarmos as estatísticas, a variação é muito pequena. Há uma regularidade nas taxas, no perfil das vítimas, nos locais, nos horários. Quando temos diagnóstico, mais uma vez toco nesse problema, temos softwares sofisticados para visualizarmos onde estão ocorrendo estes homicídios. Mapear isto é fundamental para demandar a força policial. Hoje a alocação dos policiais não observa isso. Mais uma vez é um trabalho dentro do “achismo” ou o que é pior, segue os interesses econômicos de uma cidade. Onde têm lojistas reclamando de furtos, há mais viaturas. E furto não é homicídio, o bem maior tem que ser a vida. Temos que priorizar as áreas onde os crimes mais graves acontecem. O homicídio não tem migração e normalmente está associado a uso de armas de fogo e abuso de álcool. Poderíamos ter um programa estadual para estimular o pagamento para os policiais que encontrarem armas ilegais encontradas na rua. O resultado é um estímulo aos policiais a recolherem armas. Isso reduz a taxa de homicídios. É uma iniciativa simples, fácil de ser aplicada e traria resultados importantes.

Sul21 – Qual a sua avaliação da política de segurança pública do governo de um ex-ministro da Justiça?

Marcos Rolim – É desconhecida a política de segurança do governo Tarso. E não só para mim.

"A experiência internacional mostra que quanto maior é o número de pessoas encarceradas pior é o desempenho da segurança pública" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Sul21 – Concretamente já vimos algumas ações em manutenção de casas prisionais e sinalizações para a construção de novos presídios por parte do governo estadual. O problema da superlotação dos presídios é um ponto primordial?

Marcos Rolim – A situação do sistema carcerário no Brasil ficou tão grave que emergencialmente é preciso abrir vagas. Entretanto, é uma exigência conjuntural que não deveria ser o centro das atenções de nenhum governo. Isso é uma emergência que será equacionada se houver um esforço, e logo ali adiante esta situação se colocará de novo. Haverá nova superlotação e haverá necessidade de novas vagas. Então, imaginar que se consegue resolver o problema penitenciário construindo novas vagas é outra ilusão. Se o Brasil quiser resolver este problema ele terá que mudar a Lei Penal e diminuir a demanda de encarceramento. Mandar para a cadeia só aquelas pessoas que são uma ameaça à vida dos outros e não mandar mais as pessoas que praticam crimes sem violência e que podem ser tratadas e punidas de outras maneiras. Enquanto não fizermos isso, seguiremos apagando incêndios e com custos altíssimos. A experiência internacional mostra que quanto maior é o número de pessoas encarceradas pior é o desempenho da segurança pública. As pessoas que mandamos para a prisão saem de lá mais cedo ou mais tarde e recorrem ao crime. É difícil o senso comum entender isso, mas é o dever do gestor público dizer com clareza. O risco maior de fazer uma política só com ampliação de vagas é não tocar na reforma das polícias. Há que se avançar muito nos estados nesta reforma.

Os policiais têm que ser ouvidos, as  universidades, a sociedade tem que ser ouvida. E eu não vejo nenhum  esforço do governo neste sentido.

 

Sul21 – Pela tradição histórica, a Brigada Militar é ainda mais resistente que as demais polícias brasileiras, como enfrentar este tema aqui?

Marcos Rolim – Aqui no Rio Grande do Sul é necessário que tenha uma Ouvidoria de Segurança que seja independente das polícias. Mandar um projeto para a Assembleia Legislativa para criar vagas por meio de concurso público e não mais CCs. As corregedorias têm que ser independentes e com profissionais com formação para isso. Hoje, um profissional que está na corregedoria, como está vinculado à polícia, tem dificuldades de encaminhar uma denúncia contra a polícia, porque mais cedo ou mais tarde ele terá que voltar para a sua função e poderá será perseguido. A estrutura não é adequada hoje e é uma reforma que o governo atual poderia fazer porque tem maioria política. O que está faltando é vontade de encaminhar. Há outros projetos que poderiam ser encaminhados na esfera do legislativo estadual que começariam a delinear esta reforma da polícia. Hoje, por exemplo, os policiais e agentes penitenciários não têm liberação para frequentar aulas. A trajetória do Estado não vê o estudo como investimento. É como se o Estado dissesse que o modelo de polícia que nós queremos é: alto, forte e que ganhe pouco. É importante estimular o estudo dos policiais e liberá-los para se qualificar que irá trazer retorno para corporação. Temos que ter esta garantia em papel. A interlocução com os policiais para construção de uma política de segurança também é fundamental, os policiais têm que ser ouvidos, as universidades, a sociedade tem que ser ouvida. E eu não vejo nenhum esforço do governo neste sentido. O que é uma pena.

Divulgação / ABAMF

"O baixo salário na segurança pública tem um efeito destruidor" | Foto: Divulgação / ABAMF

Sul21 – O governo gaúcho enfrentou recentemente um protesto dos policiais militares pela falta de reajuste nos salários. A instituição que deveria preservar a ordem pública estava queimando pneus. Como tu avalias este episódio?

Marcos Rolim – Eu não sei até que ponto houve envolvimento de policiais nisso. É uma aparência, não há dados que confirmem. Mas quanto aos salários pagos aos policiais, é inaceitável. O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro estão entre os piores do Brasil. Nós não podemos dizer que a segurança pública é uma prioridade e oferecer um salário que não representa priorizar esta área. O baixo salário na segurança pública tem um efeito destruidor. Quem entra na polícia já são pessoas que não tiveram outras oportunidades, e depois tentamos formá-los. Ao contrário do resto do mundo, aqui nós recrutamos as pessoas sem formação para depois tentar formá-las. Este é o primeiro problema na qualidade do serviço. O segundo é que, como os policiais não se sustentam com estes salários, eles acabam tendo que ir para o “bico”. Isso cria condições para que no futuro os policiais caiam na milícia. Ainda não temos aqui, mas abre precedente. Mas temos outro tipo de problema, por exemplo, as empresas de segurança privada acabam absorvendo os policiais em tempo livre e não estão interessadas que a política pública funcione, se não eles perdem demanda. Quanto mais eficiente o serviço de segurança pública, menor o de segurança privada e este conflito de interesses acaba atravessando o policial. Portanto, resolver a questão salarial é estratégico na segurança. Se não tem condições de elevar os salários, que pelo menos se combine um cronograma para ter estar perspectiva.