É consenso entre os gestores de canais de televisão e de emissoras de rádio públicas no Brasil que o principal desafio do setor é a busca por independência em relação aos governos aos quais são subordinados. Essas emissoras são financiadas por recursos públicos e, em teoria, não teriam vinculação com governos, já que suas estruturas são instituídas por força de lei e elas se diferenciam, em conteúdo e programação, de canais governamentais.
Esse foi um dos temas discutidos em audiência pública com executivos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ocorrido nesta terça-feira (13) em Porto Alegre. A iniciativa tem por objetivo descentralizar as reuniões da agência estatal de notícias para além do eixo Brasília – Rio de Janeiro – São Paulo e promover um debate sobre sua atuação. No encontro, diversas pessoas ligadas a produtoras culturais e movimentos sociais pela democratização da comunicação puderam expor demandas e fazer críticas ou sugestões para o comando da EBC.
No Rio Grande do Sul, um exemplo prático da distinção entre emissoras públicas e governamentais é o caso da TVE, que é a emissora pública do estado. O canal não tem nenhuma relação com a TV Piratini, que é o meio de comunicação oficial do governo. Internacionalmente, um dos modelos mais bem sucedidos de radiodifusão pública é a BBC, o canal público de televisão da Inglaterra – que é sustentado mediante um imposto específico cobrado dos cidadãos.
Em nível nacional, o governo federal criou a Empresa Brasil de Comunicação em 2007, que administra a também criada TV Brasil – o canal público de abrangência nacional no país. Com um orçamento de R$ 400 milhões, a EBC é responsável, também, pela TV Brasil Internacional, pela Agência Brasil e pela Radioagência Nacional. Além disso, a estatal presta diversos serviços de comunicação ao governo federal e conta com 1.422 funcionários, sendo 902 efetivos, 140 temporários e 380 em cargos comissionados (CCs).
Assim como no Rio Grande do Sul, onde o presidente da TVE é nomeado pelo governador, o diretor-presidente da EBC – que também é o presidente da TV Brasil – é nomeado pela Presidência da República para um mandato de cinco anos.
Empresas de telecomunicação se recusam a financiar radiodifusão pública
O tema do financiamento das emissoras públicas de rádio e televisão no país foi tratado como prioritário pelo presidente da EBC, Nelson Breve. “Queremos autonomia e independência, então precisamos lutar por isso. Só poderemos conquistá-las se tivermos recursos fixos, dinheiro que não se contingencia no orçamento. Se não resolvermos o modelo de financiamento, todo o restante será apenas um desejo, porque os projetos precisam caber em um orçamento”, conclamou.
O jornalista ressaltou, entretanto, que esse problema atinge boa parte das emissoras públicas de outros países. “Na semana passada, eu estava em um congresso internacional de difusores públicos. Lá estavam empresas europeias com 30 anos de existência que também debatiam modelos de financiamento e autonomia em relação a governos”, disse.
O presidente da EBC criticou a conduta das empresas de telecomunicação, que se recusam a cumprir o que determina a lei de criação da estatal, que instituiu a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública. Essa taxa deveria ser paga anualmente pelas empresas de telecomunicação do país e serviria como forma de garantir a sustentabilidade financeira da EBC, constituindo-se em um critério fixo para repasse de recursos orçamentários à estatal.
Entretanto, as teles entendem que a medida é inconstitucional e ingressaram com uma ação na Justiça. Enquanto o processo aguarda julgamento em primeira instância, as empresas estão depositando em juízo os valores devidos. De 2009 a 2012, o montante já soma cerca de R$ 1,4 bilhão.
“São cerca de R$ 350 milhões por ano. A gente não recebe esse dinheiro porque depositam em juízo”, lamentou Nelson Breve. Ele aponta a contradição das empresas de telecomunicações, já que elas concordaram em pagar um fundo semelhante – a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional.
Essa outra taxa, destinada à Ancine, possui aspectos jurídicos semelhantes às da contribuição para a EBC, e as empresas privadas concordaram em pagá-la mediante acordo referente à aprovação da lei 11.485/2011, que regulamenta a comunicação audiovisual na televisão por assinatura.
“O setor (de telecomunicação) fez um acordo para poder entrar no nosso mercado de TV paga, em que concordou em pagar essa taxa, que tem um valor até maior, de R$ 820 milhões por ano. Esse é, hoje, o grande fundo do audiovisual brasileiro, votado para permitir que as multinacionais de telecomunicação entrassem no nosso mercado. A questão é: como ter acesso a esses recursos?”, criticou o presidente da EBC.
Uma forma de obter essa verba seria através do Fundo Setorial do Audiovisual, gerido pela Agencia Nacional de Cinema (Ancine). Esse fundo é alimentado pela contribuição das empresas de telecomunicação e pode ser destinado a projetos audiovisuais de empresas públicas de comunicação, desde que devidamente aprovados pela Ancine.
Também presente na audiência pública, o presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – que administra a TVE do Rio Grande do Sul -, Amaro Nunes Júnior, disse que as emissoras públicas só conquistarão autonomia em relação a governos se tiverem mecanismos fixos e independentes de financiamento. “Enquanto o sistema público ficar atrelado somente ao Estado, não será imune aos governos. E sempre poderá haver governos simpáticos, contrários ou desinteressados pelas emissoras públicas de comunicação”, lamentou.(sul-21)