Representantes do Bloco foram recebidos pelo governador Tarso Genro (PT) no Palácio Piratini ainda no início da noite. Pouco depois, em frente ao Palácio da Justiça, houve um início de confronto entre a Brigada Militar e ativistas. Pequenos grupos isolavam-se da massa para incendiar contêineres ou tentar quebrar vidraças
28 de Junho de 2013 às 06:27
Iuri Müller, Samir Oliveira, Igor Natusch, Rachel Duarte, Débora Fogliatto e Ramiro Furquim
Sul 21 – Nesta quinta-feira (27), a manifestação do Bloco de Luta pelo Transporte Público mudou de cenário e de proposta. A partir das 18 horas, milhares de pessoas se reuniram na Praça da Matriz com caminhão de som, bandeiras de movimentos sociais e espaço para apresentação de bandas. Representantes do Bloco foram recebidos pelo governador Tarso Genro (PT) no Palácio Piratini ainda no início da noite, mas a situação se transformaria horas depois. Parte dos manifestantes chegou a pedir por “menos festa e mais protesto” e a vaiar artistas que se apresentavam. Pouco depois, em frente ao Palácio da Justiça, houve um início de confronto entre a Brigada Militar e ativistas. O conflito bastou para que grande parte das pessoas se dispersasse por ruas do Centro e da Cidade Baixa – ao final, pessoas atacaram lojas e quebraram carros nos dois bairros.
A intenção de realizar um ato com ânimos menos acirrados do que os anteriores, quando o desfecho de enfrentamentos e violência teimava em se repetir, foi visível na noite desta quinta-feira. Cerca de cinco mil pessoas, segundo informações da Brigada Militar, chegaram a ocupar a praça, cenário que foi modificado para a manifestação. Grades e proteções cercaram a maior parte dos prédios públicos, como a Assembleia Legislativa, o Palácio da Justiça e o Palácio Piratini. Algumas das ruas que levam à Praça da Matriz, como a General Câmara e parte da Duque de Caxias também foram fechadas pela ação da Prefeitura de Porto Alegre e da polícia gaúcha.
Mesmo que o caráter político estivesse visivelmente presente, com a entoação de diversos cânticos que marcaram as demais manifestações e declarações de representantes das organizações que compõem o Bloco de Luta, a atmosfera do ato por vezes se aproximou também de um encontro cultural. Bandas como Apanhador Só se apresentaram no alto do caminhão de som, e havia uma expectativa geral de que a mobilização se encerrasse sem vestígios de gás lacrimogêneo no ar, capítulo final pelo menos das últimas quatro manifestações.
Para manifestante, jovens da periferia que participam das manifestações estão sendo criminalizados
Enquanto o ato acontecia na Praça da Matriz, a atuação da Brigada era intensa nas vias próximas. Na Riachuelo e na Esquina Democrática, grupos inteiros eram revistados por policiais em busca de material suspeito. Na frente da Prefeitura, um grande contingente da Guarda Municipal protegia a entrada do Paço Municipal – em um esforço que contrastava com a completa ausência de manifestantes no local. Boa parte da Tropa de Choque concentrava-se nas cercanias do Mercado Público, aguardando o sinal de comando. O clima, neste momento, era de relativa tranquilidade, apesar da intensa ação preventiva da BM.
Manifestantes cobram, há semanas, outra postura por parte da Brigada Militar, reivindicação que se acentuou depois dos enfrentamentos na Avenida Ipiranga e da operação que, com inúmeras bombas de gás e efeito moral, fragmentou a marcha da última segunda-feira (24). Foi amplificada, da mesma forma, a reclamação contrária à criminalização dos manifestantes.
Um militante contou que, além do movimento anarquista, do qual participa, jovens que vivem na periferia e na Região Metropolitana de Porto Alegre também estariam sendo criminalizados. Para ele, as próprias depredações poderiam ser o reflexo “de uma panela de pressão” que existe no país. “Crescemos levando tapa na cara da polícia. Eu apanhei pela primeira vez da polícia com doze anos de idade. Essa galera vê nas manifestações a possibilidade de botar para fora anos de opressão, é a depredação como um sintoma social”, afirmou.
As transformações visíveis no ato da Praça da Matriz são, também, um reflexo de acontecimentos do que ocorreu na segunda-feira. Na ocasião, foi registrado o maior número de pessoas detidas desde que se iniciaram os protestos, bem como de ataques e saques realizados após a dispersão da caminhada. A nova postura, no entanto, não agradou a todos. Após algumas horas na praça, nesta quinta-feira um grupo – bastante heterogêneo – formado por cerca de duzentas pessoas passou a contestar a forma de organização das atividades. Pouco depois das 20 horas, insistiram no grito de que “protesto não é festa”, e vaiaram por alguns minutos a banda que tocava em cima do caminhão.
Breve confronto com a Brigada Militar fez com que a Praça da Matriz se esvaziasse
Com os sinais de impaciência, representantes do Bloco de Luta pelo Transporte Público se manifestaram no microfone e lembraram que há meses – mais especificamente desde janeiro de 2013 – existe a mobilização contra o aumento da tarifa e a favor do passe livre em Porto Alegre. Militantes afirmaram, também, que não se tratava de uma festa, mas de uma maneira de manter os movimentos organizados e na ocupação de um espaço simbólico, situado em meio aos prédios do poder público. Entretanto, parte dos manifestantes passaram a cogitar outros rumos para o ato – como a descida em direção à Prefeitura, levada a cabo por dezenas de pessoas.
Na movimentação, pessoas relataram que pedras e garrafas foram jogadas no Palácio da Justiça, prédio guarnecido por um contingente da Brigada Militar. A polícia, então, passou a atirar as primeiras bombas de gás lacrimogêneo na praça, o que começou a dispersar os manifestantes. Com a permanência do confronto, menor do que os registrados em outros protestos, a enorme maioria dos ativistas passou a deixar os limites da praça pelas ruas que estavam abertas.
A dispersão ocorreu de forma desorganizada, por diferentes pontos da zona central. Parte do grupo desceu até o Largo da Epatur, enquanto outro grupo seguiu pela Duque de Caxias rumo à João Pessoa. Pelo caminho, pequenos grupos isolavam-se da massa para incendiar contêineres ou tentar quebrar vidraças. Testemunhas garantem ter visto uma viatura policial parar na esquina com João Pessoa e disparar balas – supostamente de borracha – diretamente contra as pessoas que iam embora. Em outro momento, uma pessoa não identificada fez uso de uma arma de choque em meio à multidão, causando correria.
Seguindo pela Cidade Baixa, era possível testemunhar vários sinais de destruição. Na Otávio Correa, praticamente todos os carros estacionados tiveram vidros quebrados. Os moradores estavam divididos: enquanto uns incentivavam a Brigada Militar, outros criticavam a atuação policial, dizendo que ela pouco tinha feito para deter a violência. A Lima e Silva, geralmente cheia de gente nas quintas à noite, estava semideserta; os que estavam na rua pareciam surpresos e assustados com o que tinham visto. José do Patrocínio e Luiz Afonso, entre outras ruas, também foram palco de ataques, reprimidos com bombas pela Brigada Militar. Dois policias militares ficaram feridos, assim como uma manifestante. Pelo menos oito pessoas foram detidas durante a noite.
Ativistas se reúnem com Tarso e cobram fim das investigações sobre o movimento
O governador Tarso Genro (PT) e onze integrantes do Bloco de Lutas pelo Transporte Público se reuniram pela primeira vez no Palácio Piratini no final da tarde desta quinta-feira (27). No encontro, os ativistas leram a nota do coletivo e expuseram demandas e cobranças ao petista, que tomou notas e ficou de dar alguns retornos.
Concretamente, o governador propôs a articulação de um mecanismo diretamente vinculado a seu gabinete para que se apurem casos de violência cometidos pela Brigada Militar. Os manifestantes irão avaliar em uma assembleia – que deve ocorrer nos próximos dias – como construir essa proposta. Na conversa com o governador, os integrantes do Bloco de Lutas voltaram a exigir o fim da criminalização do movimento. Diversos militantes respondem a inquéritos e estão sendo investigados pela Polícia Civil que, na semana passada, invadiu a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG).
Tarso disse aos ativistas que a Polícia Civil está orientada a investigar delitos cometidos por criminosos e que, se existe um monitoramento sobre os movimentos sociais, é sem a sua orientação. Cobrado pelo movimento, o governador disse desconhecer o fato de que policiais militares andam sem identificação durante o serviço. Para o petista, a Brigada Militar está operando de acordo com a linha política dada pelo Palácio Piratini: somente agir em resposta a ataques ou atitudes que coloquem vidas em risco.
Após o encerramento da manifestação desta quinta, o governador, que acompanhava tudo de dentro do Palácio, saiu à rua para elogiar os policiais por uma atuação que considerou ponderada. Para os integrantes do Bloco de Lutas, a proposta de Tarso de efetivar um passe livre estudantil intermunicipal é uma vitória do movimento, mas ainda precisa ser debatida. Os ativistas entendem que existem limitações na intenção do governo, que pretende isentar as passagens de estudantes de escolas e universidades públicas e privadas que precisam se deslocar a outras cidades para comparecer às aulas.