O presidente do PT gaúcho, deputado Raul Pont, coordena um processo de debates para a elaboração de uma carta compromisso visando à construção de alianças com vistas para reeleição do governador Tarso Genro (PT); "Estamos fazendo aqui no Rio Grande do Sul, junto com o governador, uma espécie de carta programática de compromisso mútuo", disse
4 de Novembro de 2013 às 13:37
Marco Weissheimer, Sul21 – O presidente estadual do PT gaúcho, deputado Raul Pont, está coordenando um processo de debates para a elaboração de uma carta compromisso destinada a contribuir para a construção da política de alianças visando a reeleição do governador Tarso Genro.
"Estamos fazendo aqui no Rio Grande do Sul, junto com o governador, uma espécie de carta programática de compromisso mútuo que possa servir de parâmetro para as conversas com outras forças políticas visando às eleições de 2014", revela Pont em entrevista ao Sul21. Não se trata do programa do PT, esclarece, mas sim de uma carta compromisso amarrada em torno de alguns pontos programáticos para ser debatida com outros partidos.
Na entrevista, Raul Pont fala dos preparativos para a disputa eleitoral de 2014 no Rio Grande do Sul e defende a construção de uma aliança programática de mais longo prazo com o PDT aqui no Estado. "Penso que é muito melhor para o PDT permanecer conosco, compondo a chapa majoritária, aumentando a sua participação no governo e consolidando um acordo de longo prazo para o futuro e não só para as eleições do ano que vem", diz o dirigente petista. Ele também fala sobre o Processo de Eleições Diretas do PT e a minirreforma eleitoral que tramita atualmente no Congresso, considerando que ela pode aumentar a perda de legitimidade dos partidos e do sistema político como um todo. E defende a necessidade do PT construir, em 2014, em nível nacional, outro patamar (mais programático e menos pragmático) de alianças com os partidos aliados.
Sul21: Em recente pronunciamento feito no plenário da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, você usou palavras fortes ao falar da proposta de minirreforma eleitoral que tramita no Congresso, dizendo inclusive que ela pode significar o suicídio e a desmoralização da democracia no Brasil. Qual sua avaliação sobre o atual estágio deste debate?
Raul Pont: Essa iniciativa do presidente da Câmara foi secundada por deputados inclusive do PT, como é o caso do (Candido) Vaccarezza, que se dispôs até a assumir a coordenação do grupo de trabalho sobre esse tema, muito a revelia da bancada e da direção partidária. A Executiva do partido aprovou uma deliberação e os deputados e senadores do PT deveriam votar contra essa proposta de minirreforma. Essa foi a decisão partidária, com dificuldades na bancada e no Senado para assumi-la integralmente. Mas ao menos o partido tirou uma orientação para que deputados e senadores votassem contra, considerando que essa proposta é um engodo, uma forma de mascarar a derrota sofrida na própria base aliada do governo para não votar o que importa e que modificaria o sistema para o ano que vem. A proposta de iniciativa popular da OAB e do Movimento Eleições Limpas não teve melhor sorte e também foi derrotada por decurso de prazo. Assim, para as eleições do ano que vem nós deveremos ter uma votação marcada pelas mesmas regras, com a presença de dois novos partidos, com tempo de televisão e fundo partidário, o que vem consagrar o atual modelo.
A minirreforma é simplesmente uma desculpa esfarrapada, mascarando e dourando a pílula daquilo que não foi feito. E se a proposta que está sendo encaminhada for aprovada, teremos algumas proibições novas como a dos cavaletes e dos painéis em muros de casas, que são formas de divulgação baratas, o que vai tornar ainda mais desiguais as campanhas eleitorais. É uma forma de restringir ainda mais o processo eleitoral que é dominado hoje pelo poder econômico.
Sul21: A economia com cavaletes e muros de casas, comparada com os gastos crescentes com a propaganda na televisão, é um tanto irrisória, não? Há alguma proposta para limitar mais os gastos nas campanhas?
Raul Pont: O limite, em princípio, já existe. Em certo sentido é a única coisa que sobrou e que pode ser objeto de votação até junho (de 2014). A lei atual determina o limite de gastos. A forma pela qual tem se driblado essa regra é que o partido faz uma declaração superestimada de quanto vai gastar, mesmo sabendo que dificilmente arrecadará aquele valor. O partido pode declarar que vai gastar 10, 20, 50 milhões. Não há nenhuma proibição. Pode haver punição se essa quantia for ultrapassada, mas isso dificilmente ocorre.
Então, o que referi quando falei de suicídio e de uma maior deslegitimação do Congresso Nacional é o fato de que mais de 70% dos deputados eleitos para a atual legislatura coincidiram com as campanhas mais caras. Estamos caminhando para que, nas eleições do ano que vem, esse índice suba para 75%, 78%. A tendência é crescente. A cada eleição aumenta o percentual de eleitos combinando com as campanhas mais caras. Com isso você vai eliminando representações populares e sindicais, vai eliminando a participação de mulheres, que já é ridícula.
Esse é o processo que a gente denuncia. Ao menos procuramos fazer a denúncia e mostrar quem foram os responsáveis. No campo aliado, o PMDB foi o principal adversário. Se o PMDB tivesse dado o acordo para que a matéria fosse ao plenário poderíamos ter conseguido o apoio de outros partidos da base e mesmo entre os grandes partidos da oposição. Há muita gente nestes partidos que também é crítica a esse sistema. Mas a maioria segue a cartilha clientelista como mostrou a votação favorável ao caráter compulsório das emendas parlamentares.
As emendas parlamentares, por si só, já são uma excrescência da política, um clientelismo escancarado, a antessala da corrupção. Todo mundo que já passou por uma prefeitura sabe disso. De certa forma, é a legalização da corrupção e do clientelismo. Com exceção do PT que, liberou o voto, todos os demais partidos, inclusive os ditos esquerdistas do PSOL, orientaram as bancadas a votar favoravelmente. Essa medida é uma distorção brutal e incentiva um jogo rasteiro de clientelismo que vai retirando da política valores éticos e os princípios da representação. A Constituição diz que o gasto público tem que ser dotado de objetividade, impessoalidade, deve ter modicidade e ser racional. Essas regras acabam desvirtuadas pela lógica das emendas parlamentares. Um deputado faz uma torrezinha aqui, outro coloca um pórtico na entrada da cidade ali, outro faz uma praça de skate, a cobertura de um ginásio e assim por diante. Isso tudo resulta em um grande desperdício de dinheiro público.
Tudo indica, assim, que caminhamos para eleições que não vão atender às reivindicações das manifestações de junho e julho sobre a falta de representatividade dos partidos. Estamos caminhando para aumentar a deslegitimação dos partidos políticos.
Sul21: Neste cenário, falando das eleições do ano que vem, qual sua opinião sobre qual deve ser a política de alianças do PT em nível federal e estadual. O PMDB deve continuar a ser o principal aliado em nível nacional?
Raul Pont: Do ponto de vista nacional, tudo indica que ocorra a manutenção dessa frente para a reeleição da Dilma. O que a direção nacional do PT deveria fazer é aprovar, como estamos fazendo aqui no Rio Grande do Sul com o governador Tarso Genro, uma espécie de carta programática de compromisso mútuo que seja o parâmetro para as conversas com outras forças políticas. Nós fizemos um esforço muito grande para que todos os partidos permanecessem no bloco de governo aqui no Estado. Estamos diante de algumas defecções. O PSB já saiu do governo e deve ter um palanque próprio em função da candidatura de Eduardo Campos. E há também a possibilidade de saída do PDT.
O caso do PDT é muito mais complexo. Falando não como dirigente partidário e sim como observador político, creio que o PDT pode cometer um grande equívoco aqui no Estado com essa política de candidatura própria. Nacionalmente, o partido já está com a Dilma, o que torna mais difícil a possibilidade de outras alianças aqui no Rio Grande do Sul. Dificilmente, o PDT vai repetir a esquizofrenia de 2010 onde tinha no palanque o Pompeu (de Mattos) defendendo a Dilma e o Fogaça defendendo o Serra. Com quem o PDT pode ter um palanque próprio aqui? Com o PMDB que aqui no Rio Grande do Sul aponta para a candidatura de Aécio, de Serra ou de quem for o candidato do campo neoliberal? Se o PMDB tiver candidatura própria como é que fica a eleição para o Senado com os nomes de Lasier Martins, Germano Rigotto e Pedro Simon? O PP deve ter candidatura própria. O PC do B, o PTB, o PR e o PR devem permanecer conosco. Com quem o PDT fará alianças? Penso que é muito melhor para o PDT permanecer conosco, compondo a chapa majoritária, aumentando a sua participação no governo e consolidando um acordo de longo prazo para o futuro e não só para as eleições do ano que vem.
Seja como for, nós queremos ter essa carta compromisso para debater com quem ficar conosco. Não é o programa do PT, mas uma carta compromisso amarrada em torno de alguns pontos sobre os quais precisamos ter opinião, de projetos de governo, que seja aceitável e reconhecida por todos os partidos. Aqui no Rio Grande do Sul, os partidos da base foram muito fieis, aprovando todas as matérias que vieram do governo. Alguns projetos são discrepantes em relação às posições de cada partido, mas foram exceções. Já no caso nacional, a exceção é a regra. Todos os projetos importantes do governo ou não são aprovados pela base aliada ou são distorcidos num sentido contrário ao sentido original. Essa questão é intransponível. Se formos para a eleição do ano que vem sem esse compromisso programático mínimo estaremos conduzindo o partido a mais quatro anos de crise com o movimento sindical, de crise no próprio partido, de aprofundamento de divergências internas.
Sul21: A relação com o PMDB segue tensa, não?
Raul Pont: Não é possível querer que o PT fique refém de lideranças regionais do PMDB em nome da aliança nacional. O PMDB não alinha nem centraliza as suas representações estaduais, e não vota projetos importantes conosco. Como é que vamos ficar reféns no Pará, no Maranhão, em Santa Catarina, no Rio de Janeiro ou no Amazonas, onde querem obrigar o partido a não ter candidatura própria? Nós não exigimos isso do PMDB. Acaba sendo uma via unilateral. Eles não nos garantem o voto da bancada e não respeitam o princípio eleitoral do país de dois turnos exigindo que não tenhamos candidaturas próprias em estados importantíssimos. Isso não é possível.
Esse tema tem que ser discutido e aprofundado para as eleições de 2014. Defendemos a candidatura da Dilma à reeleição para continuar esse projeto, assim como aqui no Estado vamos trabalhar para a reeleição do Tarso, mas queremos estabelecer uma relação com os partidos aliados em um outro patamar, um patamar programático, buscando que esses partidos adquiram dimensão nacional. Por maior e mais complexo que seja o país, não é possível que os partidos sejam aglomerados, com coronéis regionais mandando e desmandando.
Recentemente o Sarney obrigou a PT a tirar seu programa partidário do ar. O programa de televisão do PT teve que sair do ar no Maranhão por pressão da Roseane Sarney e do senador Sarney. E o partido cedeu a isso em nome de uma lógica de razão de Estado. O programa apresentado no Maranhão fazia uma comparação, com dados estatísticos, entre a situação vivida pelo povo no Estado e a situação nacional. Por isso o programa saiu do ar. Isso para nós é impensável e é um tema que faz parte do Processo de Eleições Diretas do partido e do diálogo com o governo federal. Precisamos discutir esse tipo de situação ou então aceitar a tese de que os partidos são meros apêndices governamentais. Há uma ideia muito maior em jogo aí. Não há democracia sem partidos fortes, com projetos e programa. Aqui no Rio Grande do Sul, em comum acordo com o governador Tarso Genro estamos avançando bem nessa direção. O partido está envolvido neste processo e sentamos com o governador para discutir essa carta compromisso que não é nada impositivo aos demais partidos, mas sim uma proposta para discutir. Aquilo que for acordado, deverá ser observado por todos, por nós e pelos demais.
Sul21: Qual sua avaliação sobre o Processo de Eleições Diretas que o PT vive atualmente. Na sua opinião, pode ocorrer alguma mudança significativa na correlação de forças da direção partidária em nível nacional?
Raul Pont: Aqui no Rio Grande do Sul tivemos um debate com bom público aqui em Porto Alegre, mas com o problema de saúde do Jairo Jorge, eles foram suspensos para não criar uma certa desigualdade de tratamento. Temos uma incógnita a respeito do quórum de votação. Nós temos uma tradição de um voto mais consolidado, mais militante. Na última eleição tivemos entre 35 e 40 mil votantes no Estado. Agora os aptos a votar superaram os 70 mil, mas não sabemos quantos irão votar efetivamente. Do ponto de vista nacional, acho que a tendência é a manutenção da atual composição da direção partidária. Creio que vai predominar um pouco o oficialismo, o controle do maior número de municípios e o caráter das novas filiações, bem diferente do que ocorreu nos anos 80 e 90, onde o debate e a militância envolviam um número menor de pessoas, mas eram mais intensos. Hoje nós temos uma situação em que a perspectiva de apoios para emendas parlamentares ou para eleições futuras fala mais alto muitas vezes do que a formação e o debate político. As pessoas chegam hoje com uma visão muito mais parecida com a que predomina em um partido tradicional, com uma visão muito pragmática da política.
Sul21: Voltando ao cenário estadual, que chances existem, na sua opinião, de se concretizar uma aliança de mais longo prazo entre PT e PDT aqui no Estado?
Raul Pont: Creio que ainda há a possibilidade de incidir um pouco neste debate. Há um setor dentro do PDT hoje que não se define pela questão de ter ou não candidato, mas sim pela cobrança da falta de trabalhismo, da falta de uma maior coesão programática do partido. A maioria dos prefeitos, segundo nos disse o Afonso Motta (Secretário de Estado do Gabinete dos Prefeitos e das Relações Federativas), é favorável a manter a relação com o governo. Essa posição ainda não se expressa organicamente, não há um manifesto dos prefeitos do PDT defendendo esta ou aquela posição. Há alguns que querem mais trabalhismo e a candidatura própria.
Sul21: Qual a sua avaliação sobre a posição do prefeito José Fortunati nesta questão? Ele vem defendendo o rompimento com o governo do Estado em função da oposição que o PT faz à sua administração em Porto Alegre.
Raul Pont: O problema é que ele não pode exigir de nós o silêncio, a rendição ou querer governar sem oposição, com uma grande unanimidade, quando vários dos eleitos estão sendo processados pelo uso e abuso da máquina pública, quando a Procempa está envolvida em um escândalo de uso de recursos públicos em benefício de candidaturas. Essa posição me parece um pouco arrogante. Ele chegou a colocar seu cargo à disposição e ameaçar sair da direção partidária. Que princípio democrático rege esse comportamento? Ele não pode reclamar do PT, mas sim tem que explicar à sociedade os acontecimentos envolvendo seu governo.