Em busca do sentido dos protestos de rua
‘Cidades Rebeldes’, primeiro livro impresso inspirado nos protestos de junho, reúne artigos que lançam luz sobre a origem, os motivos e o futuro do movimento.
As manifestações de junho deixaram grande parte da população perplexa. Os manifestantes, em sua maioria jovens de classe média com ensino superior completo, não expressavam uma única demanda, confundindo governantes, cidadãos comuns e até a velha mídia. A única característica que a maioria dos jovens que desaguaram nas ruas parecia compartilhar era uma sensação geral de descontentamento, de mal-estar, que deu voz a demandas particulares, difíceis de rotular.
“Cidades Rebeldes”, uma coletânea de artigos lançada pela editora Boitempo, é uma tentativa de fazer sentido dessas vozes e facilitar a compreensão de um fenômeno adormecido, mas que ameaça retomar sua força com a chegada dos megaeventos Copa e Olimpíadas.
Muitos dos artigos reunidos destacam a retomada do espaço urbano como objetivo e método dos protestos. “A cidade não é só palco das lutas, mas é também aquilo pelo que se luta”, escrevem Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira, no artigo “Territórios Transversais”. Iniciados pelo Movimento Passe Livre para reivindicar o transporte público gratuito no momento em que cidades anunciavam reajustes nos preços das passagens, os protestos bloquearam ruas e cruzamentos, comprometendo a circulação e paralisando a cidade. A população lançava contra si mesma o sistema caótico de transporte das metrópoles, levando-o à beira do colapso, para demonstrar a importância da mobilidade urbana, exibir a força do movimento e exigir melhorias nos transportes.
“Os militantes [do Movimento Passe Livre] impediram frontalmente, e tendo por instrumento seu próprio corpo, nosso sagrado direito de ir e vir, em nome da criação do direito de outros de irem e virem”, diz Silvia Viana, em “Será que formulamos mal a pergunta?”. Através da ocupação e da paralisação da cidade, os manifestantes reclamavam a retomada deste mesmo espaço urbano que hoje exclui grande parte da força de trabalho.
“O povo não acordou agora. Quem acordou foi uma parte”, acrescenta Leonardo Sakamoto, no artigo “Em São Paulo o Facebook e o Twitter foram às ruas”, lembrando que a parcela verdadeiramente excluída da população, integrantes das classes mais baixas, não aderiram em massa às manifestações. “O grosso do povo acordará no momento em que a maioria dos pobres deste pais perceber que é explorada sistematicamente. Quando isso acontecer, vai ser lindo”.
Além dos transportes, a especulação mobiliária também é apontada como catalisador do levante popular. “Cidades Rebeldes” lembra que em São Paulo, o preço dos imóveis sofreu aumento de 153% entre 2009 e 2012. No Rio, o aumento foi de 184%. Enquanto isso, políticas de desoneração dos automóveis e um transporte coletivo cada vez mais precário fez dobrar o número de carros nas cidades. Em 2011, o numero de automóveis em 12 metrópoles brasileiras era de 11,5 milhões; em 2011, subiu para 20,5 milhões.
O lado sombrio
João Alexandre Peschanski frisa em “O transporte público gratuito, uma utopia real”, que as manifestações não começaram como protestos “contra” algo, mas como uma expressão coletiva a favor de algo, a proposta da tarifa zero. No decorrer dos dias, mais especificamente a partir de 20 de junho, segundo o articulista, “grupos neonazistas” e “conservadores” precariamente informados se infiltraram nos protestos com muita indignação e raiva, transformando o que começara como um movimento apartidário em algo “antipartidário”. Foi aí que a coisa desandou.
Os primeiros protestos derrubaram a lógica que manifestação legítima é apenas aquela que não atrapalha. Os protestos pararam cidades inteiras e mesmo assim contaram com apoio maciço da população. Mas, a onda de violência e vandalismo que tomou conta das manifestações, dominando a pauta dos telejornais, ameaçou minar o apoio popular tão valioso para o movimento.
“’Não precisamos de partidos políticos para resolver nossos problemas’ diziam muitos, que não conhecem a história recente do Brasil. ‘Políticos são um câncer’, exclamavam, colocando todo mundo no mesmo balaio de gatos. Ignoravam que a livre associação em partidos e a livre expressão são direito humanos, e que negá-los é muito pior que uma policia militar dar um golpe de cassetete em um manifestante”, comenta Leonardo Sakamoto.