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“Há uma irregularidade muito séria”, diz secretário estadual de Educação

"Há uma irregularidade muito séria", diz secretário estadual de Educação sobre reformas sob suspeita em escolas

Jose Clovis diz que obras foram feitas com material de quinta qualidade, derespeitando o contrato.

Em sua primeira entrevista desde que a Operação Kilowatt foi deflagrada pela Polícia Civil, na quinta-feira passada, o secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo (PT), manteve a fala tranquila e o semblante sereno. Ressaltou que foram realizadas 1.815 reformas em escolas nos últimos três anos, mas não escondeu que há pelo menos 20 delas com "problemas".

A investigação da polícia apura fraudes em contratos públicos da Secretaria de Obras, entre eles reformas em dois colégios, de Porto Alegre e São Leopoldo. A divulgação da operação trouxe à tona queixas e suspeitas de irregularidades em outras escolas estaduais.

Ao receber ZH em seu gabinete, por uma hora e meia na terça-feira, Jose Clovis destacou que a responsabilidade sobre a fiscalização dos contratos é da pasta de Obras, comandada por Luiz Carlos Busato (PTB), e apresentou uma série de relatórios com fotografias comprovando que o uso de materiais de "quinta qualidade" já vinha sendo apurado pela Secretaria da Educação (Seduc) desde agosto.

— Contrato um trabalho. Mesmo não sendo fiscalizador, quero que seja bom. É como a pessoa que reforma sua casa e quer que o resultado seja de qualidade — explicou, sublinhando que a Seduc é "cliente" da Obras.

O diagnóstico dos problemas nas escolas deve ser concluído até a próxima semana. Oito servidores vinculados à Seduc, divididos em duas equipes, trabalham no pente-fino que foi intensificado nos últimos dias. A ideia é que a averiguação avance pela Região Metropolitana. Além da Oscar Pereira (cuja reforma está sendo investigada pela polícia), as escolas Caldas Jr., Daltro Filho e Otávio Mangabeira também apresentam indícios de serviço malfeito.

— Nosso objetivo não é caça às bruxas. Vamos indicar para a Secretaria de Obras problemas que precisam ser revertidos — disse ele.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Zero Hora — Qual é o papel da Secretaria de Educação nas obras envolvendo escolas?

Jose Clovis de Azevedo — Somos clientes da Secretaria de Obras, demandantes. Executamos o pagamento quando vem a fatura da medição do desenvolvimento da obra, que é paga por etapas. Quem define se a obra está sendo feita com qualidade ou não dentro do tempo, é a fiscalização da Secretaria de Obras. Aí, só temos o dever de pagar. Fizemos até agora 1.815 obras de reforma e ampliação nestes três anos de governo. Isso significa investimento de quase R$ 300 milhões. Então, é um esforço muito grande que o governo fez no sentido de buscar recursos para fazer esse processo de reforma, porque, na prática, todas as 2.572 escolas precisam de reformas. Por mais que a gente trabalhe, não vai dar conta de todas nestes quatro anos daquilo que não foi feito em 20 anos.

ZH — Como o senhor tomou conhecimento da Operação Kilowatt?

Jose Clovis — Assim como todo mundo, quando foi publicizado. Não fui avisado. Embora desde agosto, quando começaram a desovar as obras, constatei que tinham obras de má qualidade. Fotografei um grande número delas e pedi providências para a Secretaria de Obras. Faço três sínteses dos problemas: material de má qualidade, incompatível, contraditório com o contratado; trabalho malfeito; e falta de acabamento, ao ponto de o entulho não ser retirado de escolas pelas empresas. É o caso da Oscar Pereira, que tenho fotos de agosto, setembro na mesma situação em que está hoje.

ZH — O que levou o senhor a desconfiar de irregularidades?

Jose Clovis — Na medida em que as obras ficavam prontas, comecei a mandar pessoas da secretaria verificar. No Interior, havia o retorno confiável das coordenadoras de Educação de que as obras estavam todas muito bem. Uma ou outra tinha um probleminha. Aí, a empresa voltava. Em Porto Alegre, passei a ter retorno da coordenadoria de que havia muitas obras com reclamação das diretoras e verificamos que eram procedentes.

ZH — Mas este é um procedimento de praxe?

Jose Clovis — Não. Foi motivado pelo grande volume de obras e da preocupação minha como gestor. Contrato um trabalho, mesmo não sendo fiscalizador, quero que o trabalho seja bom. É como a pessoa que reforma sua casa e quer que o resultado seja de qualidade. Então, começaram a ficar prontas as obras e fomos perguntar sobre a qualidade delas. Tive a ampla maioria dos retornos positivos, porque, na realidade, essas obras de má qualidade se localizam mais em Porto Alegre e não são um número significativo dentro das 1.815 obras.

ZH — Em quantas escolas a Seduc detectou algum tipo de problema?

Jose Clovis — São cerca de 20. Quando constatei que tinham problemas, suspendi o pagamento. Por exemplo, na Oscar Pereira, as duas últimas parcelas _ uma de pouco mais R$ 200 mil e outra de R$ 70 mil _ não foram pagas. Aqui na Seduc foi trancado o pagamento por orientação minha e execução do professor Claudio Sommacal (então diretor administrativo, afastado por estar entre os investigados). Se o Estado funcionasse como a gente gostaria, eu não deveria ter preocupação com obras, porque demando obras e pagamos preço de mercado. Mas, mesmo assim, passei a me preocupar porque queria saber que produto estava sendo entregue.

ZH — Que medidas foram adotadas?

Jose Clovis — Decidi que deveríamos descentralizar a fiscalização dos contratos. Isso aconteceu depois que detectei que na Oscar Pereira nem mesmo a limpeza do pátio a empresa fez, que o trabalho do ginásio coberto era de péssima qualidade, enfim, que o visual, a estética da obra, era muito ruim. Também constatei que na escola Caldas Jr., no Partenon, começou a chover mais dentro do que antes da reforma. Não é a fiscalização da obra, isso é engenheiro que faz. A fiscalização do contrato era feita aqui, conforme a tradição da secretaria. Chamei uma reunião em novembro, com a participação da Cage, do TCE e da Secretaria de Obras. E começamos a montar um processo para nomear o diretor da escola em obras como fiscal do contrato. No dia a dia, ele vai acompanhar cada momento, pois, mesmo que não tenha capacidade técnica, vai ter indícios. Aí, ele vai formalizar para o fiscal da obra o que está observando. Está prevista para fevereiro a formação dos fiscais (diretores) já nomeados.

ZH — O que será feito em relação às irregularidades?

Jose Clovis — Não tenho elementos para acusar ou condenar ninguém. Só constatei que há obras malfeitas e vamos exigir que sejam retomadas pelas empresas. A escola Otávio Mangabeira é outro exemplo. Não admito que a gente gaste dinheiro para fazer uma obra com material de primeira qualidade, como se fosse um custo de material para uma mansão, e entreguem com esta falta de qualidade total. Somos vítimas dessa coisa, de duas ou três empresas que não têm nenhum apreço pelo patrimônio público e que acham que nossas crianças podem ser colocadas em qualquer pocilga, o que é um desrespeito com as pessoas, com o dinheiro público. Somos o principal interessado que estas obras malfeitas sejam investigadas.

ZH — O secretário de Obras, Luiz Carlos Busato, tem defendido a tese de que serviço malfeito é diferente de fraude. O senhor concorda com essa interpretação?

Jose Clovis — Eventualmente, até pode ser que um serviço malfeito seja apenas um produto de uma incompetência de quem faz o trabalho, mas quando é muito serviço malfeito e quando ele vem agregado a material de quinta qualidade, aí, me parece que há uma irregularidade muito séria. Mas não acredito que o secretário tenha falado nessa dimensão.

ZH — Por que há essa diferença na qualidade das obras no Interior e em Porto Alegre?

Jose Clovis — Tem vários fatores. Um deles é que as empresas, muitas vezes, são da própria comunidade, assim como o pessoal contratado. Nas cidades com menos de 50 mil habitantes, praticamente não existe escola privada, só pública. Então, a comunidade fiscaliza muito mais, as direções são muito mais vinculadas às comunidades, e esses elos retiram o espaço para que alguma empresa pratique irregularidade, porque será denunciada imediatamente. Em Porto Alegre, as coisas são muito impessoais e existe também um problema de gestão da própria escola que não tem a preocupação de fiscalizar a obra e denunciar os problemas.

ZH — Tem sido dito que os fiscais da Secretaria de Obras não mostram o projeto contratado para  a direção da escola, alegam que é sigiloso. Como pode a escola requisitar um serviço emergencial e, depois, não ter nenhum controle sobre o que será feito ou não?

Jose Clovis —  Isso é uma irregularidade. Não pode acontecer. A direção da escola e a comunidade têm direito a conhecer o memorial descritivo da obra, item por item, o orçamento e seu detalhamento, e os prazos. Isso é um dever dos gestores da Obras fornecerem às escolas. Mas a grande maioria das escolas recebe. O normal é ter acesso por meio do fiscal.

ZH —  Das 1,8 mil obras em escolas, quantas eram emergenciais? Este é o melhor instrumento de contratação, tendo em vista que muitas obras acabam saindo após um, dois anos do pedido inicial?

Jose Clovis — Não, isso (a contratação tardia) só aconteceu no início, porque encontramos obras emergenciais desde 2003.  Não tem outra alternativa, senão vai levar um ano, um ano e meio licitando, e as crianças correndo risco. Temos de utilizar esse instrumento para ter mais agilidade. Das 1.815 obras realizadas até agora, 670 foram emergenciais.

ZH — Que controle a Seduc tem sobre o valor de autonomia, ou seja, os R$ 150 mil liberados para cada escola gastar por ano em eventuais consertos, serviços e compras?

Jose Clovis — Tem a prestação mensal de contas. Se a escola não presta conta, não recebe no mês seguinte. Temos muitas escolas que aproveitam muito bem este dinheiro na conservação, manutenção, aquisição de material pedagógico e equipamentos. Tem uma eficiência muito grande.

ZH — Há informações de que membros da direção das escolas têm contratado empresas de parentes para estes serviços, que são contratados por meio de carta-convite. Isso é aceitável?

Jose Clovis — Não. Não temos conhecimento disso, nunca chegou denúncia sobre isso. A contratação de parentes não é aceitável. A contratação tem de ser de empresas credenciadas. É claro que, se for empresa de parente, mesmo tendo legalidade, existe uma impugnação ética. Se tivermos qualquer denúncia formal, vamos verificar.

ZH — Quais são as acusações que pesam sobre os dois servidores da Seduc afastados, Sommacal e Rosana Maria Rodrigues Santos, coordenadora regional de Educação de São Leopoldo?

Jose Clovis — Não conheço as acusações, não tenho nenhum elemento.

ZH — Mas, mesmo assim, o senhor optou por afastá-los.

Jose Clovis — É opção do governo. É uma praxe necessária, porque, se alguém está sendo investigado, é melhor para a investigação, inclusive para o próprio investigado, que ele fique afastado do local de trabalho. Também não temos nenhum elemento que possa comprometer essas pessoas. Ambos têm uma história como educadores, de respeitabilidade, uma caminhada intocável, são pessoas reconhecidas como idôneas. Vamos esperar a conclusão do inquérito para que tudo seja apurado. Não descarto que algum deles possa ter cometido algum equívoco de ordem administrativa. Se isso ocorreu, tenho certeza de que são equívocos que qualquer um pode cometer na administração pública.

ZH — Por exemplo?

Jose Clovis — Muitas vezes tu faz um encaminhamento de um processo, que, por falta de atenção até por desconhecimento, não faz determinados procedimentos formais que são exigidos. Isso, depois, pode se confirmar como irregularidade que a pessoa vai ter de responder por ela. Não tenho nenhum indício nem de falhas desse tipo ou de outro tipo de comprometimento de ordem ética e moral. Pelo contrário, o que conheço dessas pessoas são demonstrações de compromisso com o público, trabalho, dedicação.

ZH — O senhor confia plenamente nestes servidores?

Jose Clovis — Não tenho nenhum elemento até hoje que me possa fazer não ter confiança neles, a não ser que o inquérito venha revelar fatos novos.

ZH — Como evitar que desvios em uma área tão importante se repitam?

Jose Clovis — Precisamos ter uma fiscalização de obras eficiente, uma mudança na mentalidade de alguns empresários da construção civil e o monitoramento de todas as ordens, inclusive da comunidade. Queremos ser transparentes. Quanto mais fiscalização, melhor. Sou um professor, passei a maior parte da minha vida dentro de uma sala de aula e sou um dos principais defensores de que o espaço de trabalho do professor e de estudo dos alunos seja um espaço digno, que não pode ser como há algumas décadas está a rede pública no RS. O nosso esforço é reverter isso.

ZERO HORA/