Três Passos: Fórum Interdisciplinar debateu o golpe militar e a ditadura brasileira
O município de Três Passos, local onde foram protagonizados fatos relevantes em décadas passadas, fez a sua parte e debateu com profundidade os 50 anos do golpe militar de 1964 e os 21 anos de ditadura. O Fórum Regional Interdisciplinar, promovido pela Escola Estadual de Ensino Médio Águia de Haia, no Cine Globo, teve intensa e qualificada programação, na segunda e terça-feira, dias 31 de março e 1º de abril.
Raul Carrion: “Ditadura foi um ato terrorista contra o povo brasileiro”
O evento foi iniciado com palestra do deputado estadual Raul Carrion (PCdoB), militante de esquerda que foi preso e torturado pelo regime militar. Ele deu um panorama histórico do golpe perpetrado por militares e outros setores da sociedade.
Para Carrion, o golpe de 1964 foi apenas o ato final de uma sequência de tentativas golpistas que se sucederam, desde 1954, lideradas por setores de direita e por militares. “A ditadura configurou-se em um ato de terrorismo contra o povo brasileiro”, pontuou no início de sua fala.
O deputado reforçou o caráter histórico que as reformas de base, propostas pelo presidente Jango, representavam. “Jango queria discutir e implementar reformas modernas para a época, e que até hoje não estão completas e efetivadas no Brasil: reforma agrária, reforma urbana, reforma política e reforma tributária”, avaliou.
Três Passos: Juremir destaca papel decisivo da grande imprensa na derrubada do governo Jango, em 1964
O professor, escritor e jornalista Juremir Machado da Silva, foi o painelista na noite de segunda-feira. O tema abordado foi o papel decisivo que a grande imprensa teve em 1964, para a derrubada do governo legítimo de João Goulart. Essas ideias estão inclusas em seu mais recente livro (1964 – Golpe Midiático-Civil-Militar, lançado pela Editora Sulina).
Para mostrar esse panorama, Juremir citou editoriais de grandes jornais sediados em São Paulo e Rio de Janeiro e posicionamento de jornalistas, incitando e apoiando a derrubada do governo.
Durante sua fala, Juremir ainda exaltou a postura de João Goulart, como um homem conciliador e não propenso ao confronto. Para Juremir, o país perdeu uma grande oportunidade de avançar naquela época, através das reformas de base que estavam sendo propostas pelo governo Jango, que previam profundas transformações sociais, com reforma agrária, reforma educacional, reforma urbana e reforma tributária.
O escritor também destacou que os Estados Unidos tiveram para o golpe, financiando e dando sustentação militarista para a trama.
Relatos emocionados de presos e torturados na ditadura encerraram o Fórum Interdisciplinar
O último painel do evento foi protagonizado por três militantes de esquerda que foram presos e torturados durante o regime militar instalado no Brasil a partir de 1º de abril de 1964, há exatos 50 anos. No centro dos debates, Valdetar Dornelles, Roberto Di Fortini e Alberi Maffi. Completando a mesa de convidados, Clarissa Mertz, filha do ex-prefeito de Três Passos Reneu Geraldino Mertz, líder popular que da mesma forma foi preso e torturado pela ditadura.
No semblante de cada um e nos relatos, ficou nítida que as marcas profundas da repressão continuam vivas. E que uma forma de se libertar de algumas dessas históricas angústias é poder compartilhar com a comunidade as lembranças.
Valdetar integrou a Guerrilha de Três Passos
Valdetar integrou a Guerrilha de Três Passos, em março de 1965, o primeiro levante dos opositores à ditadura em todo o Brasil. A operação, liderada por Jefferson Cardim de Alencar Osório e pelo ex-sargento da Brigada Militar, Alberi Vieira dos Santos, consistia na tomada do quartel da cidade de Três Passos e a Rádio Difusora, passando a transmitir as notícias da tomada e convocando a população à luta armada.
Os 23 combatentes seguiram a jornada e atravessaram, sem resistência, o Estado de Santa Catarina. Preocupado com um possível atentado contra o presidente Castello Branco, que estaria em Foz do Iguaçu-PR para inaugurar a Ponte da Amizade, o Exército enviou cinco mil homens para a região. Após confronto, que acabou com a morte de alguns combatentes guerrilheiros, Jefferson Cardim é preso, com parte de seu contingente evadido.
Valdetar foi um dos combates presos e torturados, carregando no corpo até hoje as marcas da violência repressiva.
Alberi Maffi, Roberto de Fortini e Reneu Mertz foram alguns dos torturados por Paulo Malhães
Em março de 1970, Três Passos novamente esteve no centro da resistência e, ao mesmo tempo, da repressão ditatorial. A cidade foi escolhida por militantes que combatiam a ditadura militar para ser o local de instalação de uma base da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
A VPR organizou uma empresa de pesca, em Esperança do Sul, na região da Barra do Turvo (na época, Esperança era um distrito de Três Passos), buscando desviar a atenção dos militares e aguardar a chegada de Carlos Lamarca e guerilheiros do Vale da Ribeira.
Com a queda da VPR no Rio Grande do Sul, os agentes da repressão obtêm detalhes sobre a área de Três Passos. É aí aparece a figura de Paulo Malhães, um dos mais temidos torturadores do período, que ganhou destaque em matérias de jornais gaúchos na última semana.
Malhães saiu do Rio de Janeiro, onde organizou a Casa da Morte (centro de detenção clandestino instalado no município de Petrópolis) e viajou até Três Passos, onde montou um centro de tortura no quartel da Brigada (onde hoje está sediado o Hospital de Caridade), ensinando técnicas para os militares gaúchos, por cerca de 40 dias.
Cinco integrantes da VPR foram presos, assim como agricultores da região, suspeitos de fornecer esconderijos na zona rural. Entre os presos estavam o líder do grupo, o italiano naturalizado brasileiro, Roberto de Fortini, os então vereadores do MDB, Reneu Geraldino Mertz e José Bueno Trindade, e o militante e professor Alberi Maffi. Todos foram presos e torturados violentamente.
A noite de 30 de março de 1970 ficou marcada como a noite de São Bartolomeu (uma alusão ao massacre de protestantes ocorrido na França em 1572). Os gritos dos torturados eram ouvidos na cidade.
Outros painéis foram desenvolvidos com qualidade
Durante o Fórum Interdisciplinar ainda aconteceu palestra com o ex-vereador de Porto Alegre, José Valdir da Silva, assessor da Secretaria Estadual da Educação, que relatou diversos pontos que acabaram atingindo a educação brasileira durante o regime ditatorial, através de alterações em leis e retrocessos em políticas públicas.
Na manhã de terça-feira, o palestrante foi o major João Volmei Sapagnol, comandante do Colégio Tiradentes de Ijuí. Ele fez um relato de ações desencadeadas pela ditadura militar que, em seu ponto de vista, devem ser consideradas positivas na história brasileira, como a criação de universidades.
Intercalados com os painéis principais do evento, professores da Escola Águia de Haia, como Luis Gustavo Graffitti, Cezar Santos e Rubia Tessaro Santos, apresentaram mini-palestras, com um panorama histórico do período ditatorial e os motivos que levaram ao golpe.
Apresentações teatrais do grupo de artes cênicas da Escola Águia de Haia também foram muito aplaudidas pela qualidade de interpretação.