Reportagem da série "Cartas na Mesa", da Agência Pública, em que cidadãos brasileiros criticam os candidatos à Presidência da República
"O governo está trocando o pneu com o carro em movimento. O comitê gestor tem deficiências no modelo de gestão, na presença da sociedade civil e na transparência de seus atos. É importante ampliar para outras pessoas essa participação da sociedade civil. Há um passivo do Estado brasileiro em relação a comunidades tradicionais atingidas por empreendimentos que é preciso reconhecer. Já passou a hora de apresentar, junto com a sociedade, um modelo de gestão para esses territórios."
A avaliação acima não foi feita pelos atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte. Vem do próprio governo federal, através da secretária adjunta de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Juliana Gomes Miranda. Ela acompanha desde 2011 o projeto, exatamente na relação do governo com a comunidade. A Pública solicitou entrevista com o ministro Gilberto Carvalho, responsável por esse contato. Após informar que a conversa seria com o secretário de Articulação Social, Paulo Maldos, e não com o ministro, a Secretaria-Geral delegou a tarefa para Juliana.
As críticas ao projeto feitas pela população do Xingu são bem mais incisivas que as observações de Juliana. As mais indignadas são as que vêm do Movimento Xingu Vivo para Sempre, uma organização que reúne grupos que não aceitaram – e não aceitam – a construção da hidrelétrica: "É uma ditadura. Não tem diálogo. Os movimentos sociais que são de resistência, contra os projetos do PAC, o Gilberto Carvalho não recebe", diz uma das líderes do Xingu Vivo, Antonia Melo. Só existe diálogo com os movimentos que estão de acordo com a política do governo. Aí Dilma pode até receber. Mas é para ficar calado."
Antonia Melo, do Xingu Vivo: "Só existe diálogo com os movimentos que concordam com a política do governo"
A ativista se refere ao Programa de Aceleração do Crescimento. Belo Monte é uma das vitrines do PAC, com investimento total de R$ 28,9 bilhões, segundo o próprio governo. A promessa de campanha, embutida nas propagandas televisivas, é a de que a usina beneficie 18 milhões de pessoas, ou 60 milhões de consumidores. "Dilma veio aqui na segunda-feira (dia 02/08) e soubemos em cima da hora", relata Antonia Melo, referindo-se à agenda de campanha da candidata. "O aeroporto ficou lotado de polícia, Exército, Força Nacional. Ela passou direto para os canteiros da destruição. Deu entrevista defendendo hidrelétricas, sequer procurou saber se o povo, a comunidade, as pessoas atingidas estavam sendo respeitadas. Não há um mínimo de diálogo com a população expulsa e massacrada".
A liderança do Xingu Vivo segue disparando contra o projeto: "A outra situação grave é que a maioria desses movimentos é cooptada pelo governo. Cargos, recursos para os projetos. É um cala a boca. Movimentos que não aceitam são tratados como bandidos, como inimigos. Seja com os indígenas, seja com os movimentos que vão lá para reivindicar direitos – aí é cavalaria, bala de borracha, gás lacrimogênio. Não tem conversa. É repressão. É um governo que tem capa de governo popular, que tem todas essas aberturas, entre aspas, com relação aos movimentos sociais, mas é uma grande farsa."
Antonia Melo faz uma ressalva em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu diversas organizações. "Mas tudo que prometeu fazer não fez", dispara. Segundo ela, Lula ouviu os povos indígenas e disse que, se o projeto não fosse viável, não ia impor goela abaixo. "Falou isso para a gente em reunião e para o bispo Dom Erwin Kräutler. No governo Dilma fomos novamente, com o cacique Raoni, tentar falar com governo. Fomos recebidos com presença de muita polícia. Teve reunião na Casa Civil. Mas tudo que os representantes do governo prometeram não fizeram nada".
Dom Erwin Kräutler é bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um dos parceiros do Movimento Xingu Vivo para Sempre. Os povos indígenas estão entre os principais atingidos pela usina, ao lado de populações ribeirinhas, como os pescadores, somando 40 mil pessoas afetadas. Tanto pescadores como indígenas chegaram a aceitar o projeto, mas, diante de promessas não cumpridas, articulam novos protestos.