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De contratados a corruptores

De contratados a corruptores

Polícia Federal bloqueia 720 milhões de reais de 36 pessoas que estão sob investigação

 El País/Brasil

Os rumores que corriam pelas principais cidades brasileiras não eram falsos. O pânico que tinham provocado no setor empresarial as delações premiadas (em troca de uma redução de pena) de ex-diretores da Petrobras e de empresas contratadas que firmaram contratos bilionários com a gigante petrolífera, como parte da Operação Lava-Jato, foi plenamente justificado pelas 85 ordens de prisão emitidas nesta sexta-feira pela Polícia Federal, que revistou escritórios de nove empresas (algumas tão emblemáticas como a Camargo Corrêa e a Odebrecht, dos grupos empresariais brasileiros que mais cresceram na última década). O temor tinha sido desencadeado no final de outubro, com o depoimento de Julio Camargo, executivo da empresa de engenharia Toyo-Setal, o primeiro “arrependido” não integrante da estrutura da petroleira que comparecia para revelar uma rede de subornos, comissões e lavagem de dinheiro que sacode a vida política brasileira e que, segundo a Polícia Federal, pode ter desviado bilhões de dólares.

Camargo não é apenas um alto executivo de uma companhia cujos contratos com a Petrobras (a maior empresa do Brasil) alcançam 3,5 bilhões de reais. “Era o coração do esquema de corrupção”, segundo revelou há poucas semanas uma fonte próxima da investigação. Três empresas que ele controlava (Treviso, Piemonte e Auguri) fizeram depósitos milionários em contas de firmas fictícias usadas pelo cambista e especialista em lavagem de dinheiro Alberto Youssef, personagem-chave na rede e segundo “arrependido” que aceitou a troca proposta pelo Ministério Público Federal. O primeiro deles tinha sido ninguém menos que Paulo Roberto Costa, poderoso ex-diretor de Abastecimento da própria Petrobras, que reconheceu perante o juiz que existia um esquema de subornos institucionalizado e que o Partido dos Trabalhadores embolsou entre 1% e 3% de todos os contratos que foram executados desde 2004 a 2012. O aliado PMDB e o oposicionista PSDB também tiravam vantagem, embora supostamente de quantia menor. Além do mais, confirmou um dado fundamental: o esquema envolvia todas as grandes construtoras que trabalham para a Petrobras.

Pegar os corruptores não era o objetivo principal da investigação quando teve início, por volta do mês de março; o foco passou aos empreiteiros quando começaram as delações premiadas de Costa e Youssef e, sobretudo, de Camargo. Até que ele falasse, as empreiteiras vinham adotando uma posição unânime de negar sua participação no suposto pagamento de subornos. Depois de seu depoimento, instalou-se um profundo mal-estar entre o restante das empresas, embora nenhum representante afirme publicamente, e essa unanimidade se rompeu, começando cada qual a pensar na própria pele. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou esta semana que pelo menos nove pessoas já concordaram em colaborar sob o formato da delação premiada.

Outro executivo da Toyo-Setal, Augusto Ribeiro de Mendonça, se uniu depois de Camargo ao acordo de colaboração judicial. Além do mais, ocorre que Ribeiro de Mendonça é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav) e vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), os dois órgãos mais representativos do segmento, que preferiram não fazer declarações. “Estão todos envolvidos”, afirma a este jornal um advogado ligado ao caso, que mantém o anonimato. “Pode ser uma carnificina.” Entre as pessoas detidas hoje, 20 pertencem às maiores empreiteiras do país. Quatro delas são presidentes de grandes companhias. Segundo revelou o jornal O Globo, um dos cúmplices de Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras, preso hoje) embolsou, sozinho, mais de 100 milhões de dólares. A gigante do petróleo contratou dois escritórios de advocacia para investigar as supostas fraudes relacionadas com a empresa.

As prisões representam mais uma reviravolta em uma operação que supera amplamente o célebre caso do “Mensalão”, do qual a imprensa brasileira se ocupou durante anos. “Esses empresários são os que estão contando verdadeiramente como funcionava o esquema: se não pagavam, não havia negócio. Criaram fundos específicos para pagar”, afirma a este jornal Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE): “Pela primeira vez está sendo examinado o funcionamento do país, como se passou na Itália há alguns anos com as operações contra a Máfia. A relação entre políticos e empresas tem de mudar no país…. Tudo depende de até onde chegue a operação, e se alcança o Governo. É uma oportunidade para refundar o país, a moral, o respeito ao trabalho. As pessoas não sabem quem é o verdadeiro responsável, até onde chega, quem são os implicados. É preciso haver uma mudança total para criar boas práticas.”

Qual é o perfil do corruptor que aceitava pagar enormes comissões ilegais em troca de obter contratos bilionários? Pouco se sabe sobre a vida privada de Camargo, para dar um exemplo, embora seja conhecida sua paixão pelos cavalos de raça, que costumava transportar em aviões climatizados quando disputavam competições: um hobby caro que provavelmente agora terá de abandonar, depois de ter devolvido 40 milhões de reais às autoridades brasileiras. É provável que restrinja também suas contribuições econômicas a políticos: na campanha eleitoral de 2010, foi um dos maiores doadores pessoais de todo o país: 1,12 milhão de reais, no total, a sete políticos. Camargo mantinha um altíssimo nível de vida: segundo a revista Veja, emprestou várias vezes seu jato particular a José Dirceu, ex-chefe de Gabinete do ex-presidente Lula e principal acusado na trama do “Mensalão” (preso em regime fechado entre 2013 e 2014), para cruzar o Brasil depois de deixar seu cargo, em 2005.

A origem do azeitado esquema de corrupção e lavagem de dinheiro remonta a 2004, quando Dilma Rousseff chegou ao Ministério de Minas e Energia. Uma de suas primeiras decisões foi estabelecer uma política de “compre nacional” na Petrobras, com a finalidade de desenvolver a indústria brasileira e criar novos empregos. O Brasil ampliou consideravelmente sua indústria naval, até o ponto em que as empresas investigadas atualmente na Operação Lava Jato somassem contratos com a Petrobras de 59 bilhões de reais, abarcando o período 2003-2014. Ainda faltam seis empresas suspeitas sobre as quais as provas por enquanto são pouco conclusivas: não está descartado que as próximas semanas tragam novas detenções de empreiteiros transformados em supostos corruptores.