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Dinheiro e quociente cognitivo. Os efeitos da pobreza sobre o cérebro das crianças

Estudo evidencia a possível associação entre renda familiar e anatomia do cérebro, bem como entre renda e desenvolvimento das capacidades cerebrais: uma advertência a mais para a melhora da alimentação, do papel da escola e das condições gerais de vida para todas as crianças.

Por: Luis Pellegrini

 

Viver na pobreza parece ter efeitos nocivos para o cérebro. Essa probabilidade fica bem evidente a partir das próprias características anatômicas desse órgão. Tais efeitos têm sido observados por vários estudos, mas o tema permanece delicado e é alvo de intensos debates.

O fato de que diferenças socioeconômicas, uma renda familiar mais baixa e um grau de instrução inferior dos genitores estejam associadas a disparidades no desenvolvimento cognitivo da criança é coisa bem conhecida por parte dos pesquisadores, e foi evidenciada em numerosas investigações.

As crianças nascidas em famílias mais abastadas obtêm em média pontuações melhores nos testes que medem o quociente intelectivo, o desenvolvimento da linguagem, a capacidade de leitura e por aí em diante. Em estudos mais recentes foi também observado que a renda mais alta está associada a uma extensão maior das áreas cerebrais envolvidas na memória e na linguagem. Mas essas pesquisas apresentam também diversos limites. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde foi desenvolvida a maior parte dos estudos, as camadas mais pobres são as de origem étnica não branca-europeia, e tal fato torna difícil separar o fator “pobreza” do fator relativo a eventuais diferenças de origem genética.

 

 

 

 

A pobreza pode influir na anatomia do cérebro?

Além disso, renda e educação dos genitores são frequentemente considerados como uma única e mesma coisa, enquanto aquilo que influencia o desenvolvimento cognitivo poderia ser tanto o ambiente materialmente mais pobre (sobretudo em termos de má nutrição) quanto outros fatores tais como os estímulos proporcionados pelos genitores, jogos, oportunidades de melhor qualidade na educação. Em qualquer dos casos, permanece a pergunta: a “pobreza” pode se traduzir em diferenças efetivas na estrutura do cérebro, antes mesmo de se manifestar na forma de resultados piores no âmbito cognitivo? É exatamente isso que os pesquisadores de recente estudo publicado na revista Nature Neuroscience estão procurando verificar.

A equipe de neurocientistas chefiada por Kimberly Noble da Columbia University de Nova York e  Elizabeth Sowell do Children’s Hospital de Los Angeles submeteu a exames de ressonância magnética 1099 crianças e adolescentes, entre 3 e 20 anos de idade, em diversas cidades dos Estados Unidos, para medir a extensão da superfície do córtex cerebral. Sabe-se, a partir de grande número de pesquisas, que o córtex cresce durante a infância e a adolescência a partir do amadurecimento da experiência cognitiva pessoal. Mesmo levando-se em conta as origens étnicas dos vários participantes da pesquisa (as quais implicam em leves diferenças na estrutura do cérebro), ficou claro que o estado socioeconômico resulta associado de maneira significativa à extensão da superfície do cérebro. Em outras palavras, a superfície do córtex cerebral das crianças das famílias com renda mais baixa – menos de 25 mil dólares ao ano – era até 6 por cento menor do que a área das crianças provenientes de famílias com renda superior a 150 mil dólares anuais.

 

 

 

 

As diferenças eram mais evidentes nas áreas cerebrais críticas para o desenvolvimento da linguagem, das funções executivas (a atenção, por exemplo) e a memória. Uma outra observação muito interessante é a de que o peso da renda faz-se sentir muito mais no sentido para baixo, onde inclusive um incremento modesto produz um aumento notável da área do córtex cerebral, muito maior do que para as rendas mais altas. O nível de educação dos genitores também surgiu associado de maneira significativa à superfície total do córtex: para cada ano escolar a mais frequentado pelo pai e pela mãe observou-se um aumento da área do córtex nas crianças e nos adolescentes.

 

 

 

 

Mais ricos, mais estímulos

O estudo não explica as razões das correlações observadas entre as diferenças de renda e as características anatômicas dos cérebros das crianças. Poderia ser o ambiente de vida mais pobre, mais estressante, o fator que influencia o desenvolvimento do cérebro, até mesmo antes do nascimento da criança. Ou então poderia simplesmente acontecer que as famílias mais ricas podem proporcionar melhores estímulos cognitivos para seus filhos. Provavelmente se trata de uma combinação de ambas as coisas. “O cérebro se desenvolve por um longo período, durante toda a infância e adolescência”, declarou Sowell, uma das duas cientistas responsáveis pela pesquisa. De qualquer forma, a neurociência está pronta para afirmar que qualquer intervenção destinada a melhorar as condições socioeconômicas ou a enriquecer de estímulos o ambiente onde vive uma criança pode contribuir para que na existência dela ocorra uma grande diferença para melhor, tanto no âmbito escolar quanto em todas as demais situações da vida.

 

 

 

 

O estudo faz questão de lembrar, porém, que a ajuda social e o ensino podem ajudar a superar essas diferenças. "Não é tarde demais para pensar em como usar os recursos que enriquecem o ambiente de desenvolvimento, que em troca ajudam as conexões cerebrais", comentou Sowell.

"O ponto mais importante que queremos transmitir não é ‘se você é pobre, seu cérebro vai ser menor e não há nada que possa ser feito sobre isso’. Essa absolutamente não é a mensagem", garantiu a pesquisadora.

 

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