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Lá vem a Folia!

A festa dos Reis é a última grande festa do ciclo de Natal

 

Por Pedro Lima Junior*

Eu ainda era moleque, lá no interior de Minas Gerais, quando ouvia alguém gritar:
“Lá vem a Folia! Lá vem a Folia!”.
E corria, com a molecada, pela rua de pedra, via e ouvia que, de fato, já vem chegando a Folia.
Outras crianças esperavam à porta de casa, agarrados na barra da saia da mãe.
Muitas janelas e olhos se abriam… Gente ansiosa esperava a Folia passar.
Algumas janelas e olhos se fechavam… “São os crentes – diziam – não gostam de rezar”.

Lá na casa de vó, onde sempre foi um entra e sai de gente,
Onde portas nunca se trancavam. Nem à noite.
Onde não tinha portão na garagem. Nunca teve.
Onde morava o fusca amarelo do seu Elias. Que nunca saia.
Era ali que a Folia costumava parar para fazer a reza e cantar.

Eu não esperava. Eu ia acompanhar a Folia desde o início da rua.
Diziam – e a gente acreditava – que eles estavam rodando a cidade toda.
Que começaram no Natal e só parariam dia seis de janeiro.
A festa era tanta que mais parecia fevereiro.
Lá vem a Folia! A gente se espantava, encantava, girava e sorria.

À frente a “doutrina” – a bandeira – trazendo estampada os três reis.
Ela representa o menino Jesus, o Rei dos reis.
Alguns homens de rostos enrugados e cansados, de roupas coloridas, tocavam instrumentos velhos:
Sanfona, reco-reco, viola, rabeca, tambores.
Os palhaços, por sua vez, vêm causando risadas e temores.
São os defensores da bandeira e de moedas, catadores.

Mulher não tinha não. Só homens! Diziam que nenhuma mulher havia visitado a estrebaria.
Era a visão geral vinda do período colonial. Um horror!
Ora, o menino não brotou da terra e não caiu do céu:
Foi Maria que uniu os dois polos e fez nascer o Salvador.
Mas tem Folia por aí arrumando esse engano: mulher na Folia, sim! E aonde ela quiser.

Hoje é dia de santos Reis: Baltasar, Belchior e Gaspar.
Cultura, religiosidade e folclore: elementos dessa nação.
Tradição que resiste ao tempo e que precisa de constante atualização.

Em tempos de guerra e de refugiados, Baltazar traz novamente o ouro,
Que representa a realeza e a providência divina à família de Nazaré que fugiria para o Egito.

Numa época de feminicídios e massacres de famílias inteiras, Belchior traz o incenso.
Para que suba, o clamor a Deus, pedindo o fim do ódio, e aos homens, consenso.

Em atuais chacinas em presídios, em que novos Herodes dizem que foi um “acidente”, Gaspar oferece a mirra.
Para embalsamar – como a Cristo descido da Cruz – aqueles que o governador disse “não eram santos”, eram mixarias.

Lá vem a Folia!
Como diz o síndico Tim Maia: “Hoje é dia de santos Reis. Anda meio esquecido, mas é a festa do dia de Santos Reis”.
E ela vem para todos:
Para quem tem estudo. Para quem tem fé,
Para quem tem os dois. Para quem nunca a viu.
Vem todo ano, nas oitavas de Natal, relembrar que Deus se encarnou e se fez homem nu.
O menino-Deus é o refugiado, é a mulher, é o preso… É tudo aquilo que você e eu evitamos ou esquecemos.

Lá vem a Folia! Já ouço o som dos seus batuques…
Ela incomoda, causa pavor, gera alegria, renasce a poesia e intima à ação: “Levantai-vos! Vamos!” (Mc 14, 32a).

*Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.