Lei estabelece normas gerais sobre a proteção e exploração de florestas e outros tipos de vegetação e recursos hídricos em propriedades de produção pecuária e agrícola.
Responsável por propriedade situada em área de preservação permanente deve manter e recompor a vegetação explorada Por Débora Brito – foto divulgação.
Quase cinco anos depois de sua aprovação, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) ainda não foi totalmente implementado. Organizações ambientais avaliam que, dos 14 pontos do novo código que elas consideram prioritários, apenas a inscrição de propriedades rurais no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) tem funcionado de forma satisfatória e com providências de melhoramento em curso.
A avaliação é do Observatório do Código Florestal e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que divulgaram estudo sobre a implementação do código desde 2012 a 2016. O relatório conclui que a implementação do código tem caminhado a passos lentos.
“A gente fez praticamente um diagnóstico do Código Florestal, analisando todos os instrumentos previstos pela lei 12.651, de 2012. Avaliamos por meio de entrevistas, consultas, conversas e de todo trabalho de articulação o nível de implementação de cada instrumento do código”, explicou Tiago Reis, pesquisador do IPAM e coordenador do estudo.
O que diz o Código
Depois de intenso debate no Congresso Nacional, o Código Florestal foi sancionado em maio de 2012 e é a principal legislação que regula o uso do solo em imóveis rurais no Brasil. A lei estabelece normas gerais sobre a proteção e exploração de florestas e outros tipos de vegetação e recursos hídricos em propriedades de produção pecuária e agrícola, além de parâmetros para a delimitação de áreas de preservação permanente e de reserva legal. O código prevê ainda mecanismos de prevenção de incêndios florestais e instrumentos econômicos e financeiros para garantir a preservação da mata nativa.
De acordo com o código, o responsável por propriedade situada em área de preservação permanente deve manter e recompor a vegetação explorada. Os produtores devem executar o manejo do uso do solo e dos recursos hídricos de forma sustentável, respeitando os limites correspondentes a cada tipo de produção, propriedade e vegetação.
A margem de área preservada varia de 20% a 80%, dependendo do bioma onde a propriedade está inserida. Os produtores devem ainda seguir as exigências de licenciamento e ser inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
“É uma legislação muito complexa, inovadora, conciliatória, capaz de favorecer tanto a produção quanto a conservação, mas ela precisa ser implementada de forma completa”, avaliou Tiago Reis.
Cadastro Rural
Para o pesquisador, o ponto que mais avançou foi o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O cadastro é um registro eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais e que foi criado com o objetivo de auxiliar no processo de regularização ambiental das propriedades rurais.
O cadastro é feito online, com as informações georreferenciadas. Um sistema anota a propriedade em cima do território e a informação já é automaticamente utilizada para cruzar dados com outros bancos, como por exemplo o que anota as terras indígenas.
Por meio do cadastro, os gestores locais podem fazer o levantamento das informações do imóvel e mapear as áreas para controle, monitoramento, planejamento e diagnóstico da situação ambiental.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, até 31 de janeiro foram cadastrados no sistema mais de 3,95 milhões de imóveis rurais, totalizando uma área de 401.055.948 hectares. A expectativa é que sejam mapeados 460 milhões de hectares. O estudo considera os números expressivos, mas critica que os dados estão apenas parcialmente disponíveis para consulta, com insuficiência de análise e de validação.
“É fundamental que o CAR seja fortalecido como meio de implementação do Código Florestal e de combate ao desmatamento. A transparência ativa e completa das informações contidas no Sicar e o engajamento de empresas, bancos e da sociedade civil, junto aos governos, são meios para fortalecer o CAR neste momento crítico de aumento do desmatamento e da ilegalidade na produção agropecuária brasileira”, diz trecho do documento.
"Ritmo possível"
O Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pelas concessões e monitoramento das reservas florestais no país, informou à Agência Brasil que os dados do CAR foram disponibilizados no final do ano passado. As únicas informações que ainda não podem ser divulgadas são o nome e o CPF do produtor rural, além de outros dados relacionados ao patrimônio. As informações indisponíveis são consideradas “sensíveis” e são mantidas em sigilo de acordo com uma portaria ministerial.
O Sistema Florestal também reforçou que o processo de implementação está seguindo o ritmo possível dada a complexidade dos mecanismos previstos na legislação. “O processo de implantação do cadastro é progressivo. A discussão do Código Florestal foi tão importante, tão intensa quanto a Constituinte, levou décadas. E dentro do possível, ele está sendo implementado de forma progressiva e evolutiva”, explicou Raimundo Deusdará, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
Deusdará destacou o cadastro como uma iniciativa pioneira do Brasil no registro de imóveis rurais e ressaltou que é um dos poucos sistemas que podem ser acessados diretamente pelo público. “Isso não tem precedentes no mundo, não há nenhum cadastro geoespacial como o do Brasil. (…) E está disponível a todo cidadão por meio da consulta pública”, disse.
O diretor esclareceu que os dados também podem ser acessados diretamente nos estados, mas reconheceu que é possível rever a portaria que impõe regras de segurança de informação aos gestores do sistema.
Lacunas
Outros setores que avançaram foram algumas iniciativas de incentivo à restauração de áreas degradadas e o aprimoramento de políticas de zoneamento econômico-ecológico (ZEE). Contudo, o estudo destaca a persistência de desafios para a implementação completa do Código Florestal, como a lentidão da regulamentação dos programas de regularização e a ausência dos mecanismos de incentivo financeiro a produtores que cumprem a legislação.
Os pesquisadores defendem que as políticas de concessão de crédito rural estejam vinculadas à regularização ambiental dos imóveis. E sugerem que produtores que promovem práticas ambientais positivas sejam premiados com linhas de créditos mais acessíveis.
“Reconhecemos que alguns instrumentos são muito complexos, exigem uma articulação muito profunda entre diversos atores, e demandam também interesse político de todos os envolvidos. Mas alguns instrumentos não têm tido a mesma atenção que o cadastro. Por exemplo, o programa de incentivos econômicos não está regulamentado nem implementado. De fato, isto é um problema, porque não oferece ao produtor rural todas as condições para seguir a legislação”, critica Reis.
Segundo os pesquisadores, a falta de compensações financeiras, aliada à extensão do prazo de cadastramento dos produtores, pode atrasar o processo de redução do desmatamento e das mudanças climáticas. De acordo com o estudo, o código tem um papel primordial, pois pode contribuir para evitar a emissão de cerca de 87 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) em áreas de preservação permanente e de reserva legal.
“No ano passado, tivemos aumento no desmatamento e isso pode ter relação com o aumento do prazo (de maio do ano passado para dezembro deste ano) para o cadastro, já que alguns produtores podem ter interpretado a flexibilização do prazo como uma brecha ou fragilidade da legislação e relaxaram nas ações de preservação”, argumentou Reis.
Entre as compensações financeiras previstas no código e que ainda não foram regulamentadas, o IPAM considera que a mais urgente é a Cota de Reserva Ambiental (CRA). Esta cota é um título correspondente a um hectare de área de reserva legal e instituído voluntariamente sobre a vegetação excedente aos percentuais exigidos pela lei. Por esta cota, o produtor que tem excesso de reserva legal pode negociar seu ativo florestal com outro produtor que tem reserva insuficiente. “A cota já tem condição de ser implementada, vários setores já se alinharam, é só uma questão do governo coordenar e colocar o instrumento em prática”, recomendou Reis.
O SFB, no entanto, alerta que a implementação do sistema de cotas é complexa e requer cuidados. “A CRA é um instrumento novo e envolve uma política de segurança na transação do papel. Ela implica em direitos e deveres das propriedades e empresas. Na prática não é tão simples, porque é preciso comprovação da existência do ativo florestal. Estamos trabalhando para desenvolver o sistema com segurança ambiental e jurídica”, explicou Deusdará.
O diretor explicou que o sistema ainda não foi implementado nos últimos cinco anos, porque primeiro era necessária a efetivação do cadastro rural, em seguida é preciso aperfeiçoar o sistema de análise e validação das informações registradas. O objetivo é que todas as informações declaradas pelos proprietários rurais passem por filtros automáticos de análise antes de serem validadas. Pelo módulo de análise automatizada, problemas como a inserção de propriedades em terras indígenas, por exemplo, automaticamente poderão ser filtradas.
E, por último, segundo o diretor, é preciso verificar quais são as propriedades que estarão aptas para se dirigir às cotas. Deusdará esclareceu que a distinção será possível a partir do desenvolvimento de um sistema de monitoramento eficaz, com segurança para quem compra e vende os títulos. O monitoramento das áreas preservadas será feito por sistema de satélite, que está em fase de testes.
Efetivação do Código
As organizações civis ainda avaliam que o governo federal tem deixado a desejar no papel de coordenação entre as várias instituições responsáveis pela efetivação da política. Os institutos criticam a ausência de “um fórum permanente de debate aberto e transparente com a sociedade civil, com os estados e com os municípios sobre o Código Florestal” e a falta de “um plano faseado e coerente para colocar em prática os instrumentos” . Para esses grupos, “a implementação do Código Florestal tem ocorrido de maneira descoordenada”.
Os pesquisadores cobram maior engajamento dos governos locais, do setor rural e das empresas e instituições de mercado, além de representantes da sociedade civil, para a implementação efetiva do Código Florestal. “Apesar desses esforços, quase cinco anos se passaram e o desafio da efetiva implementação do novo código permanece. Entre lacunas legais, sistemas de informação incompletos, falta de transparência ativa e completa, burocracia conflitante, atrasos, indefinições de competências e, de certa forma, falta de prioridade na agenda política, o renovado Código Florestal requer mais atenção dos diversos atores, sejam eles governamentais ou da sociedade civil em geral”, conclui o estudo.
Em resposta, o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Raimundo Deusdará, declarou que o sucesso do cadastro rural demonstra que essa articulação com os estados existe. E destacou que a discussão sempre ocorreu e ela evoluiu, além de depender de vários fatores, como a diferença de capacidade dos estados.
“O novo código florestal tem cinco anos. Querer impor um ritmo maior que o que já conseguimos é ponderar o impossível. Em todos os países que levamos a experiência do cadastro, por exemplo, recebemos a impressão de que fomos muito rápidos. O ritmo é muito superior a qualquer outro software”, defendeu Deusdará.
Na última terça-feira (7), o SFB começou uma série de rodadas de negociações com as entidades da sociedade civil, representantes do setor agropecuário, além de empresas agrícolas operadores do mercado para definir os parâmetros da norma que deve regular o funcionamento das cotas de reserva ambiental.
Para marcar os cinco anos da nova lei, as organizações planejam uma série de ações para os meses de maio e junho, quando devem definir juntos aos estados e o governo federal estratégias de implementação do código.
Agência Brasil