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Capitalismo e vida

Atualmente, após antecipações lacanianas, já podemos revisar a paisagem atual e verificar os diversos estragos do "discurso capitalista".

O Capitalismo em sua nova fase neoliberal se constituiu em algo mais que a extração da mais-valia na relação Capital-Trabalho. Agora, tenta marcar simbolicamente a vida dos corpos falantes e a experiência subjetiva dos mesmos. Por isso, neste modo de produção de subjetividade, surge uma pergunta crucial e pertinente: qual parte da vida pode eventualmente não ser apropriada por tais dispositivos de produção?

Já faz bastante tempo que Lacan antecipou em seu ensino duas catástrofes na ordem simbólica, lugar onde o “animal humano” se torna “sujeito”. Nos anos 1940, em sua primeira profecia, Lacan já destacou o declive da função paterna, um ponto de ancoragem vital para que o sujeito se situe em algumas coordenadas que lhe permitam se orientar na existência sexuada, falante e mortal. Era a marcha incessante do discurso da Ciência, agora convertida em Técnica, a que propiciaria essa declinação da função paterna. O outro antecipo era sua tese sobre o “discurso capitalista”, um discurso que em seu funcionamento homogeneizante e circular conseguiria fazer ingressar e capturar as diferentes experiências humanas em seu circuito interminável e sem corte ou ruptura alguma.

Atualmente, após estas antecipações lacanianas, já podemos revisar a paisagem atual e verificar os diversos estragos do “discurso capitalista”. Deparamo-nos com crianças malcriadas e caprichosas, mas que, no entanto, são capturadas desde muito cedo por diferentes protocolos de avaliação, onde serão diagnosticadas e examinadas em suas competências, sempre em uma lógica segregativa. Hoje em dia, uma criança já pode se “equivocar” desde muito cedo, segundo o critério de diversos especialistas.

Jovens que se eternizam como tais em uma vida sem “causa”, porque nenhum legado simbólico os convida a se separar de uma apatia de gozo solitário e automático. Adultos eternamente jovens, ou que buscam viver sob esse mandato de ser jovem a qualquer preço, que compram brinquedos-objetos em uma vida de consumidor-consumido. Homens e mulheres que descobrem que sua experiência não deixou pegada alguma, porque também em suas vidas não receberam um legado simbólico pelo qual valia a pena lutar. Anciãos aglomerados, absolutamente destituídos em sua palavra e sua experiência de saber, esperando uma morte indigna em instituições horrendas.

Homens, mulheres e outros sexos assumidos, esperando o que não chega, porque não chega o trabalho, não chega uma verdade que surpreenda e faça com que a existência se divida e não se refugie mais em sua falsa unidade e não chegam os recursos, ao passo que, ao mesmo tempo, se sentem culpados por envelhecer ou morrer. Homens que matam mulheres dominados pelo desaparecimento de sua virilidade e assediados por sua impotência no amor.

Talvez nesta abrupta paisagem contemporânea, onde poderiam ser oferecidos muitos outros testemunhos da erosão dos laços sociais provocada pelo Capitalismo, seja possível captar que atualmente uma política com traços emancipadores deve dispor de uma teoria do sujeito e das possibilidades que possa se abrir a uma práxis, onde sua vida como sujeito não esteja totalmente seduzida pela trama do mercado e seu desdobramento. Finalmente, trata-se de pensar, por parte da esquerda, em uma ordem simbólica na qual, ao não ser inventada por ninguém, tampouco pelo capitalismo, porque na língua habita o comum que não pertence a ninguém, possa ter lugar a vida inapropriável. Enorme tarefa…

Cuarto Poder, 08-07-2017.

Dom Total///