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Um milhão de crianças fora da escola: o absurdo do trabalho infantil no Brasil

Dados da PNAD mostram que 74% das crianças entre 5 e 13 anos que trabalham sequer recebem algum rendimento financeiro pelo serviço executado.

 

A ação, realizada em todo o mundo, tem por objetivo conscientizar sobre a importância das crianças na escola e a erradicação do trabalho infantil. (Agência Brasil)

Por Lídice da Mata*
Todos acompanharam a divulgação pela imprensa, nos últimos dias, dos novos e aterrorizantes números do trabalho infantil em nosso país a partir da base de dados do IBGE de 2016. De um total de 40,1 milhões de brasileiros e brasileiras entre 5 a 17 anos, são 1,8 milhões trabalhando e, destes, quase 1 milhão desempenham trabalhos que, de acordo com a legislação brasileira, são ilegais.

A Constituição veda o trabalho para pessoas nessa idade. O pior é que  a pesquisa, por mais estarrecedora que pareça, mostra como a atual  política de atenção à infância em nosso país vem sendo tratada: só na  faixa etária entre 5 e 9 anos, são pelo menos 30 mil crianças  trabalhando, e 160 mil entre 10 a 13 anos.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram, ainda, que boa parte dessas crianças sequer recebe algum  rendimento financeiro pelo trabalho executado. São 74% das crianças  entre 5 e 13 anos nessa situação. A maior incidência do trabalho infantil está nas regiões Sul e Norte do país e entre meninos (65%) “não  brancos” (64%), como diz a sondagem, ou, dizendo textualmente, afeta a  maioria de meninos negros ou pardos. Assim temos, além da questão do  trabalho infantil, mais uma vez a predominância da desigualdade social  que enfrentam nossas crianças e jovens negros.

E é justamente sobre esta questão do racismo que fala Elisiane Santos, procuradora do Trabalho, coordenadora do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em São Paulo, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade  Federal da Bahia. Em artigo intitulado “Trabalho infantil, racismo e a  manipulação nos dados da PNAD”, publicado no último dia 3 de dezembro no  blog de Negro Belchior, ela fala da invisibilidade de nossas crianças.

Segundo a pesquisadora, que também é vice coordenadora da Coordenadoria de Combate à Discriminação do Ministério Público do Trabalho (Coordigualdade ), os números, embora alarmantes, refletem o momento de retrocesso do  nosso país, “em que se percebe cortes orçamentários nas políticas  sociais estratégicas para o enfrentamento do trabalho infantil, como  saúde e educação, assim como a precarização da fiscalização do trabalho  infantil e escravo”.

Parabenizo a procuradora Elisiane pela lucidez de  sua abordagem sobre este grave problema. A redução de investimentos em  políticas públicas de educação, saúde, ciência e tecnologia, entre  outras, aponta para um futuro mais tenebroso ainda para os pequenos e  jovens cidadãos deste país, sem perspectivas, ainda mais com medidas  como a já aprovada reforma trabalhista e uma possível reforma da  Previdência que, com certeza, irão impactar ainda mais profundamente o  universo de trabalho de nossos hoje jovens.

A procuradora fez um alerta importante: embora algumas divulgações tenham apontado que esta é a primeira vez que o IBGE utiliza metodologia para medir o trabalho infantil, outra série histórica apurada de 1992 a 2015, também pelo IGBE,  pode levar a uma falsa redução de que o universo passou “de 9,6 milhões  para 2,6 milhões, desde o período em que o Estado brasileiro reconheceu  a existência de trabalho infantil e escravo e se comprometeu  internacionalmente a erradicar essas duas chagas sociais, heranças de  uma sociedade escravocrata e socialmente desigual”.

Ainda segundo a análise da pesquisadora, “a metodologia atual não  considera trabalho infantil o realizado na produção para consumo próprio  tampouco as atividades domésticas. Assim, por esses dados, temos hoje a  dura estatística mais de 1 milhão de trabalhadores infantis  invisíveis!!!

Para ajudar a acabar com essa invisibilidade e alertar governantes e  sociedade sobre esta triste realidade, aderi à campanha “100 milhões por  100 milhões” pela erradicação do trabalho infantil em todo o mundo. A  campanha foi iniciada pelo indiano Nobel da Paz Kailash Satyarthi e é coordenada, no Brasil, pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em parceria com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

A ação, realizada em todo o mundo, tem por objetivo conscientizar  sobre a importância das crianças na escola e a erradicação do trabalho  infantil. Como coordenadora, no Senado, da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes,  não posso deixar de manifestar minha enorme preocupação e indignação  com o fato de nossas crianças e jovens, ao invés de estarem na escola,  passarem parte de sua infância e juventude antecipando uma condição que  seria vivida apenas na fase adulta.

Via Instituto Humanista Unisinos (IHU)

*Senadora da Bahia pelo PSB, em artigo publicado por Congresso em Foco, 10-12-2017.