Em um texto emocionante, o jornalista e escritor Camilo Vannuchi anuncia o fim da publicação de esquerda depois de 20 anos; "Caros Amigos sobreviveu a 2016, mas não suportou 2017. Sucumbiu por falência múltipla de órgãos. Sua última edição chega às bancas com esta capa e com um editorial de despedida", diz ele
14 DE DEZEMBRO DE 2017 ÀS 18:56 //
Por Camilo Vannuchi
Foram 20 anos na trincheira com "a primeira à esquerda", conforme o slogan da publicação.
Acompanhei com alegria seu lançamento.
Li com brilho nos olhos a primeira edição, com Juca Kfouri na capa, e as que se seguiram. Adorava as longas entrevistas, fantásticas, ao estilo "Pasquim". Nessa época, comprava todo mês. Achei incrível quando a direção decidiu fotografar a mesma criança para as capas das edições comemorativas de 1 ano, 2 anos e 3 anos. Caros Amigos foi também a primeira revista que eu assinei, com meu dinheiro, acho que aos 18 anos, no finalzinho de 1997. Por muito tempo, guardei a coleção completa das 36 primeiras edições. Também tive a oportunidade, como estudante de jornalismo, de participar de uma das entrevistas intermináveis, com o ator Pedro Cardoso, que acabava de interpretar Fernando Gabeira no filme "O que é isso, companheiro?", num período anterior a Agostinho Carrara, e que coincidentemente voltou ao noticiário no mês passado, manifestando-se contra o desmonte da EBC. Jovem, conheci muitos gigantes da imprensa brasileira por meio de suas páginas, colunistas e repórteres. O fundador Sérgio de Souza, Roberto Freire (o escritor e psicoterapeuta, não o político), seu filho Paulo Freire, Alberto Dines, José Arbex Jr., Frei Betto (esse eu já conhecia!), Marina Amaral, Guto Lacaz, Myltainho, João Pedro Stédile e tantos outros.
Acompanhei com agonia seu crepúsculo.
Reconheço com tristeza que já não lia a revista com assiduidade nem com o mesmo interesse. Nos últimos anos, me parecia faltar ali o tesão, a irreverência e a genialidade dos gigantes que encontrei nos primeiros tempos. Mas não era raro me deparar em suas páginas com análises maduras e críticas bem embasadas, sobretudo ao golpe. De vez em quando, encontrava o Wagner ou a Ciça, que invariavelmente traziam informações tristes, sobre dificuldades financeiras, quebra iminente, tentativas de renegociação. A equipe que a tocava nos últimos anos fazia dela sua militância e sua profissão de fé. O modelo de negócios ruiu, não sei dizer exatamente quando, mas tenho certeza de que o fim da Caros Amigos — e de outros jornais, revistas e sites que ainda se debatem pela democracia neste país — atende com carinho aos desejos mais íntimos do fascismo agora aquartelado no Jaburu, nos MBLs, no Escola Sem Partido, na Cidade Linda, na Justiça de Curitiba, no tribunal regional de Porto Alegre.
Caros Amigos sobreviveu a 2016, mas não suportou 2017. Sucumbiu por falência múltipla de órgãos. Sua última edição chega às bancas com esta capa (foto) e com um editorial de despedida que pode ser lido aqui: https://www.carosamigos.com.br/index.php/edicao–atual/11555–edicao–248–editorial–e–sumario
Muito obrigado aos que fizeram a revista ao longo dessas duas décadas e, por extensão, contribuíram para minha formação como jornalista e como cidadão.
"É pirueta pra cavar o ganha-pão
E a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão"
(Chico Buarque em "Meu Caro Amigo")