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Tempo

O papa está certo: começou a guerra

Visão profética de Francisco diante um fenômeno que cresce no Ocidente.

 

Papa Francisco caminha em cemitério onde estão enterrados mortos da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, em 2015. (Reuters)

 

Por Mirticeli Dias de Medeiros*

O Papa Francisco, em coletiva de imprensa realizada durante a viagem de retorno da Coréia do Sul, em 2014, fez uma afirmação surpreendente, a qual, sem dúvida, muitos se recordam: “Estamos já em uma terceira guerra mundial que vem sendo combatida em pedaços, em capítulos”. Ao destrinchar o tema diante do jornalistas que o acompanhavam em sua histórica visita apostólica ao país asiático, o pontífice não só previu uma guerra, mas disse estar preocupado com o retorno de propostas radicais em nome de uma suposta ordem e de um suposto progresso – para nós, um lema positivista bastante familiar. Na mesma entrevista, ele disse não entender, por exemplo, como práticas tais quais a tortura são repropostas e tratadas com tanta naturalidade nos tempos de hoje.

“Devemos parar e pensar um pouco no nível de crueldade a que chegamos. Isto deve nos assustar! Não digo isto para fazer medo: pode-se fazer um estudo empírico. Neste momento, o nível de crueldade da humanidade é tamanho que faz medo. E a outra palavra, sobre a qual queria dizer alguma coisa e que está relacionada com esta, é tortura. Hoje, a tortura é um dos meios – diria – quase ordinários dos comportamentos dos serviços secretos de espionagem, dos processos judiciários. E a tortura é um pecado contra a humanidade, é um crime contra a humanidade. E, aos católicos, digo: torturar uma pessoa é pecado mortal, é pecado grave! Mais ainda: é um pecado contra a humanidade”, ressaltou.

Francisco, tão criticado até pelos “pios católicos” de matriz americana, de repente faz uma operação digna de teólogos de renome como Joseph Ratzinger: dá uma aula de filosofia da história em suas declarações. Em tempos sombrios como esses em que vivemos, nada melhor que recuperar essa leitura de realidade feita pelo papa que, em outras ocasiões, também condenou o chamado “paganismo da indiferença”, cujos militantes, em sua maioria, contraditoriamente são os cristãos. Os valores do cristianismo como a solidariedade e a atenção aos mais necessitados se transformam em pautas secundárias, engolidas por uma espécie de nacionalismo étnico-religioso que diz celebrar o senhorio de Cristo, mas, em vez disso, instrumentaliza o próprio Cristo para se reafirmar.

O século passado testemunhou os danos causados pela desastrosa união entre “a coisa nacional” e o “Deus fabricado” pelos messias políticos da segunda guerra mundial. Porém, pelo jeito, a inércia intelectual de muitos – a qual, menos mal, não atingiu a mente brilhante do papa – impede de ver que tais tendências devem ser consideradas, sim, um fator de risco, independente do espectro político. Não é de hoje que historiadores especialistas em totalitarismos alertam o mundo para o retorno do fator religioso dentro do discurso político, um fenômeno que tende a crescer e a atrair mais adeptos em nome de uma “nova política” ou, se quisermos “cristianizar” o termo, uma cruzada em prol da moral e dos bons costumes.

Em tempos nos quais até a imprensa tradicional é desacreditada, em uma clara manobra para influenciar as massas através das redes sociais, é de se esperar que o papa também seja contestado. A única preocupação é se não será tarde quando descobrirem que ele tinha toda a razão.

Dom Total///

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.