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Com que autoridade fazeis guerras tão abomináveis a estes povos que viviam pacificamente em suas terras?*

A Funai perdeu suas principais atribuições: identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação de terras. Agora é do Ministério da Agricultura.

 

Povos indígenas enfrentam seu maior inimigo desde os tempos da conquista! (Ricardo Stuckert)

 

Por Élio Gasda**

“Não estamos nos zoológicos, senhor Presidente. Estamos nas nossas terras, nossas casas, como senhor e como quaisquer sociedades humanas. Somos pessoas, seres humanos, temos sangue como você, nascemos, crescemos, procriamos e depois morremos na nossa terra sagrada, como qualquer ser humano vivente sobre esta terra. Não somos nós que temos grande parte do território Brasileiro, mas os grandes latifundiários, ruralistas, agronegócios, que possuem mais de 60% do território nacional”. Esse é o trecho de uma carta enviada pelos povos Aruak, Baniwa e Aripurinã, da Amazônia, a um presidente racista.

O governo etnocida, minutos após sua posse, editou a Medida Provisória 870/2019 que estabelece a estrutura do governo e funções de ministérios e órgãos. Dentre as medidas está a transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai), que se encontrava no Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, confiado a uma pastora evangélica fanática. O pior: “a ONG Atini, fundada por Damares, é alvo de acusações do Ministério Público e de indigenistas, que falam em tráfico e sequestro de crianças e incitação ao ódio contra indígenas” (Carta Capital 15/12/18). A Funai perdeu suas principais atribuições: identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação de terras. Agora é do Ministério da Agricultura. Mais de 232 áreas que estavam em estudos serão afetadas.

A alteração, um sonho do agronegócio e da bancada ruralista agora realizado! Em seu primeiro ato, o governo decretou o aniquilamento dos direitos assegurados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Existem 128 processos de demarcação em andamento envolvendo terras que abrigam mais de 120 mil indígenas. Raposa Serra do Sol, em Roraima, que abriga cerca de 20 mil indígenas, foi homologada em 2005, e em 2009 o STF confirmou a decisão do presidente Lula. No entanto, o governo prepara a edição de um decreto para rever a demarcação. Não haverá mais demarcação?

Tribos inteiras são atacadas! O defensor da ditadura quer transformar a Amazônia em mercadoria. Terras indígenas são terras públicas de domínio da União. Não são mercadoria. Os indígenas têm sido tratados como entraves para entregar a Amazônia. O agrocrime chegou ao poder com autorização para matar! Um projeto profundamente racista que demonstra total desconhecimento da realidade dos povos indígenas. Tudo em nome do deus-mercado. Um crime. O Brasil é o país que mais mata e provoca suicídio entre os indígenas no mundo. O fascismo de mercado é genocida. Quem o deterá?

Extermínio! Com o fim da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Cuba no “Programa Mais Médicos”, a saúde indígena perdeu 81% do contingente de médicos. Em muitas regiões da Amazônia não houve reposição de profissionais. O atendimento nas comunidades era feito exclusivamente por cubanos. O Deputado Rodrigo Amorim (PSL/RJ) disse que “quem gosta de índio que vá para a Bolívia que, além de comunista, ainda é presidida por um índio”.

Povos indígenas enfrentam seu maior inimigo desde os tempos da conquista! Política dos tempos da colonização! Para impor o Estado fascista nas colônias, a Europa praticou a tortura e decretou a barbárie de forma sistemática. Em 1511, em Santo Domingo (República Dominicana), o frei dominicano Antônio Montesinos, no Sermão do Quarto Domingo do Advento, inspirado pelas palavras do profeta Joao Batista, a “voz que clama no deserto” (Jo 1,23), denunciou a esterilidade do deserto das consciências dos conquistadores católicos e a cegueira em que viviam: “Estais todos em pecado mortal e nele viveis e morrereis, pela crueldade e tirania que usais contra essa gente inocente. Dizei-me: Com que direito e com que justiça vocês impõem a esses índios uma servidão tão cruel e horrível? Com que autoridade fazeis guerras tão abomináveis a estes povos que viviam pacificamente em suas terras? Como os tendes tão oprimidos e cansados, sem dar-lhes de comer nem curar-lhes suas enfermidades provocadas pela exploração do trabalho? Vocês os matam para acumular ouro dia após dia? Não são seres humanos? Não têm alma e razão? Não estais obrigados a ama-los como a vós mesmos? Não entendeis isso? Como podeis dormir um sono tão profundo e apático?”

Montesinos deixou a todos atônitos, mas ninguém se sensibilizou. Concluído o sermão, o frei desceu do púlpito de cabeça erguida e consolado por ter falado a verdade em nome de Deus. Já os católicos, indignados, dirigem-se ao líder da cidade, filho de Colombo e, escoltados pelos soldados, foram ameaçar o pregador, acusa-lo de herege inimigo do rei e de prejudicar os negócios. Estavam tão cheios de ódio que nada adiantou explicar o sermão. Exigiram retratação.

 No domingo seguinte, Montesinos reiterou com mais contundência o que havia dito. Exigiu a interrupção da barbárie imposta aos índios, que os fiéis confessassem este pecado mortal. Ele, Montesinos, estava a serviço do verdadeiro Deus e não do rei. Isso só fez aumentar o ódio. Aos olhos dele, uma atitude digna de pena de cristãos que desceram tão baixo em sua obsessão pela riqueza. Falava à católicos de missa dominical surdos à palavra de Deus. Não apenas coniventes com a tortura, a escravidão e a morte dos indefesos, mas seus causadores. Cristo foi revogado de suas vidas. Estavam acostumados a uma Igreja que abençoava seus crimes e injustiças. A estes “cidadãos de bem”, Montesinos recorda que a salvação que esperam passa pelo amor aos índios. “Não estamos nos zoológicos”!

*"Com que autoridade fazeis guerras tão abomináveis a estes povos que viviam pacificamente em suas terras?" (Montesinos). **Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).