Crimes socioambientais carregam coincidências, entre elas as ‘mortes’ de dois rios vitais para moradores, peixes e vegetação.
A lama de rejeitos da Samarco se espalhou por toda a extensão do Rio Doce. (Nicolo Lanfranchi/Greenpeace)
Por Rômulo Ávila*
Repórter Dom Total
No Dia Mundial da Água, celebrado nesta sexta-feira, 22 de março, milhares de moradores de Minas Gerais e de outros estados sentem as consequências provocadas pelos rompimentos das barragens de Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas, e da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH. Os dois crimes socioambientais cometidos pelas mineradoras Samarco e Vale, respectivamente, têm várias coincidências, entre as quais ambientalistas apontam as ‘mortes’ de dois rios vitais para moradores, peixes e vegetação: os rios Doce e Paraopeba.
Nos dois casos, estudos mostram que a abundância de peixes, de água, de vida aquática e de vegetação de Mata Atlântica deu lugar a metais pesados e a um mar de rejeitos de lama.
A devastação do Rio Paraopeba ocorre desde 25 de janeiro deste ano, data do rompimento da barragem, em Brumadinho. Os impactos ainda são mensurados, mas estudo da Fundação SOS Mata Atlântica aponta contaminação da água por metais pesados, perda de oxigênio e destruição de 112 hectares de floresta nativa de Mata Atlântica na região de cabeceiras do rio.
De acordo com os dados levantados pelos técnicos da Fundação e divulgados nesta sexta-feira (22), a lama da Vale que causou morte e destruição em Brumadinho chegou à Bacia do Rio São Francisco.
O Paraopeba está morto, garantem especialistas em recursos hídricos. A Expedição Paraopeba, da SOS Mata Atlântica, percorreu 2 mil quilômetros por estradas, passando por 21 cidades, para analisar a qualidade da água em 305 quilômetros do rio. O relatório final, divulgado em fevereiro, aponta que a água não tem condições de uso.
Dos 22 pontos analisados, dez apresentaram resultado ruim e 12 péssimo. Além disso, foram encontrados metais pesados na água, como manganês, cobre e cromo em níveis muito acima dos limites máximos fixados na legislação. Ao todo, foram 14 milhões de metros cúbicos de rejeito despejados no Paraopeba.
A presença de metais pesados também está comprovada no Rio Doce, devastado pelos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de lama despejados após o rompimento da Barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015.
Peixe morto pela lama tóxica no rio Paraobeba © Nilmar Lage/ Greenpeace
“Em volume, a quantidade (de Brumadinho) é menor do que o desastre ambiental de Mariana, que afetou a Bacia do Rio Doce, há três anos. Rememorando os fatos, podemos dizer que tudo na verdade começou ali – ou ali poderia ter sido evitado”, diz trecho de artigo assinado por Marcia Hirota e Malu Ribeiro, especialistas em água da SOS Mata Atlântica.
‘Bomba-relógio’
Estudo desenvolvido em parceria por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA) define a presença de metais pesados no estuário do Rio Doce como “bomba-relógio”.
“A ideia era de que a maior parte daquele material liberado após o acidente ficasse nas proximidades da barragem e do município de Mariana. No entanto, a lama chegou a Regência, uma vila localizada no litoral do Espírito Santo, região importante ecologicamente, com intensa atividade de pesca e turismo, onde o Rio Doce deságua”, lembra Tiago Osório Ferreira, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq.
Cobre, manganês, zinco, cromo, cobalto, níquel e chumbo são alguns metais pesados encontrados no rio pelos pesquisadores. “Alguns desses metais são tóxicos e podem se acumular em plantas e peixes, acarretando efeitos potencialmente nocivos sobre a fauna e a flora associadas a esse ecossistema”, alerta o professor Ferreira.
Abrolhos
A lama da Samarco também causou danos “irreparáveis” aos corais do Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia (o recife de corais mais importante de todo o Atlântico Sul), concluiu estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Em relatório de quase 50 páginas, os pesquisadores apresentam análises detalhadas com a presença de metais nessas estruturas, demonstrando notória incorporação de zinco e cobre, entre outros elementos.
Fred Loureiro (AFP)Segundo o estudo, os resíduos do beneficiamento de minério se espalharam rapidamente pelo Rio Doce e, em seguida, começam a atingir a região costeira. A avaliação dos pesquisadores é que a abrangência geográfica do impacto decorrente do rompimento e da lama não pode ser visível ao observador comum.
O entendimento é que o rompimento causou mais dano ao ecossistema do que pelo volume de material volúvel que atinge as camadas mais profundas da coluna d’água, em geometrias mais finas.
Ricos
Além do Paraopeba e do Rio Doce, Minas Gerais, especialmente a Grande BH, é cercada por barragens de minério que ficam próximas a importantes afluentes e rios, como o das Velhas. Um exemplo é a Barragem B3/B4 da Mina Mar Azul, da Vale, localizada em Nova Lima. Em caso de rompimento, ambientalistas dizem que o abastecimento de água em Belo Horizonte seria comprometido em até 60%.
“Cabe ressaltar que muitas barragens no Brasil estão localizadas próximas das áreas de cabeceiras de rios e o potencial de danos é altíssimo. O risco iminente do rompimento afeta bacias hidrográficas inteiras – e ameaça a vida de pessoas, cidades, áreas produtivas e serviços ambientais essenciais para a população”, alerta Marcia Hirota e Malu Ribeiro em artigo.
*Redação Dom Total com informações das agências Brasil e USP.