A notícia arrola um número significativo de empresas multinacionais e brasileiras que se habilitam à permissão de venda para esse tipo de veneno.
Por Jacques Távora Alfonsin*
Quanto mais sérias e preocupantes são as advertências das pesquisas e das iniciativas urgentes a serem tomadas em defesa do meio ambiente, em nível nacional e internacional, sobre os prejuízos que, no mundo todo, os agrotóxicos vêm causando às pessoas, à terra, à flora, à fauna, à natureza toda enfim, tanto maior é o esforço do novo (des)governo brasileiro em liberar as licenças para a sua utilização predadora.
De acordo com o site IHU notícias de 3 deste abril, baseado em informação do “De olho nos ruralistas”, já foram liberados pela atual administração pública da União 121 agrotóxicos, ou seja, até ali, um por dia. 28 deles classificados como “extremamente tóxicos”. Outros 30 produtos já se encontram na fila para registro. A notícia arrola um número significativo de empresas multinacionais e brasileiras que se habilitam à permissão de venda para esse tipo de veneno, não só para quem lida com ele, como a publicação revela: “O aumento progressivo no registro de pesticidas no Brasil vem acompanhado de impactos severos para a saúde pública. Entre 2007 e 2017, foram notificados cerca de 1.900 mortes relacionadas ao uso de agrotóxicos, além de 40 mil casos de intoxicação aguda.”
Da gravidade desses números e das providências imediatas que devem ser tomadas para a proteção e defesa de quantas/os sofrem os efeitos diretos e indiretos desse mal – que conta em seu favor com todo o poderoso agronegócio brasileiro, presente em todos os poderes do Estado, bancada ruralista e Ministério da Agricultura especialmente – dão sinal algumas iniciativas acadêmicas e populares que, felizmente, começam a se verificar no país.
Dia 28 de março passado, por exemplo um simpósio internacional foi realizado em Mata-RS, sobre a crescente mortandade de abelhas que se está verificando no mundo todo, por força do emprego de agrotóxicos sobre a terra. Promovido pela APISBio (Articulação Para a Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade) e pela APISMA (Associação dos Apicultores e Meliponicultures de Mata), contou com a participação com mais de duas dezenas de entidades e organizações parceiras, além de assessorias jurídicas como a do advogado José Renato de Oliveira Barcelos. O promotor de justiça Éder Fernan do Kegler também se fez presente.
Aquilo que toma por referência um simples “nicho ecológico” como a mortandade de abelhas, poderia ser desconsiderado por sua aparente fragilidade frente ao poderio econômico de sustentação dos venenos agrícolas. Esse pessimismo pode ser enfrentado pelas consequências político-jurídicas que já estão sendo tomadas como resultado do evento. Como publicou o “Sul 21”, em sua edição de 30 de março, dos debates entre conferencistas e participantes do Simpósio, algumas conclusões empoderam o combate contra agrotóxicos, pelo fato de já não restarem algumas dúvidas sobre o porque , onde, quando e como eles nascem, se desenvolvem e agridem o meio ambiente:
“A mortandade de abelhas já tem sido há tempos um alerta quanto a utilização indiscriminada de substâncias nocivas à vida nos cultivos agrícolas. {…} Os agrotóxicos utilizados nos monocultivos de grãos – em especial a soja – são apontados como responsáveis. O fato novo registrado agora é o resultado de laudos científicos que confirmam essa informação e já servem de amparo para uma representação coletiva apresentada junto ao Ministério Público Estadual (MPE/RS) pedindo a abertura de inquérito civil público e propondo ação civil pública e ação penal junto à toda cadeia de responsabilidade que envolve utilizadores, aplicadores, revendedores, distribuidores, importadores e fabricantes.”
Não há de faltar apoio jurídico qualificado ao Ministério Púbico do Estado, para levar adiante o ajuizamento dessas ações em defesa da vida da terra, e de toda a vida que dela depende. O jurista Carlos Frederico Marés, conhecido no Brasil por sua defesa corajosa das/os índias, da terra, do direito socioambiental, tem chamado a atenção, em mais de um dos seus estudos, para as disposições da Constituição Federal sobre a função social da terra, as condições obrigatórias que a/o proprietária/o desse bem deve cumprir, sob pena de seu uso ser julgado como prejudicial, inclusive ao meio-ambiente e, por isso, barrado e punido. Em 2003, o Instituto socioambiental publicou um dos seus trabalhos (“Direito agrário e meio ambiente”), na coletânea “Reforma agrária e meio ambiente”, onde ele adverte:
“Ninguém mais nega que a propriedade deve ter uma função social, mas alguns intransigentes defensores da propriedade absoluta dizem que seu cumprimento se dá com a tão só alta produtividade da terra, são os economistas que reduzem tudo a uma equação de mercado. {…} Esta corrente vê as áreas de proteção ambiental como inimigos da produção e subordinam o direito agrário e a função social da propriedade à produção, não importa do quê, desde que gere lucro, vantagem econômica imediata, não importa, tampouco, nem o futuro nem a felicidade humana.”
Se ninguém mais negava a função social, as políticas públicas agora implementadas pelo Poder Executivo da União mostram que este abre uma grande exceção àquilo que Marés dá como pacífico, e deixa a efetividade prática da função social da propriedade privada, como prevista na Constituição Federal e em muitas outras leis, a mercê do que o jurista aponta como a causa redutiva do seu comando à letra morta: lucro acima de tudo, vantagem econômica imediata, indiferente aos seus efeitos antissociais e ambientais.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul, todavia – essa é a esperança, não só das abelhas como de toda a terra e gente deste Estado – pode e deve exercer o seu poder de agir contra as mortes que o agronegócio agrotóxico está causando, com o explícito apoio da administração pública da República Federativa do Brasil, como a Constituição denomina o nosso país. Será que ele ainda pode ser chamado assim?
Unisinos
*Procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
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