A justiça gratuita não isenta mais o trabalhador do pagamento de honorários aos advogados da parte contrária (sucumbência) e aos peritos, caso perca a ação.
Levantamento do TST mostra que janeiro e dezembro de 2018, as Varas do Trabalho receberam 1.726.009 casos novos, contra 2.630.522 do mesmo período de 2017. (Flickr TST)
Por Daniela Galvão
Repórter Dom Total
A quase um ano e meio de validade da reforma trabalhista, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, verifica-se uma queda significativa no número de ações (reclamações) propostas perante a Justiça do Trabalho. Um levantamento feito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que, em 2018, o volume de reclamações caiu 34% em relação a 2017. Entre janeiro e dezembro de 2018, as varas de primeira instância receberam 1.726.009 casos novos, contra 2.630.522 do mesmo período do ano anterior.
Em novembro de 2017, mês de início da vigência das mudanças, houve um pico de casos novos recebidos nas Varas do Trabalho: foram 26.215 processos (9,9%) a mais em relação a março de 2017, segundo mês com maior recebimento no período. No entanto, em dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o quadro se inverteu. Desde então, o número de casos novos por mês nas Varas do Trabalho é inferior ao de todos os meses referentes ao mesmo período de janeiro a novembro de 2017.
Enquanto alguns empregadores comemoram essa redução, os trabalhadores que recorrem ao Judiciário com o objetivo de buscar o pagamento de verbas não pagas sofrem com as mudanças nas regras da justiça gratuita. Esta não mais isenta o trabalhador do pagamento de honorários aos advogados da parte contrária (sucumbência) e aos peritos, caso perca a demanda. Tanto que o valor referente a esses débitos podem ser descontados das verbas que o trabalhador tem a receber, mesmo elas sendo de caráter alimentar. Isso faz com que ele tenha medo de acionar a Justiça do Trabalho.
O advogado, professor de Direito do Trabalho e Prática Simulada em Direito do Trabalho na Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental pela mesma instituição de ensino superior, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Thiago Loures Machado Moura Monteiro, afirma que a Justiça do Trabalho é a casa do desempregado. “Quem está com o contrato de trabalho em vigor tem medo de ser mandado embora, então ele não tende a ajuizar reclamação trabalhista. Ele teme retaliação, ser mandado embora ou tornar hostil o ambiente de trabalho. Então, quem vai procurar a Justiça do Trabalho é o trabalhador que já chegou em um ponto em que não aguenta mais e precisa pedir uma rescisão indireta ou aquele que já está desempregado e quer o pagamento de verbas não pagas, como as rescisórias.”
Segundo ele, a justiça gratuita, que é concedida quando a parte comprova que não tem condições de arcar com as custas do processo sem prejudicar seu sustento e de sua família, tem um efeito menor na esfera trabalhista que na cível. Podem ter situações em que o trabalhador saia ganhando menos ou inclusive devendo. Até o advogado dele recebe alguma coisa, porque agora este profissional sempre terá honorários de sucumbência.
“A pessoa trabalhou, não recebeu as parcelas que entendeu que tinha direito, contratou um advogado, entrou na Justiça do Trabalho e qual o resultado? Saiu devendo, o advogado dele ganhou e o advogado da empresa também. E foi ele quem trabalhou. Esse trabalhador nunca mais vai querer falar em Justiça do Trabalho. Ele não vai ter mais a ideia de que a Justiça do Trabalho é a ‘casa do desempregado’, mas de que a Justiça do Trabalho é a casa que condena o desempregado, faz com que o pobre fique mais pobre e piora a situação do trabalho.”
Violação de direitos
Paralelamente à queda do número de reclamações trabalhistas, advogados percebem que houve um aumento na violação de direitos. Isso porque o patrão percebeu que o trabalhador teme a Justiça do Trabalho. Thiago Loures comenta que a supressão de direitos entrou no cálculo de custo-benefício da empresa. “Antes o empregador pensava que se não pagasse um determinado adicional que a lei determina, de 10 funcionários, no máximo quatro, ajuizariam ação. Agora eles pensam que, no máximo, um funcionário ajuizará, porque todos estão inibidos. Estamos vendo uma crescente no desrespeito dos direitos e uma diminuição nas ações, o que representa uma descrença da população na efetividade da Justiça do Trabalho, que era a única que funcionava de maneira adequada no país.”
Várias ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) tramitam no STF contra diversos pontos da reforma trabalhista. Entre os temas tratados está o alcance da eficácia da justiça gratuita, sem previsão de julgamento definitivo. O artigo 5º da Constituição Federal, no inciso XXXV, estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Significa dizer que o acesso à Justiça é um direito constitucional.
A justiça gratuita antes da reforma trabalhista poderia ser concedida como no Código de Processo Civil (CPC), mediante a mera declaração de pobreza. Presumia-se verdadeira a alegação da pessoa física de que ela não tinha condições de arcar com as custas processuais. Com a reforma, o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no parágrafo 4º, passou a prever que é necessário comprovar a insuficiência de recursos para ser beneficiário da justiça gratuita. O advogado e professor da Dom Helder acredita que tal exigência provoca certo afastamento do trabalhador, devido à dificuldade de encontrar documentos para confirmar a falta de recursos para pagar as despesas com o processo.
De acordo com ele, uma das vertentes de discussão de inconstitucionalidade é se essa eficácia limitada do benefício da justiça gratuita não comprometeria o direito constitucional de acesso à justiça. “Na minha visão compromete sim, porque faz o trabalhador ter medo de uma Justiça que existe para protegê-lo.”
A condenação do trabalhador que ajuíza uma ação e falta à audiência ao pagamento de 2% do valor da causa, mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita, é outra forma de dificultar o acesso à Justiça do Trabalho. Se a falta ocorreu por motivo legalmente justificável, o prazo para se explicar e requerer a isenção do pagamento é de 15 dias. No entanto, caso a condenação seja mantida, ressalta que será preciso comprovar o pagamento dessas custas para ajuizar nova ação.
Efetividade
Em discursos raivosos, empregadores que muitas vezes descumprem reiteradamente os direitos trabalhistas falam que a Justiça do Trabalho faz com que eles fechem as portas. Na opinião de Thiago Loures, se o empregador cumpre todas as normas e garantem todos os direitos para seus funcionários, é de interesse dele que a Justiça do Trabalho funcione com efetividade. “Ela vai tirar do mercado a concorrência que desrespeita os direitos trabalhistas para baixar seu custo de produção. Ficarão no mercado as empresas que respeitam as normas trabalhistas, porque aquelas que não as respeitam devem ser expurgadas da sociedade. Afinal, são direitos sociais garantidos há décadas em nossa Constituição Federal”, conclui.
Redação Dom Total///