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Descontentamento com a democracia chega a 83% no Brasil

No mundo, insatisfeitos chegam a 51%. Para o professor Georges Abboud, da USP, situação abre espaço para demagogos e acentua corrosão democrática.

 

 

O resultado deixa o Brasil em terceiro lugar no ranking de países descontentes. (Charles Platiau/Reuters)

Por Patrícia Azevedo
Repórter Dom Total

Os números mostram: a população brasileira está descontente com o funcionamento da democracia. De acordo com pesquisa divulgada neste semestre pelo Pew Research Center, uma das maiores empresas americanas de dados e análise, 83% da população se declara insatisfeita com o processo democrático. O resultado deixa o Brasil em terceiro lugar no ranking de descontentes, atrás apenas da Grécia e do México, com 84% e 85%, respectivamente. O levantamento ouviu 30.133 pessoas, de 27 países.

Para o professor Georges Abboud, da Universidade de São Paulo (USP), o descontentamento é agravado pelo imediatismo e pelo uso de novas tecnologias, que marcam a sociedade atual. “As pessoas votam em um partido mais à direita e a situação não melhora. Votam em um mais à esquerda, não melhora novamente. Surge o ressentimento, esquecemos os aspectos positivos. Só que, na democracia, as coisas não acontecem rápido. Melhorar a sociedade não é de uma hora para a outra”, apontou o professor durante o Congresso Internacional Direito, Democracia e Ambiente, promovido pela Dom Helder Escola de Direito, em Belo Horizonte.

De acordo com Abboud, esse desencantamento com a democracia favorece a ascensão de demagogos, sejam de direita ou esquerda. “Eles dizem: o sistema não funciona, a estrutura está corrompida, a política é imprestável. ‘Eu sou a solução’. Aí você vota nesse cara, que não vai resolver, não vai melhorar. Ele vai argumentar: ‘Não me deixaram fazer’. E começa então a corromper as instituições, inclusive a legalidade”, afirmou.

Elementos fundamentais

Para o professor, a corrosão do regime é acentuada pela ausência de common ground (terreno comum, em tradução livre), que considera um dos quatro elementos fundamentais para sustentar uma democracia, juntamente com a dignidade humana, o ideal contramajoritário e a accountability. “Adversários políticos discordam em muita coisa, mas não é possível discordar em tudo. Republicanos e democratas, por exemplo: eles concordam com o sistema representativo norte-americano, com a ideia de presidencialismo. A ausência de common ground gera uma polarização, é um problema hoje. Que seja: ‘a pedofilia é crime’. Já é algo em comum, um começo. Temos que recuperar a ideia de pertencimento ”, defendeu.

Georges Abboud, da Universidade de São Paulo.Georges Abboud, da Universidade de São Paulo.Outro pilar que precisa ser fortalecido é a accountability, que Georges Abboud traduz como “prestação de contas”. “Vale para todos que exercem um poder político, de qualquer tipo, com ou sem eleição. Não prestar contas é uma característica típica de democracias frágeis, segue a ideia que o público e o privado são a mesma coisa. Por que as fake news têm uma proporção gigantesca no Brasil?”, questionou.

O especialista ressaltou que uma fake news não é uma notícia puramente falsa. “Posso escrever no meu Facebook: sou o maior jurista do Brasil. Não é verdade, mas não é fake news. Fake news é uma informação falsa com roupagem de uma informação de credibilidade”, esclareceu, acrescentando que, nesses casos, há uma tentativa de fazer parecer que a informação foi dada pelos meios tradicionais de informação, como os grandes jornais. “O fato de as pessoas acreditarem em todas as informações que recebem pelo Facebook ou Whatsapp é uma baixa verificação de credibilidade, é uma crise de accountability”, explicou Abboud.

Democracia em transe

O enfraquecimento dos pilares causa, em consequência, fragilização e crise do próprio regime. O professor José Adércio Leite Sampaio, coordenador do Programa de Pós-Graduação da Dom Helder, ressalta ainda que a democracia tem sofrido crescentes ataques, inclusive de áreas que podem contribuir para fortalecê-la, como a Ciência da Informação. “Em uma visão otimista, ela pode ampliar a participação das pessoas em processos deliberativos, com a realização de plebiscitos e referendos digitais”, argumentou. Ele destacou que a potencialidade dos sistemas eletrônicos tem sido contraposta por algoritmos e robôs, que trabalham por meio das mídias sociais “divulgando fake news, estimulando determinados comportamentos que podem ser muito ruins, como a própria negação da democracia, o discurso do ódio.” “Tudo isso está dentro do caldeirão do momento em que estamos vivendo”, avaliou Sampaio.

Georges Abboud também destacou o crescimento dos ataques ao sistema democrático e a mudança em sua natureza. “Tivemos golpe na Tailândia, na Turquia. Mas a maioria dos ataques atualmente, digamos que 90%, foge do modelo de golpe de Estado. São ataques por polarização política, perda da confiança no governo, agravamento da desigualdade econômica e decisões erradas do ponto de vista político”, esclareceu.

Alternativas

Mesmo com todos os percalços, Abboud defende a democracia por se tratar da “única forma governo que ainda trabalha com a ideia de dignidade”. “Só por isso já vale”, justificou, analisando em seguida as alternativas que se apresentam: o liberalismo tecnológico, a epistocracia e os regimes autocráticos. “Se você quiser desenvolvimento econômico puramente, pleno desenvolvimento, a democracia não é o melhor governo, não é mesmo”, argumentou, apontando a China como exemplo de autocracia. “Se fosse democrática, não cresceria da forma que cresce, teria legislação ambiental, regras de compliance, leis trabalhistas”, enumerou.

Ao concluir, Abboud é enfático: a democracia é o melhor sistema político, sobretudo quando os governos estão no seu pior momento. “Basta pensar: em um momento complicado do ponto de vista político e democrático, como você deseja que as questões que vão atingir a sua vida sejam decididas? Por um conselho de sábios que você não elege? Por mídias sociais? Por um autocrata? É nos momentos de crise que a democracia faz sentido. Você lembra que ela dá paz e estabilidade a longo prazo.”

Patrícia Azevedo/Dom Total///