Com 39 trilhões de bactérias no corpo de uma pessoa mediana, papel destes seres ainda não são totalmente compreendidos pela ciência.
Apesar de muitos microrganismos causarem doenças e infecções mortais, algumas bactérias são benéficas para o organismo (Pixabay)
Por Patrícia Almada
Repórter DomTotal
Considerado o segundo cérebro do sistema humano, o intestino é capaz de feitos importantes no corpo, seja absorvendo os nutrientes fundamentais para a vida ou até mesmo garantindo absorção de água para a consistência das fezes. Muitos desses processos são provenientes de seres microscópicos e muitas vezes temidos pela população: as bactérias.
Apesar de muitos microrganismos causarem doenças e infecções mortais, algumas bactérias são benéficas para o organismo. Para se ter uma ideia, um homem de 1,70 metro e 70 quilos possui, aproximadamente, 30 trilhões de células humanas e 39 trilhões de bactérias, segundo estudo publicado em 2018 pelo Wizmann Institute os Science, de Israel. Ou seja, há muito mais bactérias habitando o corpo do que células humanas.
A alta população de microrganismos que vivem no intestino é chamada de microbiota, onde existem mais de 300 espécies já descobertas. Os cientistas ainda estão tentando entender de que forma essas bactérias agem sobre o cérebro. Mas ficou provado que a barriga realmente pode mandar na cabeça – e, como qualquer pessoa que já teve dor de barriga porque ficou ansiosa sabe, também pode ser influenciada por ela. Além disso, a microbiota pode interferir no sono, no humor ou na escolha por doces, por exemplo, fazendo também com que cada ser humano possua uma microbiota individualizada.
Para a nutricionista e pós-doutora em nutrição e saúde pública Isis Tande da Silva, as bactérias que habitam o intestino têm grande importância. “A microbiota é composta de múltiplas espécies que vivem em sinergia mútua com nosso organismo. Além das bactérias, a microbiota inclui fungos, arqueia e protozoários, assim como os vírus. Estudos recentes têm demonstrado que há uma complexa interação entre a microbiota e nosso organismo. Desde a digestão de grandes moléculas de açúcar, passando pela inibição do desenvolvimento de patógenos, por sua ação como barreira contra translocação bacteriana, pela síntese de vitaminas, até sua relação com o sistema imunológico”, explica.
Fezes e transplante fecal
Uma parte da microbiota também está chamando a atenção de cientistas, mesmo a ideia não sendo atraente: a fecal. Transplantes fecais são uma alternativa para casos de contaminação hospitalar, causadas pela bactéria Clostridium difficile. Há outros estudos relacionando a microbiota fecal com o combate à obesidade, doença de Crohn (afeta qualquer parte do aparelho digestivo, desde a boca até o ânus), colite ulcerativa (doença inflamatória intestinal), síndrome do intestino irritável, obesidade, mal de Parkinson, esclerose múltipla, ansiedade e depressão, mas nada ainda comprovado.
Para Isis, os estudos são bem favoráveis à microbiota fecal, principalmente no combate de algumas enfermidades. “Apesar de muitas questões ainda estarem sem respostas, a microbiota tem sido associada a diversas doenças. Isso ocorre porque a microbiota está envolvida em numerosos aspectos da fisiologia normal do nosso organismo, do estado nutricional até a resposta ao estresse. Muito precisa ser esclarecido, mas parece que a produção bacteriana de moléculas sinalizadoras e os epítopos (antígeno com potencial de gerar a resposta imune) bacterianos interferem na mucosa intestinal e em mecanismos do sistema imunológico humano”, conta.
No transplante, as fezes de uma pessoa sadia é borrifada no intestino do paciente doente por meio de sonda. Geralmente o procedimento dura 15 minutos. Além do transplante, nos Estados Unidos, existem desde 2014 pílulas com matéria fecal que também podem ser tomadas para combater a Clostridium difficile. Um estudo de novembro de 2017 do Journal of the American Medical Association afirmou que a eficiência das pílulas é a mesma do transplante.
Isis ressalta que o estudo aprofundado da microbiota fecal vai gerar diversos benefícios futuros. “Muitos pesquisadores têm se debruçado sobre este tópico. A enorme diversidade do microbioma e sua complexa interação com nosso organismo são os principais fatores que justificam tais estudos. A cada dia mais mecanismos de interação entre microbiota e nosso organismo têm sido descritos. Destaca-se, nesse contexto, os benefícios obtidos pelo organismo humano nessa relação de influência mútua, o que justifica, inclusive, a grande tolerância estabelecida”, afirma.
Imunidade
Para além de suas funções na digestão, por exemplo, o intestino tem um papel importante na defesa imunitária. Estima-se que entre 70 a 80% das células imunes estão nesse órgão.
A microbiota intestinal é um conjunto de microrganismos, principalmente de bactérias Lactobacillus e Bifidobacterium que colonizam o tubo digestivo. É composto por 100 milhões de bactérias que vivem em simbiose com o organismo, tendo um peso de cerca de dois quilos, com enorme contribuição para o equilíbrio da imunidade intestinal.
Isis explica que a microbiota parece se relacionar com imunidade desde o desenvolvimento do sistema imune, que ocorre na primeira infância como, por exemplo, substâncias bioativas do leite materno que modulam a comunidade bacteriana através de moléculas sinalizadoras e epítopos influenciando componentes imunológicos orgânicos. “Até mesmo o tipo de parto parece influenciar o sistema imunológico através da modulação do desenvolvimento da microbiota", explica. A especialista aponta que, nesse contexto, dá-se destaque a disbiose intestinal, que seria um desequilíbrio do perfil de bactérias que vivem no trato gastrointestinal. "Estudos mostram que a disbiose influencia na suscetibilidade a infecções, a reações de hipersensibilidade, a doenças autoimunes, a inflamação crônica e a câncer. Muito precisa ser esclarecido, porém, percebe-se atualmente que o sistema imune está fortemente relacionado à microbiota intestinal”, diz.
Estratégias
A modulação das bactérias intestinais é possível, mas leva tempo, dedicação e uso de estratégias que modifiquem esses microrganismos. A nutricionista afirma que várias estratégias têm sido estudadas, com destaque para modulação dietética, uso de pré-bióticos (fibras dietéticas indigeríveis isoladas), uso de probióticos (microrganismos isolados para suplementação) e transplante fecal.
“Em geral, a microbiota é bem estável, sendo influenciada especialmente por ingestão dietética e antimicrobianos, como antibióticos, por exemplo. Sabe-se que a dieta rica em fibras e com baixo teor de gordura modifica as comunidades bacterianas de modo benéfico. Que alguns enterótipos (predominância de determinadas espécies na microbiota intestinal) se destacam na dieta rica em gordura animal (bacteroides), enquanto a dieta rica em carboidratos leva a outro predomínio (prevotella). Além disso, dietas ricas em fibras aumentam espécies de bactérias benéficas como bifidobactérias e lactobacilos”, esclarece.
Isis aponta também que a chave fundamental para modificar a microbiota é uma alimentação saudável. “Na prática, tendo em vista os resultados obtidos até o momento, a melhor estratégia para uma boa microbiota intestinal se alcança por meio da alimentação equilibrada, rica em fibras e com baixo conteúdo de gordura animal. Este efeito só é alcançado quando esse padrão dietético perdura por longo período, afetando de modo eficaz o ecossistema microbiano intestinal”, finaliza.
Redação DomTotal///