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Holofotes, autógrafos e a autofagia processual

"Comprovou-se que deste pacote processual não se sabia quem era o policial, o membro do Ministério Público ou o magistrado. Todos agiam como se fossem uma única voz"

 

 

 Em 23 jul, 2019 – 7:5

 

Venho registrando em artigos e palestras – anual e repetidamente – que as populares “forças-tarefas” feriam diversas regras constitucionais, especialmente quando integradas por policiais, membros do Ministério Público e magistrados. Esta conformação – segundo penso – viola todo o espírito constitucional protetivo da pessoa humana, especialmente o devido processo legal, o direito de defesa, o contraditório, a igualdade processual e o princípio da segurança, enquanto direitos fundamentais, expressamente previstos no caput do art. 5º e no caput do art. 6º, da Constituição Federal.

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Exatamente por isso, a CF criou competências específicas para os diversos atores da investigação, indicando um sistema que conjuga autonomia e controle em cada fase apurativa: do inquérito policial, do acatamento da denúncia e do próprio julgamento. O objetivo era impedir que o Estado (polícia, Ministério Público e magistrado), controlasse de forma uniforme todas as fases da apuração criminal, não permitindo a fiscalização dos atos praticados e, com isso, violando o direito de defesa.

As revelações publicadas pelos sites The Intercept Brasil e UOL, pela revista Veja e ainda pelo jornalista Reinaldo Azevedo confirmam o alerta que vários juristas já haviam tornado público. Estas notícias revelam a mistura, em único pacote investigatório-acusatório-julgador, o processo judicial que tramitara na 13ª Vara Federal de Curitiba, tendo como réu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Comprovou-se que deste pacote processual não se sabia quem era o policial, o membro do Ministério Público ou o magistrado. Todos agiam como se fossem uma única e orquestrada voz, impedindo que os freios e os contrapesos constitucionais fossem disparados, comprometendo a necessária imparcialidade do que seria depois julgado. Parecia que todos recitavam  como “grito de guerra” o famoso chavão retirado do livro Os Três Mosqueteiros, escrito pelo francês Alexandre Dumas: – Um por todos e todos por um!

Sabe-se agora – por prova e convicção – que o processo fora conduzido coletivamente, desde o vazamento estratégico de gravações ilegais, passando por divulgações sensacionalistas da imprensa, executando-se conduções coercitivas abusivas, forçando-se prisões para obtenção de liberatórias delações premiadas, promovendo a indução para tornar reais fatos que sequer constavam dos autos, com o magistrado indicando provas a serem colhidas pelos acusadores e até mesmo qual seria a melhor testemunha de acusação para determinada inquirição. O que realmente importava era a estratégia de ter o apoio da opinião publicada para convencer a opinião pública, pouco importando a verdade real ou processual.

Não custa lembrar que se tornara lugar comum a afirmação de que o famoso processo  estava alicerçado na “onisciente convicção que dispensa prova”, fazendo-se da demanda judicial um debate que rendia holofotes, autógrafos, palestras milionárias, livros autobiográficos ou de biografia autorizada. E neste pacote popular, alguns  personagens – como revelam as mensagens vazadas – faziam dos processos “emocionantes” novelas, comunicavam seus sentimentos e decisões nas redes sociais internas, não raro lucrando em concorridas palestras, viagens internacionais, finais de semana remunerados na companhia de familiares, audiências parlamentares ou badaladas entrevistas nas redes televisivas. Tudo sem mencionar a autorização para que fossem produzidos filmes comerciais sobre o próprio processo, quando passariam a ser “heróis históricos” da passarela brasileira, inclusive deixando-se fotografar emocionados, enquanto comiam pipocas substitutivas da necessária imparcialidade processual.

Nestas condições, como não esperar outro resultado além da condenação? Como acreditar que a acusação, repentinamente, perderia o apoio do julgador, ainda mais quando o julgador também comandava a acusação? Como se poderia pensar em julgamento imparcial quando acusador e julgador abandonam os autos para abraçarem, juntos, a escadaria da fama? Como esperar que o processo responsável pela “fama” fosse julgado por eles mesmos como grave erro, que eram falsos os fundamentos dos livros publicados, que deveriam ser rasgados os autógrafos concedidos ou que não mais seriam convidados para palestras, entrevistas e viagens internacionais? Como extrair do acusador e do julgador a sua natureza humana, suas vaidades, paixões políticas ou compreensões ideológicas?

As respostas estão sendo reveladas, pouco a pouco, para a sociedade. Sabe-se, agora, que o magistrado desnudou-se da toga, assumiu o seu uniforme ideológico e serve, ministerialmente, ao presidente que se elegeu em razão da condenação do réu que julgara, afastando-o da disputa eleitoral. Na mesma toada, descobriu-se que dois dos acusadores lucravam e pretendiam criar um empreendimento comercial para ampliar os lucros obtidos em razão da “fama”.  Em 2012 – antes mesmo de iniciado o processo agora vazado em seu ilícito bastidor – eu já advertia em livro (140 Curtidas), que “Ao elevar o holofote à condição de fonte de direito, não percebeu o magistrado que trouxe escuridão ao processo”.

Na mesma edição, registrei que “Quando sentenciar é confundido com autografar nasce o artista aplaudido. E morre o magistrado vocacionado”. Infelizmente para a democracia, as previsões se confirmaram, tornando autofágica a condenação firmada no processo em que os investigadores-acusadores-julgadores, camufladamente, sabiam que estava mortalmente viciado na sua origem.

 

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