03/10/2019
Uma das facetas mais curiosas do fundamentalismo religioso brasileiro são os chamados fundamentalistas hi-tech. Transitam em ambientes pretensamente modernos, têm-se em conta como agentes da modernidade e da civilização, e são uma espécie de Antônio Conselheiro às avessas.
O original foi tocado pela mão de Deus para salvar os pobres e descamisados. Os novos Conselheiros receberam a missão de salvar o Brasil dos pobres e descamisados.
São imbuídos do mesmo espírito redentorista dos velhos bruxos. Ao contrário dos demiurgos, ambicionam prazeres muito mais terrenos. Ou seja, são tocados pela mão de Deus para salvar o país, mas querem sua parte em compensações mundanas imediatas.
De Deltan Dallagnol já se sabia dessa face, meio mística, meio argentária. No caso de Luis Roberto Barroso, o livro “Os Onze”, de Felipe Recondo e Luiz Weber, sobre o STF (Supremo Tribunal Federal) relata como sua supina vaidade foi crescendo até o ponto de, em certo momento, ver a mão de Deus conduzindo seu destino manifesto, de pregador do novo iluminismo.
O toque divino veio através do médium João de Deus. Diagnosticado com câncer, Barroso foi se tratar com João, e Deus mandou o recado: “Você não vai morrer: você tem uma missão a cumprir” (página 209). E Barroso, que se pretendia um seguidor terreno de Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e San Tiago Dantas, foi literalmente para o além. Tornou-se um pregador, não no deserto, mas nos salões. E com belos cachês porque, afinal, não é todo dia que os fiéis podem falar diretamente com um ungido de Deus.
É essa a tragédia brasileira, o supremo paradoxo, dos babalorixás de gravata usarem como discurso o iluminismo e o processo civilizatório.
DCM///