Da Redação
Daniela Lima, do Painel da Folha de S. Paulo, anunciou na terça-feira 3 que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, pretende processar auditores da Receita Federal no Rio de Janeiro.
A Operação Armadeira, da Polícia Federal, prendeu 14 auditores da Receita acusados de extorquir alvos da Lava Jato.
Um dos presos foi o supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato, Marco Aurélio da Silva Canal.
A PF informou que apreendeu em dinheiro R$ 1,1 milhão, US$ 26.940 e 3.990 euros durante as operações de busca e apreensão.
Os auditores extorquiam empresários suspeitos na Lava Jato.
O fato de que houve extorsão abre uma nova avenida de dúvidas sobre as delações, que o próprio Gilmar Mendes explorou em seu agora famoso discurso no STF.
Gilmar citou, por exemplo, o exótico acordo de delação premiada fechado com Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro.
No acordo estava escrito que ele cumpriria pena em casa, poderia sair 8 vezes por ano durante um período de 6 horas contínuas e elaborou uma lista de 27 de familiares e amigos que poderiam visitá-lo.
Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, indicado pelo PMDB, travou o famoso diálogo com o senador Romero Jucá (MDB-RR) em que se tramou o grande acordo nacional, “com o Supremo, com tudo” — que está sendo implementado agora pela dupla Toffoli/Gilmar e o presidente da República Jair Bolsonaro.
O HOMEM QUE REALMENTE PEDALOU
Num caso específico da Operação Armadeira, o auditor Alexandre Ferrari Júnior extorquiu um empresário e com o resultado do crime comprou uma bicicleta de 10 mil dólares.
Este literalmente pedalou com dinheiro de corrupção.
Alexandre aproveitou para viajar: foi a Miami, Nova Iorque, Los Angeles, Londres, Barcelona e Sidney. Numa ocasião, pagou R$ 20.556,92 por uma passagem da companhia aérea Emirates.
Mas os olhos da política agora se voltam para o chefão do bando, Marco Aurélio Canal.
Na conta da mãe dele, Sueli Gentil, o Banco Central encontrou R$ 10,9 milhões.
A família mora em um apartamento da avenida Lúcio Costa, na orla da Barra da Tijuca, lugar chique do Rio de Janeiro.
Faz sete meses, o ministro Gilmar Mendes denunciou oficialmente que era alvo de procedimento ilegal de auditores da Receita no Rio.
Gilmar chegou a citar publicamente Canal.
Ele estaria por trás de uma investigação clandestina contra o ministro e sua família.
À época, Gilmar escreveu ter tomado “conhecimento dos documentos anexos, a partir dos quais deduzi que auditores fiscais não identificados da Secretaria da Receita Federal estariam realizando pretenso ‘trabalho’ voltado a apurar possíveis ‘fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência’ praticados por mim e/ou meus familiares”.
“Meus familiares” eram referência à esposa Guiomar, que é advogada na banca do notório causídico Sérgio Bermudes, que atua no Rio de Janeiro.
Procuradores da Lava Jato suspeitam que Guiomar é um dos canais através dos quais Gilmar fatura seu poder no STF.
A revista porta-voz da extrema-direita, Crusoé, atribui ao casal Gilmar-Guiomar uma fortuna de R$ 20 milhões.
Mensagens da Vaza Jato, reveladas pelo The Intercept e parceiros, mostram que Deltan Dallagnol mirava Gilmar Mendes.
A operação tocada por Dallagnol se sustenta em manter suspeitos na cadeia por longos períodos, em busca de obter delações.
Gilmar define isso como “tortura”.
PAULO PRETO SIM, LULA NÃO
Quando ficou determinado que o operador do PSDB Paulo Vieira da Cunha, o Paulo Preto, mantinha contas na Suiça, a partir das quais emitia cartões, o procurador Roberto Pozzobon deixou registrado em mensagem obtida pelo Intercept: “Vai que tem um [cartão] para o Gilmar…hehehe”.
Gilmar colocou Paulo Preto duas vezes em liberdade depois que o laranja dos tucanos foi preso no Brasil.
Recentemente, o desembargador João Gebran Neto, do TRF-4, amigo pessoal de Sergio Moro, fez um “favor” a Paulo Preto.
Gebran é o mesmo que, no caso de Lula, votou por aumentar a pena dada ao ex-presidente na primeira instância”.
A pena de Moro saltou de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, com isso evitando possível prescrição. Curiosamente, a decisão foi tomada em tempo recorde.
No caso de Paulo Preto, no entanto, Gebran votou para tirar o processo da Vara de Curitiba, alegando que o caso do operador tucano não tem qualquer relação com a corrupção na Petrobrás.
De fato, não tem.
Com isso, Paulo Preto será julgado em São Paulo, onde os tucanos governam há mais de duas décadas e têm muito maior inserção política.
A defesa de Lula fez a mesma alegação nos casos do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia: ambos ficam no estado de São Paulo e deveriam ser julgados aqui.
Porém, foram derrotados.
Ao fim e ao cabo, nas decisões condenatórias de primeira instância, a Promotoria não conseguiu apontar um contrato específico em que a OAS teria recebido benefícios da Petrobrás em troca de prestar favores a Lula.
Ou seja, a defesa de Lula tinha razão.
O desembargador Gebran é candidato a ocupar vaga no Supremo Tribunal Federal e os votos e a influência dos tucanos são essenciais para aprovar qualquer indicado no Senado.
Se Sergio Moro de fato sair candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro em 2022, Gebran pode ser o indicado dele à vaga que será aberta no STF em 2020.
GILMAR VERSUS DALLAGNOL
Em seu discurso no STF, Gilmar praticamente vetou o nome de Sergio Moro para ocupar vaga no STF — a depender dos tucanos dos quais ele é porta-voz.
O ministro alegou que Moro apoia a “tortura” para obter delações premiadas.
Pode ser apenas pressão para Moro deixar o governo e se abrigar no ninho do tucano Doria, como outros integrantes do PSL já fizeram (o ator pornô Alexandre Frota) ou cogitam fazer (a plagiadora Joice Hasselmann).
Doria é candidato ao Planalto do PSDB em 2022.
Gilmar agora mira a cabeça de Rodrigo Janot e Deltan Dallagnol, desafetos pessoais que tentaram destruí-lo.
Para pegar Dallagnol pode usar o auditor recentemente preso pela Polícia Federal no Rio, Marco Aurélio Canal.
Quando denunciou Canal oficialmente, há alguns meses, o presidente do STF e peixe de Gilmar, Dias Toffoli, pediu providências ao ministro Paulo Guedes, ao então chefe da Receita Federal, Marcos Cintra e à então Procuradora Geral Raquel Dodge.
Uma investigação da PGR, agora sob comando de Augusto Aras, pode pescar Canal e oferecê-lo como bode expiatório a Gilmar Mendes.
Gilmar obviamente tem foro privilegiado e uma investigação seria conduzida pelo próprio PGR, em Brasília, bem longe de Dallagnol.
Gilmar, lembrem-se, já fez um baita favor a Jair Bolsonaro: trancou todas as ações contra Flávio Bolsonaro no Rio de Janeiro, confirmando decisão de seu peixe Dias Toffoli, que poupou o filho 01 do presidente da República.
E se Canal abrir a boca numa delação premiada?
E se contar que realmente investigou Gilmar Mendes ou a esposa dele, Guiomar, por fora dos canais legais?
E se disser que fez isso a mando ou entendendo que era de interesse de Deltan Dallagnol?
Dallagnol beberá, então, do próprio veneno de uma delação premiada.
Mas, Gilmar dispõe de outra arma.
Dias Toffoli abriu um inquérito para apurar ameaças contra o próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
O inquérito é obviamente ilegal.
“A meu ver o Supremo não deveria fazer a própria investigação. Deveria na verdade requisitar que os órgãos encarregados de investigação, como a Polícia Federal e a própria Procuradoria-Geral da República, pudessem fazer”, apontou o professor de Direito Constitucional Roberto Dias, da FGV.
O problema é que no mais alto escalão da República, hoje, é cada um por si. Ninguém confia em ninguém. As instituições estão em luta de vida ou morte pelos nacos de um orçamento que encolhe.
Sentindo-se cercado, o STF jogou a Constituição às favas. Até busca e apreensão ilegal no ex-PGR Rodrigo Janot mandou fazer, diante da revelação possivelmente fake de que ele pretendia matar Gilmar Mendes e depois cometer suicídio.
Quanto a Dallagnol, está em posição vulnerável.
Há muitos outros vazamentos do Intercept a caminho.
Ele pode se tornar uma pedra no caminho da própria Lava Jato, que trabalho no princípio da bicicleta: precisa de operações contínuas, infindáveis, para alimentar a mídia e, assim, seu declinante mais ainda substancial apoio público.
Se a bicicleta parar, cai.
Se a coisa apertar para Dallagnol, ele sempre pode recorrer às palestras.
Afinal, o próprio auditor Marco Aurélio da Silva Canal, responsável por inviabilizar o Instituto Lula com multa de R$ 18 milhões, fez isso.
(Um dos ‘desvios’ que os auditores de Canal encontraram no Instituto Lula foi o uso de 936 reais para pagar a viagem de um segurança que acompanhou a viagem de Lula ao velório do ex-vice-presidente José Alencar)
Em dezembro de 2016, o homem hoje preso sob suspeita de extorquir R$ 4 milhões de empresários foi o último a palestrar no Dia Internacional do Combate à Corrupção.
04/10/2019
VIOMUNDO///