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Eduardo se desculpa por AI-5, mas para juristas ele pode ser cassado

Apesar do deputado alegar imunidade parlamentar, a declaração fere a dignidade e o decoro da Câmara dos Deputados

 

Partidos de oposição entrarão com um pedido de cassação, na Comissão de Ética da Câmara, do mandato de Eduardo Bolsonaro (Adriano Machado/Reuters)

 

O líder do PSL na Câmara, deputado Eduardo Bolsonaro (SP), pediu desculpas e disse que não há "qualquer possibilidade de retorno do AI-5", em um vídeo veiculado em sua rede social horas depois de ter ido ao ar uma entrevista dele na qual aventou a possibilidade de o governo do seu pai, Jair Bolsonaro, lançar mão desse instrumento da ditadura militar, caso a esquerda radicalize em sua atuação no país, fala essa que gerou forte reação pública ao longo dessa quinta-feira (31). Entretanto, para juristas, a declaração fere a Constituição e pode justificar uma abertura de processo de cassação do mandato na Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Partidos da oposição afirmaram que farão esse pedido nos próximos dias.

"Primeiro de tudo, não existe qualquer possibilidade de retorno do AI-5 e a minha posição é bem confortável. Eu não fico nenhum pouco constrangido de pedir desculpa a qualquer tipo de pessoa que tenha se sentido ofendida ou imaginado o retorno do AI-5. Esse não é o ponto que nós vivemos hoje, no contexto atual do Brasil", disse ele, em vídeo no seu Facebook.

"A gente vive um regime democrático, nós seguimos a Constituição. Inclusive esse é o cenário que me fez ser o deputado mais votado da história. Então não tem por que de eu descambar para o autoritarismo, eu tenho a meu favor a democracia", acrescentou.

"Agora é óbvio que a oposição vai tentar pegar esteira na minha fala para tentar me pintar como ditador. Pode ter sido até uma resposta infeliz, se pudesse refazê-la faria sem citar o AI-5 para não dar essa polêmica toda", completou ele, ao ressalvar que parlamentares têm garantido pela Constituição direito a imunidade de opiniões, palavras e votos.

Em entrevista veiculada na manhã dessa quinta-feira no canal de Youtube da jornalista Leda Nagle, Eduardo Bolsonaro disse que vai chegar um momento em que a situação do Brasil vai ser igual a do final dos anos 1960, quando ocorreram sequestros de aeronaves e execuções de grandes autoridades, como embaixadores, policiais e militares.

"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. Uma resposta ela pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através do plebiscito, como ocorreu na Itália, alguma resposta vai ter que ser dada porque é uma guerra assimétrica, não é uma guerra onde você está vendo o seu oponente do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno de difícil identificação aqui dentro do país, espero que não chegue a esse ponto, né, mas a gente tem que estar atento."

O AI-5, o mais duro dos atos institucionais editados pela ditadura em 1968, resultou no fechamento do Congresso Nacional, cassou mandatos parlamentares e suspendeu garantias constitucionais, criando condições para que a repressão estatal aumentasse contra os cidadãos que discordavam do regime "inclusive com assassinatos ainda sem solução" naquele período.

A fala de Eduardo gerou muitas manifestações de repúdio de entidades da sociedade civil, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, de lideranças partidárias de todo o espectro político, inclusive do seu próprio partido, o PSL, e também no Supremo Tribunal Federal.

Em declarações públicas, o próprio presidente Jair Bolsonaro lamentou a fala do filho e chegou a dizer em uma delas que "está sonhando" quem tenha falado sobre AI-5.

Processo de cassação

Juristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam que a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que a resposta a uma radicalização da esquerda pode ser via um "novo AI-5", fé inconstitucional.

Os especialistas, no entanto, afastam a possibilidade de uma responsabilização criminal do deputado por causa da declaração. "Recebo essa manifestação com dupla preocupação. De um lado, com o grau de desconhecimento jurídico que ela revela, na medida em que um ato institucional é uma quebra da ordem democrática. Em segundo lugar, me preocupa o fato de que essa é uma declaração de um deputado eleito que tem dentre os seus deveres preservar a ordem constitucional e não promover uma proposta de quebra desta mesma ordem", afirmou o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques.

Para Azevedo, uma vez que a declaração seja confirmada como uma afronta à ordem constitucional, Eduardo pode ser alvo de um processo de cassação de seu mandato.

O diretor da Faculdade de Direito da UnB, Mamede Said Maia Filho, também ressalta que a fala contraria a Constituição. "Do ponto de vista político, ela (a declaração de Eduardo) contraria a Constituição, o sistema democrático e compromete a própria natureza do Estado brasileiro. O texto constitucional fala que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. É algo que afronta as instituições", disse.

Já Belisário dos Santos Jr., advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo, afirma que considera difícil que o deputado seja responsabilizado criminalmente pela fala. "A responsabilização pessoal dele eu acho de certa forma difícil do ponto de vista criminal, porque ele está falando em hipótese", disse. No entanto, considera que a declaração fere "profundamente" a dignidade e o decoro da Câmara. "O deputado jurou à Constituição. Sob esse ponto de vista ético, acho que ele pode ser responsabilizado", afirmou.

A Constituição garante aos parlamentares imunidade parlamentar. Segundo o texto constitucional, os congressistas são "invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões palavras e votos". No entanto, isso não impede que um deputado seja responsabilizado por alguma declaração. Em junho de 2016, por exemplo, a Primeira Turma do STF aceitou denúncia contra o então deputado federal Jair Bolsonaro por dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não "merecia ser estuprada" por ser "muito feia" e porque ela "não faz seu tipo".

Partidos de oposição anunciaram, na tarde de quinta-feira que vão entrar com um pedido na Comissão de Ética da Câmara de cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro. Além disso, o grupo formado por PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB vai protocolar uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando quebra de decoro parlamentar.

Reuters/dom total///