Já condenados e cumprindo pena por homicídio, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini respondem por fatos anteriores à morte do menino, ocorrida em 2014.
Imagem- Graciele e Leandro durante julgamento, em março deste ano Adriana Irion / Agencia RBS
Mesmo já condenados e cumprindo pena por homicídio, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini seguem respondendo à Justiça por outros crimes envolvendo Bernardo Uglione Boldrini, em Três Passos. A criança foi morta em abril de 2014, aos 11 anos. Os dois estão sendo processados com base em previsões da Lei de Tortura, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Penal. Nesta quinta-feira (12), ocorre uma audiência para depoimento de testemunhas. O pai e a madrasta respondem por terem feito Bernardo passar por intenso sofrimento mental (tortura, crime hediondo), por abandono material — que é a negligência nos cuidados a ele, como a falta de alimentação —, e por submetê-lo a vexame e a constrangimento, que é uma previsão do ECA.
A ação foi de iniciativa do Ministério Público, que avaliou que mesmo já havendo um processo pelo homicídio à época (2016), esses outros crimes não poderiam ficar sem punição, por se tratarem de "fatos anteriores e que não possuem relação com a execução do homicídio". As suspeitas foram apuradas pelo MP em procedimento administrativo, e a denúncia foi feita em setembro de 2016, quando Boldrini e Graciele se tornaram réus. O processo sobre as circunstâncias da morte de Bernardo foi julgado em março, também em Três Passos. Foram condenados Boldrini, Graciele, uma amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz, e o irmão dela, Evandro Wirganovicz. Entre as testemunhas de acusação arroladas está o casal Juçara e Carlos Petry, que costumava dar abrigo a Bernardo. Conforme a Justiça de Três Passos, os réus foram dispensados de comparecer às audiências de inquirição de testemunhas, e deverão ser interrogados por meio do sistema de videoconferência.
A acusação foi baseada em três fatos. O primeiro trata da negligência em relação a Bernardo depois de a mãe dele ter morrido e de Boldrini ter assumido relação amorosa com Graciele. Segundo o MP, o casal tinha ausência de afeto e encarava a guarda do menino como um fardo. Mesmo tendo condições financeiras, os dois deixavam Bernardo sem alimentação em casa e sem lanche da escola, sem roupas adequadas ao seu tamanho e à estação do ano. Durante a apuração da morte, surgiram depoimentos sobre as más condições do menino, que passaria fome e frio, dependendo de ser acolhido na casa de amigos. A promotoria também destacou o fato de os dois — um médico e uma enfermeira — não zelarem pela saúde de Bernardo, deixando de levá-lo a consultas médicas e permitindo que ele se automedicasse. Por que estamos acompanhando este assunto? – A morte de Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, repercutiu no país, tornando público os maus-tratos e a negligência que o menino, órfão de mãe, sofria dentro da própria casa, em Três Passos. – GaúchaZH acompanha o caso desde abril de 2014, dando destaque a cada desdobramento que surgiu após o sumiço, do encontro do corpo e da prisão dos suspeitos do crime, entre eles, o pai e a madrasta de Bernardo. –
Foi GaúchaZH que revelou, em primeira mão, alguns dos detalhes mais triste da história, como a confissão da amiga da madrasta – que levou ao encontro do corpo enterrado – e a divulgação de vídeos e áudios em que Bernardo aparecia pedindo socorro e sendo provocado pelo pai. Para exemplificar o segundo fato da denúncia, que trata de vexame e constrangimento, o MP citou as vezes em que Bernardo era impedido de entrar em casa por não ter as chaves ou porque a madrasta se negava a abrir o portão. Essas situações obrigavam o menino a perambular pela cidade. A acusação refere que o casal deixava o menino por dias na casa de amigos, sem demonstrar qualquer interesse em seu retorno para casa, além de não dar atenção à vida escolar dele e a eventos, como festas no colégio e até a primeira comunhão. Como terceiro fato da denúncia, o MP discorreu sobre ameaças e castigos que Bernardo sofria em casa.
No julgamento ocorrido em março, os promotores chegaram a apresentar gravações dessas situações, feitas por Boldrini. Em uma delas, Bernardo grita 31 vezes por socorro. Na acusação, o promotor diz que os réus expuseram a vítima a intenso sofrimento mental com intuito de lhe aterrorizar e que isso deixou Bernardo sem referências de uma vida saudável. Também foi registrado que o menino era impedido de ter contato com a irmã mais nova — filha de Boldrini com Graciele — e que constantemente ouvia ofensas contra a mãe falecida. Por fim, a acusação destacou que Bernardo sofria ameaças até de morte, como na gravação em que Graciele diz: "Prefiro apodrecer na cadeia do que ficar contigo na mesma casa incomodando", "vamos ver quem vai para baixo da terra primeiro".
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