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CNN Brasil: pouco jornalismo, muita autoestima

A julgar pela estreia, fica a impressão que o canal se acha mais interessante ou importante que a notícia.

 

Time de âncoras da CNN Brasil (Divulgação/ CNN Brasil)

 

Alexis Parrot*

 

A estreia da CNN Brasil no último domingo esteve mais para informe publicitário do que qualquer outra coisa. Além de uma extensa (mas apenas correta) matéria à la Fantástico, em que uma correspondente percorreu o norte da Itália no rastro da epidemia do coronavírus, viu-se muito pouco de jornalismo no ar. A promessa é de 17 horas diárias de programação ao vivo, apesar de metade do que foi transmitido no début tenha sido material previamente gravado. (William Waack, macaco velho, já prevendo que vai rolar muita reprise, começa suas entrevistas dizendo: "bom dia, boa tarde, boa noite, como seja."- para que possam ir ao ar em qualquer período do dia, sem maiores constrangimentos.) Dos vários depoimentos das estrelas do canal, destaco um vídeo da âncora principal, Monalisa Perrone, dançando e jogando os compridos braços para cima.

Mesmo entendendo que todos ali estão empolgados com a nova casa (e salários mais polpudos, acredita-se), o excesso de animação está mais em sintonia com aqueles vídeos de final de ano do SBT do que com a imagem de credibilidade e seriedade que a CNN tem ao redor do planeta. Com muito orgulho e emoção, os apresentadores da sucursal brasileira da rainha da TV a cabo norte-americana foram entronizados e festejados, enquanto também louvavam a CNN – para apenas poder se autofestejar. Um enorme outdoor com a logomarca da rede, pendurado do lado de fora do prédio do escritório de Brasília, foi anunciado com animação de final de campeonato, como se de fato fosse uma notícia ("é o maior do mundo!", repetia o âncora Reinaldo Gottino, com os olhos brilhando).

Fugindo do lead (as cinco perguntas que guiam a reportagem: quem, quando, como, onde e por quê?), tentaram nos impressionar ao dizer que seguem um esquema batizado de tríade. Ao fechar as pautas das atrações, qualquer assunto deve ser assim questionado: precisamos publicar? Devemos publicar? Podemos publicar? Como se essas perguntas já não fossem feitas diariamente em qualquer redação, desde os tempos de Gutenberg. Anunciaram uma revolução que não passa de reinvenção da roda; conversa mole para boi dormir. Se estivessem no Big Brother, certamente seriam punidos e perderiam várias estalecas por conta do golpe. Curiosamente, duas horas antes do início da transmissão, houve tiroteio na Avenida Paulista. Durante a dispersão da nefasta manifestação de apoio ao governo federal (perpetrada a despeito de todas as recomendações contrárias do Ministério da Saúde, da OMS e do bom senso), um troglodita armado entrou em atrito com um casal de camelôs. Ao arrancarem uma bandeira da mão do bolsonarista inflamado, ele não teve dúvidas: sacou a arma e atirou. Uma estudante de 19 anos que passava pelo local foi atingida na perna. A confusão, mesmo tendo acontecido a apenas quatro quarteirões da sede da CNN, não mereceu comentário ou citação na estreia ao vivo.

De que adianta contratar equipes e montar estruturas no Rio e no Distrito Federal se nem o que acontece debaixo do nariz da sede paulistana entra no radar da emissora? Talvez tenham preferido não manchar a noite de gala com uma… notícia. As entrevistas com medalhões da república entremeadas com um vídeo interminável de cobertura da festa de lançamento ocorrida dias antes parecem ter subido à cabeça da equipe. De tão encantados que pareciam estar consigo mesmos, o verdadeiro sentido de estarem ali foi colocado em segundo plano. A julgar pela estreia, fica a impressão que o canal se acha mais interessante ou importante que a notícia. Nesse caso, quem perde é o jornalismo – e o público, consequentemente. Lança-se a pergunta: será que a CNN Brasil não começou sua história com o pé direito porque tem dois pés esquerdos? O tempo dirá.

 

 

*Alexis Parrot é crítico de televisão, roteirista e jornalista. Escreve às terças-feiras para o DOM TOTAL.