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House of cards brasileiro: os detalhes da queda de braço entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro

Disputa entre dois protagonistas da política brasileira ganhou toques de requinte dignos de uma tragédia de William Shakespeare.

 

Moro aceitou o cargo de ministro do governo Bolsonaro com o discurso anticorrupção e carta-branca para atuar (Marcos Corrêa/PR)

 

Pablo Pires Fernandes

 

 

Todos que acompanham a trama palaciana sabem que a relação entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro vem se desgastando um pouco a cada semana desde o início do mandato. Desde janeiro, quando o presidente tentou tirar o comando da Segurança Pública do ministro, área responsável pelo controle da PF, o clima se deteriorou. Naquela ocasião, o ministro deixou claro que não continuaria no cargo. Aconselhado pelos generais do Palácio do Planalto, o presidente recuou. Nessa quinta-feira (23), porém, a disputa entre dois protagonistas da política brasileira ganhou toques de requinte dignos de uma tragédia de William Shakespeare ou do seriado House of cards.

A conspiração – sim, o termo se aplica – teve início na quarta-feira (22), quando foram convidados ao Planalto dois nomes de peso do MDB: o deputado Baleia Rossi, líder do partido na Câmara, e o senador Eduardo Braga. O cortejo seguiu com outro convite, pouco usual, para o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) participar de uma coletiva ministerial no Palácio do Planalto, sua segunda visita a Bolsonaro nesta semana. Em encontro de governadores com o ministro Paulo Guedes (Economia), em fevereiro, o governador emedebista foi duro e chamou Bolsonaro de “irresponsável”.

Mas agora o capítulo é outro e o chefe do Executivo busca se aproximar do chamado Centrão, grupo de vários partidos tradicionalmente fisiologistas e que melhor representam a “velha política” no país. Bolsonaro não poupou elogios ao governador, que tenta flexibilizar as restrições impostas pela pandemia no DF. “Sugeri que ele participasse da coletiva, ele se saiu muito bem. Tô apaixonado por ele”, brincou Bolsonaro. Sim, a novela dá voltas, mas vai chegar até Sergio Moro e Bolsonaro. Porém, é necessário entender que o presidente trava uma veemente disputa com o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM), que, por sua vez, busca a reeleição, fato que o “capitão” quer, a todo custo, impedir.

Daí seu “namoro” com o Centrão e suas reuniões com integrantes do PP, PL, Republicanos e PSD, suas promessas de cargos e aprovação de projetos aos partidos. Afinal, o presidente acredita – é paranoico, como o enciumado Othelo – que Maia atua para derrubá-lo. A conspiração desagradou o “superministro” da Justiça Sergio Moro, pois os convidados carregam suspeitas demais. A proximidade com políticos condenados como Roberto Jefferson (PTB) e Valdemar Costa Neto (PL) não pega bem para alguém que se apresenta como intocável – praticamente um Elliot Ness na pele de Kevin Costner. Além do mais, no encontro, Bolsonaro e Ibaneis Rocha acertaram a substituição do comando da Polícia Federal. Concordaram que o diretor-geral Maurício Valeixo deveria ser substituído pelo atual secretário de Segurança Pública do DF, o delegado Anderson Gustavo Torres. Torres é (ou seria) o nome ideal. Amigo do presidente e de dois de seus filhos – Eduardo e Flávio –, além transitar pelo gabinete do secretário-geral da Presidência Jorge Oliveira.

Assim, Bolsonaro se desvencilharia de Valeixo, com quem nunca simpatizou e tem reunido provas demais a respeito do esquema de fake news operado pelo “gabinete do ódio”, que, suspeita-se, é comandado pelos filhos do presidente. O jogo de intrigas e interesses ganha ainda maior dramaticidade pois a decisão de decapitar Valeixo ocorreu menos de 48 horas depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes acatar o pedido de investigação da Procuradoria Geral da República (PGR). A investigação será sobre os responsáveis em promover manifestações que atentam contra a democracia, ocorridas no domingo (19), com a participação do chefe de Estado. Moraes, aliás, é também o relator no STF sobre a CPMI das fake news. Portanto, para o Planalto, o diretor-geral da PF tinha que sair. Acontece que Valeixo é homem de confiança de Moro. Bolsonaro ameaçou mudar o comando da PF no ano passado, no auge das investigações sobre seu filho Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz. O chefe da PF foi mantido no cargo por insistência de Moro. Diante da série de mudanças deflagradas no governo em razão da pandemia, o presidente voltou a desafiar o poder de Moro, rei em terra de cegos cujo brilho turva a vista do mandatário.

O ministro vem sendo cobrado pelo silêncio retumbante em relação aos atos do presidente, como as seguidas manifestações contra a necessidade de isolamento social e a ida, com direito a discurso, a um ato pelo fechamento do Congresso no último fim de semana. Paladino da Operação Lava jato, Moro aceitou o cargo de ministro do governo Bolsonaro com o discurso anticorrupção e carta-branca do presidente para atuar. Sua aprovação sempre se manteve alta, geralmente superior à do chefe do Executivo. O desgaste, porém, se acentuou. Moro defendia o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido na semana passada por divergir do presidente. Também lhe incomoda as atitudes intempestivas e antidemocráticas do chefe contra o Poder Judiciário e o Congresso. E nessa quinta-feira, não foi diferente. Já descontente de não ter sido ouvido sobre a decisão, Moro bateu o pé, ameaçou deixar o governo se Valeixo fosse demitido.

A tarde foi de panos quentes e negociações, idas e vindas e muitos telefonemas. Os ministros-generais Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) foram escalados para convencer o ministro a recuar da decisão. Parlamentares bolsonaristas insistiram para Moro permanecer no cargo. O ex-juiz colocou na balança certas condições e o presidente, outras. Mas não deu certo. Bolsonaro publicou a exoneração de Valeixo, sem a assinatura do ministro, o que pode configurar crime de responsabilidade. em seu discurso de demissão, Moro saiu atirando e criticou a interferência política na PF. Bolsonaro se calou e os próximos capítulos ainda estão por ser escritos.

 

Dom Total///