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O que sabemos sobre ditadura

De esquerda ou de direita, a principal característica dos regimes ditatoriais é a supressão das liberdades.

 

Ditadura é isso aí. Certamente não sabe dessas coisas quem anda clamando por ela em manifestações suicidas (Sergio Lima/AFP)

 

Afonso Barroso*

 

 

Diante da perspectiva sombria da implantação de uma terceira ditadura no Brasil, é bom que se saiba direitinho o que é um regime ditatorial. Como forma de contribuir para amenizar a vocação totalitária de certos indivíduos meio sem noção, atrevo-me a prestar um serviço de utilidade pública e privada com informações sobre o que é um regime totalitário, como o que se desenha no horizonte da pátria armada. Em primeiro lugar, lembre-se de que um regime ditatorial tem como base o trancamento das instituições democráticas. Não haverá mais os Poderes Judiciário e Legislativo, pelo menos não como existem hoje, porque não poderão julgar nem legislar. Não haverá partidos de oposição, até porque opositores serão cassados ou exilados. O Congresso, se houver, será um imenso Centrão. Ficará tudo na mão do ditador, que decretará a supressão das liberdades e dos direitos. Você não poderá ir e vir sem o perigo iminente de ser preso por um agente da lei em vigor. Explique-se que a lei em vigor será a do mais forte. Você, naturalmente, é o mais fraco. Se o pegarem, não resista. Saiba que à prisão, mesmo sem causa, segue-se um interrogatório e, na sequência, uma provável sessão de tortura que não será nada agradável. Prepare-se. Previna-se. Antes de saber se você é ou não inocente, você será submetido a diversas modalidades de tortura. A mais amena é o cigarro aceso. Não, não é pra você fumar. O cigarro é para ser espetado com a ponta em brasa no seu rosto ou nas suas partes íntimas, que a essa altura já perderam a intimidade, porque você estará nu em pelo. Assim que você foi adentrado no recinto, tiraram-lhe as roupas, pois havia a suspeita de que você pudesse estar levando, escondido, algum artefato pequenino e perigoso, como um gravador ou uma câmera secreta. Há outro tipo de tortura um pouco mais dolorosa, que é a extração das suas unhas. Isso é feito com o uso de alicate e, naturalmente, sem anestesia. Arrancam-lhe primeiro a unha do dedo indicador da mão direita. Você grita, mas quanto mais grita, mais o agente torturador se satisfaz e, sadicamente, passa ao dedo médio. Logo, logo você estará com todos os dedos desunhados, para delírio de um brilhante coronel que a tudo assiste, confortavelmente sentado em uma poltrona e com os coturnos em cima da mesa. Se a essa altura você não tiver confessado os crimes que não cometeu, estará sujeito a outras modalidades de tortura, como os choques elétricos e o uso de palmatórias. Mas tem ainda o pau de arara, que consiste em uma espécie de cadafalso (estrutura, tipicamente de madeira, usada para a execução em público) invertido. Você será pendurado pelos pés e terá que responder às perguntas de cabeça para baixo. Sempre nu, claro. Há ainda, segundo relatos de pessoas que escaparam vivas ao interrogatório, um tipo de instrumento de tortura chamado coroa de Cristo: colocam na cabeça do interrogando uma fita de aço adornada com taxas ou pregos finos, equipada com uma tarraxa que vai sendo apertada até o ponto em que você não mais aguentar. Você rezará aos gritos, mas não verá a entrada de nenhuma Maria Madalena nessa sala dos horrores, assim como de nenhum Simão Cirineu. Há muita coisa mais a dizer sobre regimes ditatoriais como o que o Brasil viveu a partir do ano de 1964, durante 20 longos anos. Foi suprimida a liberdade de expressão, com censura à imprensa, à literatura, ao cinema, à música, ao teatro e às artes em geral. Tudo que se tentasse publicar devia passar pelo crivo dos censores, em geral pessoas de formação intelectual medíocre ou nula, capazes de sequestrar livros que contivessem palavras proibidas. Conta-se que um censor apreendeu o romance Memórias póstumas de Brás Cubas. "Tem Cubas, não pode", ele declarou vitorioso e levou o livro para o crematório, sob protesto tumular e estarrecido do autor, um tal Machado de Assis. Ditadura é isso aí. Certamente não sabe dessas coisas quem anda clamando por ela em manifestações suicidas. *Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor Dom Total///