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Crise provocada pela pandemia acende debate sobre taxação de grandes fortunas

Corrente que cresce no Congresso é de que a reforma tributária tem de ser mais ampla do que apenas a simplificação de impostos.

 

Constituição de 1988 previu a instituição de um imposto sobre grandes fortunas no Brasil. Até hoje, no entanto, a medida depende da aprovação de um projeto de lei complementar (Pedro França/Agência Senado)

 

 

A crise gerada pela Covid-19 acendeu o debate no Brasil sobre a necessidade de aumentar os impostos do "andar de cima" junto com a proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso. A divulgação na semana passada de uma lista de 42 brasileiros que aumentaram sua fortuna em US$ 34 bilhões, mesmo durante a pandemia, fez crescer a pressão para que a reforma tire do papel o imposto sobre grandes fortunas e eleve o Imposto de Renda dos super-ricos para diminuir a desigualdade social no País. A corrente que cresce no Congresso é de que a reforma tributária tem de ser mais ampla do que apenas a simplificação de impostos para ajudar a reconstruir o País na fase pós-pandemia. Proposta encabeçada pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), junto com acadêmicos e um grupo de entidades ligadas aos Fiscos, aponta um potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões por ano somente com o imposto sobre grandes fortunas.

O imposto passaria ser a cobrado das pessoas com patrimônio a partir de R$ 10 milhões com alíquotas progressivas: de 0,5% (R$ 10 milhões a R$ 40 milhões); 1% (R$ 40 milhões a R$ 80 milhões a R$ 40 milhões) e 1,5% (acima de R$ 80 milhões). "Somos um dos campeões mundiais de desigualdade e concentração de renda. Precisamos utilizar também esse imposto", defende Charles Alcântara, presidente da Fenafisco. A Constituição de 1988 previu a instituição de um imposto sobre grandes fortunas no Brasil. Até hoje, no entanto, a medida depende da aprovação de um projeto de lei complementar que determine como será feita essa taxação. O imposto sobre grandes fortunas é o único dos sete tributos previstos na Constituição que ainda não foi implementado.

Outras propostas

Entre os projetos que tramitam no Congresso Nacional para regulamentar o imposto sobre grandes fortunas está o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Apresentada em 1989 – quando ainda era senador -, a proposta chegou a ser aprovada no Senado no mesmo ano, mas ficou travada na Câmara. Para Dão Real, especialista do Instituto Justiça Fiscal, a aplicação do imposto sobre grandes fortunas em vários países no passado, mesmo que desativado depois da crise financeira de 2008 cumpriu a sua finalidade de reduzir desigualdade social em outras nações.

Dão lembra que, com a pandemia, países europeus retomaram o debate para a volta desse tributo. Os defensores de uma reforma mais ampla viram com os bons olhos a declaração do relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), de que vai trabalhar para a "justiça tributária". A expectativa é de que relator possa avançar em mudanças nas alíquotas do IR da pessoa física e a volta da tributação de lucros e dividendos, proposta que está sendo elaborada também pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um das ideias em estudo é criar uma alíquota de 35% para os contribuintes com renda mais alta – integrantes da equipe econômica falam em remunerações que superem a marca de R$ 40 mil por mês. A Fenafisco defende uma alíquota ainda maior, de 45%.

Tributação de ‘super-ricos’

Milionários brasileiros passam ao largo do debate internacional sobre a cobrança de mais impostos do grupo dos mais ricos entre a população em meio à pandemia de coronavírus. O tema ganhou mais espaço em outros países depois que a organização Milionários pela Humanidade divulgou carta pública, assinada por 83 donos de grandes fortunas com o pedido: "me tributem". A maioria dos signatários é dos Estados Unidos, mas há milionários alemães, britânicos, canadenses e holandeses. Para o sociólogo brasileiro e professor visitante da Universidade de Princeton, Marcelo Medeiros, o Brasil tributa pouco o patrimônio. "O Brasil tem IPTU (imóvel), ITR (propriedade rural) e IPVA (automóvel), que tributam pouco. Esses tributos precisam ser reformados." Na sua avaliação, mais importante do que aumentar as alíquotas do Imposto de Renda (IR) para os mais ricos, é mudar também a base tributária e começar a tributar lucros e dividendos (a parcela do lucro distribuída aos acionistas de uma companhia). O especialista recomenda como solução urgente a compensação tributária, modelo usado no mundo inteiro. Ou seja, o contribuinte paga na pessoa física o que não foi pago pela empresa.

"O Brasil precisa fazer isso, o que elimina o discurso meio errado de que tem de reduzir antes a carga da pessoa jurídica para aumentar das pessoas físicas. Não precisa", avalia. A vantagem, diz ele, é que a compensação pode ser feita com mais calma, eliminando as distorções do sistema brasileiro. Estudo técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do pesquisador Sérgio Gobetti, aponta que a maioria dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – grupo do qual o Brasil quer fazer parte – reduziu, nos últimos dez anos a tributação do lucro nas empresas e aumentou a tributação dos dividendos distribuídos a acionistas. O estudo destaca que a tributação sobre lucros e dividendos foi extinta em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). À época, o governo alegou que se tratava de bitributação, pois as empresas já haviam pago imposto sobre os mesmos resultados. Envolvida no debate da desigualdade no viés das contas públicas, a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, explica que a tributação no Brasil é regressiva – penalizando os mais pobres – por três fatores: enquanto o consumo é muito tributado, patrimônio e renda são têm alíquotas baixas.

Entre as controvérsias estão os impostos sobre heranças, grandes fortunas, helicópteros, jatinhos, iates e distribuição de dividendos a acionistas de empresas de capital aberto. Uma das lideranças do Congresso que tem falado abertamente sobre o enfrentamento da desigualdade, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), avalia que o tema deve estar incluído na reforma tributária. Para ela, o modelo atual penaliza os mais pobres. "A questão talvez não seja aumentar ou ajustar o modelo, mas democratizar." Presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira ressalta que a mudança do sistema tributário se tornou mais urgente com a covid-19. A Rede vai encaminhar proposta para que uma parte da arrecadação do IVA (imposto de valor agregado, modelo das três propostas que tramitam no Congresso) para programas sociais. "É possível separar 1%, 2% do IVA para um fundo de cidadania de combate à pobreza para uma renda mínima", sugere. O coordenador do Observatório Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Manoel Pires, diz que a tendência mundial era de abandono do imposto sobre grandes fortunas, mas o "clima mudou". "É uma ótima iniciativa, do ponto de vista de crescimento".

Congresso tem concentração de ‘milionários’

No Congresso, quase metade dos deputados declarou nas eleições de 2018 ter patrimônio superior a R$ 1 milhão, enquanto no Senado esse patamar chega a quase 66%. Isso quer dizer que muitos parlamentares podem ter de votar para ampliar os próprios tributos. O deputado Hercílio Coelho Diniz (MDB-MG), com patrimônio de R$ 38 milhões, segundo declaração à Justiça Eleitoral, é a favor de taxar os "super ricos". "Temos de mudar nossa base tributária, migrar do consumo para patrimônio e renda", afirmou o dono de uma rede de supermercados na região do Vale do Aço, em Minas Gerais. Já seu colega, o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) – R$ 28 milhões em bens – tem opinião contrária. Para ele, que atua no ramo de pisos e revestimentos industriais, a taxação sobre grandes fortunas não é eficiente. "Se mostrou absolutamente inócuo no mundo todo", disse. "A simples redistribuição de riqueza não resolve a causa da pobreza", afirmou. Com patrimônio de R$ 238 milhões, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), empresário que fundou o Grupo Positivo, disse estar aberto ao debate. "Não tenho restrição a nenhum imposto isoladamente. Penso que só devemos criar ou modificar alíquotas de impostos já existentes dentro de uma ampla reforma tributária." Agência Estado/Dom Total///