Variação do coronavírus pode estar relacionada com o aumento vertiginoso de novos casos no continente europeu.
Vários países já suspenderam voos pra o Reino Unido. A nova cepa teria aparecido em meados de setembro em Londres ou em Kent (sudeste)
(Oli Scarff/AFP)
A aparição no Reino Unido de uma nova cepa do coronavírus, muito mais infecciosa que as outras, preocupa os epidemiologistas e levou vários países a suspender seus voos procedentes do território britânico nesse domingo (20). O conselheiro científico do governo britânico, Patrick Vallance, afirmou no sábado (19) que essa nova variante do SARS-CoV-2, além de se propagar rapidamente, está se transformando na forma "dominante", o que gerou "um aumento muito forte" das hospitalizações em dezembro. A nova cepa teria aparecido em meados de setembro em Londres ou em Kent (sudeste), segundo ele. "O grupo consultivo sobre ameaças novas e emergentes de vírus respiratórios (NERVTAG) considera que esta nova cepa pode se propagar mais rapidamente", declarou o médico-chefe da Inglaterra, Chris Whitty, em um comunicado. Essa ideia se baseia na constatação de "um aumento muito forte de casos de contágio e de hospitalizações em Londres e no sudeste, em comparação com o resto da Inglaterra nos últimos dias", explica o professor de medicina Paul Hunter, da Universidade de East-Anglia, citado no site do Science Media Centre. "Este aumento parece ser causado pela nova cepa", acrescentou, em alusão às informações fornecidas pelas autoridades de saúde. No entanto, "nada indica, até o momento, que esta nova cepa cause uma taxa de mortalidade mais alta ou que afete as vacinas e os tratamentos, mas há trabalhos sendo realizados com urgência para confirmar isso", continuou Chris Whitty. Epidemiologistas preocupados A informação "sobre esta nova cepa é muito preocupante", afirmou o professor Peter Openshaw, imunologista do Imperial College de Londres, citado pelo Science Media Centre. Principalmente porque "parece ser entre 40% e 70% mais transmissível".
"É uma notícia muito ruim", comentou o professor John Edmunds, da London School of Hygiene & Tropical Medicine. "Parece que esse vírus é muito mais infeccioso que a cepa anterior". Em sua página do Facebook, o geneticista francês Axel Kahn lembrou que, até agora, "foram sequenciadas 300 mil mutações do SARS-CoV-2 no mundo". A nova cepa incorpora uma mutação, chamada "N5017", na proteína da "espícula" do coronavírus, que permite que o vírus se prenda às células humanas para penetrá-las. Segundo o doutor Julian Tang, da Universidade de Leicester, "essa mutação N501Y já circulava muito antes, de forma esporádica, neste ano fora do Reino Unido, na Austrália em junho-julho, nos Estados Unidos em julho e no Brasil em abril". "Os coronavírus sofrem mutações o tempo todo, então não é surpreendente que surjam novas variantes do SARS-CoV-2", lembrou o professor Julian Hiscox, da Universidade de Liverpool. "O mais importante é tentar saber se essa variante tem propriedades que têm um impacto na saúde dos humanos, nos diagnósticos e nas vacinas". "Quanto mais vírus houver e, portanto, mais pessoas afetadas, mais mutações aleatórias haverá" que sejam "vantajosas para o vírus", acrescentou Axel Kahn. Suspensão de voos
A confirmação do nível de transmissão desta cepa levou as autoridades britânicas a decretarem um novo confinamento em Londres e em parte da Inglaterra, afetando um total de 16 milhões de habitantes. "Infelizmente, a nova cepa estava fora de controle. Devemos retomar o controle, é a única forma de fazê-lo, restringir os contatos sociais", declarou neste domingo o ministro britânico da Saúde, Matt Hancock. Depois da Holanda, que suspendeu nesse domingo todos os seus voos de passageiros procedentes do Reino Unido, a Bélgica também suspenderá as conexões aéreas e ferroviárias com esse país e a Alemanha estuda "seriamente" tomar uma medida semelhante, que também afetaria a África do Sul. O governo da Espanha também informou no domingo que pediu a Bruxelas uma resposta "coordenada" sobre os voos com o Reino Unido. "O objetivo é proteger os direitos dos cidadãos comunitários a partir da coordenação, evitando a unilateralidade", explicou o governo espanhol em um comunicado. A Espanha fez o pedido "nesta manhã (domingo) à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e ao presidente do Conselho Charles Michel", afirmou o comunicado.
Caso não haja uma atuação conjunta, Madri tomará medidas "em defesa dos interesses e direitos dos cidadãos espanhóis", acrescentou o governo do socialista Pedro Sánchez. Ao anunciar o reconfinamento de Londres e partes do sudeste da Inglaterra, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson relacionou o aumento de casos de Covid-19 nessas áreas com a nova cepa do coronavírus descoberta. Reforçar controles A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu aos seus membros na Europa que "reforcem seus controles" sobre a nova variante do coronavírus que circula no Reino Unido, afirmou neste domingo (19) seu setor europeu. Fora do território britânico, alguns casos foram notificados na Dinamarca (9), assim como um caso na Holanda e na Austrália, de acordo com a OMS, que recomenda que seus membros "aumentem sua (capacidade de) sequenciamento" do vírus antes de saber mais sobre os riscos apresentados por essa variante, disse um porta-voz da OMS Europa. A OMS afirmou que, além de "indícios preliminares de que a variante poderia ser mais contagiosa", a cepa em questão "também pode afetar a eficácia de alguns métodos diagnósticos segundo informações preliminares". Em vez disso, "não há evidências de qualquer alteração na gravidade da doença", embora essa questão também esteja sendo investigada.
A OMS oferecerá mais informações assim que tiver "uma visão mais clara das características dessa variante", disse um porta-voz da OMS na Europa. "Por toda a Europa, onde a transmissão é alta e generalizada, os países devem reforçar seus procedimentos de controle e prevenção", enfatizou a OMS. Em uma escala global, a OMS recomenda que "todos os países aumentem suas capacidades de sequenciamento do vírus SARS-CoV-2 sempre que possível e compartilhem dados internacionalmente, especialmente se as mesmas mutações problemáticas forem identificadas". Além dos três países que detectaram a cepa do Reino Unido em seu território, "outros países relataram outras variações à OMS, incluindo algumas alterações genéticas na variante britânica", mais notavelmente uma mutação batizada de "N501Y". A África do Sul, que também relatou uma variante problemática na sexta-feira (19), acredita que a mutação mencionada estaria por trás do aumento das infecções. Uma hipótese que estaria sendo investigada, segundo a OMS. Cautela Os Estados Unidos observam "com muito cuidado" a variante do vírus que se propaga no Reino Unido, disseram autoridades da saúde, observando que a proibição de viagens para aquele país não está em discussão neste momento.
Moncef Slaoui, consultor da operação de logística "Warp Speed" do governo para comprar e distribuir vacinas contra a Covid-19, disse à CNN que "ainda não se sabe" se esta variante do vírus está presente no país. "Estamos examinando isso com muito cuidado" em conjunto com os Institutos Nacionais de Saúde e os Centros para Controle e Prevenção de Doenças, disse ele. No momento, nenhuma cepa do vírus parece ser resistente às vacinas disponíveis, ressaltou. "Esta variante específica no Reino Unido, acredito, é muito improvável de ter escapado da imunidade da vacina", disse Slaoui. "Não acho que haja motivo para alarde neste momento", concordou o almirante Brett Giroir, o oficial que supervisiona os testes de coronavírus nos Estados Unidos, quando questionado pela rede ABC. Ele também estimou que por enquanto não é necessário suspender os voos do Reino Unido, como vários países europeus fizeram. Slaoui afirmou à CNN que quase oito milhões de vacinas serão distribuídas nos Estados Unidos na segunda-feira: dois milhões de doses do imunizador da Pfizer/BioNTech e 5,9 milhões da Moderna. Os comentários de Slaoui vieram após reclamações de alguns estados sobre atrasos no recebimento da vacina da Pfizer/BioNTech, um atraso pelo qual o general Gus Perna, que supervisiona a operação Wrap Speed, se desculpou no sábado. "Vamos trabalhar e aprender com os nossos erros", disse Slaoui. O governo espera que 20 milhões de pessoas sejam vacinadas até o final do ano ou na primeira semana de janeiro. O vice-presidente Mike Pence já foi vacinado publicamente e o presidente eleito Joe Biden o fará nesta segunda-feira (21). Já o presidente Donald Trump não indicou se será vacinado. Preocupado com o ceticismo de muitas pessoas sobre as vacinas, Giroir encorajou Trump a se inocular para o bem de sua saúde "e também para construir mais confiança entre as pessoas que o seguem tão de perto". Mas o encarregado de Saúde Pública Jerome Adams disse à CBS que, por causa dos anticorpos que Trump recebeu quando contraiu a Covid-19, "esse é realmente um cenário em que dizemos às pessoas que talvez devam esperar para receber a vacina".
AFP/Dom Total///