Presidente vetou a medida apenas para não ser enquadrado no crime de responsabilidade, mas sempre foi a favor de agradar evangélicos.
Com a derrubada do veto do presidente, artigos pró-pastores passam a valer. (Pablo Valadares/Câmara) Com aval do presidente Jair Bolsonaro, o Congresso derrubou um veto do próprio chefe do Planalto para anular dívidas tributárias de igrejas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela Receita Federal. O valor do “perdão” seria de quase R$ 1 bilhão. Documento enviado pela liderança do governo aos parlamentares nesta semana estima a renúncia tributária de R$ 1,4 bilhão nos próximos quatro anos. De estoque acumulado em anos anteriores, devem ser revistos R$ 222 milhões.
A proposta alvo do veto exclui as igrejas do rol de contribuintes da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ampliando o alcance da imunidade prevista na Constituição. Além disso, perdoa as dívidas acumuladas com esse tributo no passado. Na Câmara, o placar para a derrubada do veto foi de 439 a 19. No Senado, 73 votaram para o perdão e apenas o senador Romério (Podemos-RJ) votou para que o veto de Bolsonaro fosse mantido. Bolsonaro vetou a medida com o argumento de que o dispositivo foi aprovado sem compensação fiscal e a sanção poderia ser classificada como crime de responsabilidade – dando margem para um processo de impeachment.
Mas, por outro lado, se manifestou favorável à não tributação de templos e estimulou a derrubada do próprio veto. Na época do veto, em reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, Bolsonaro demonstrou receio em cometer crime de responsabilidade, embora tenha dito que pessoalmente concordava com o perdão e quisesse sancionar a medida. Imunidade constitucional contra a cobrança de impostos As igrejas têm imunidade constitucional contra a cobrança de impostos, mas a proteção não alcança as contribuições, como a CSLL (sobre o lucro líquido) e a previdenciária.
Nos últimos anos, a Receita identificou manobras dos templos para distribuir lucros e remuneração variável de acordo com o número de fiéis sem o devido pagamento desses tributos – ou seja, burlando as normas tributárias. A medida aprovada pelo Congresso Nacional pretendia, por meio de uma lei ordinária, estender a imunidade constitucional das igrejas à cobrança da CSLL e ainda anular dívidas passadas. Outro dispositivo almejava anistiar multas e outras cobranças aplicadas sobre a prebenda, como é chamada a remuneração dos pastores e líderes do ministério religioso. Ambos os artigos foram propostos pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, que tem milhões em dívidas com a União.
Bolsonaro vetou o primeiro dispositivo, que trata da CSLL, para afastar qualquer eventual violação à Constituição. Mas o presidente sancionou o artigo sobre a prebenda, de caráter mais interpretativo. Agora, com a derrubada do veto do presidente, os dois artigos passam a valer. Bolsonaro foi eleito com o apoio de diversas lideranças evangélicas. Embora se declare católico, o presidente tem uma relação próxima a pastores e igrejas evangélicas. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é frequentadora da Igreja Atitude, no Rio. Três integrantes do primeiro escalão do governo são pastores: a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e os ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Milton Ribeiro (Educação).
A bancada evangélica tem se articulado para incluir, na reforma tributária, a ampliação do alcance de sua imunidade tributária para qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior). A avaliação de tributaristas, no entanto, é que a medida não daria às igrejas salvo-conduto para continuar driblando a fiscalização para distribuir lucros disfarçados de renda isenta.
Agência Estado/dom total///