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Negação, fake news, radicalização e verdades: o discurso de Bolsonaro na ONU

Presidente apresenta retrato distorcido do Brasil em discurso para base radical.

 

Presidente Bolsonaro durante discurso na ONU, nesta terça-feira (Alan Santos/PR)

 

 

‘Venho aqui mostrar um Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões.’ A frase inicial do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (21), não foi cumprida durante o discurso. O presidente mentiu, omitiu fatos e distorceu a realidade brasileira. A negação da pandemia de Covid-19 e o aceno à sua base extremista também caracterizam o discurso de Bolsonaro. O Estadão Verifica, serviço de checagem do Jornal O Estado de São Paulo, analisou o discurso do presidente.

Confira! 7 de Setembro

O que Bolsonaro disse: que as manifestações de 7 de setembro, de apoio ao governo federal, foram as maiores da história. Realidade: É falso. Os atos em favor do presidente foram visivelmente menores que eventos anteriores, como os protestos contra a presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016 e as manifestações generalizadas em 2013. Em março de 2016, o Instituto Datafolha calculou o público do ato pelo impeachment na Avenida Paulista em 500 mil pessoas, o maior ato desde o movimento Diretas Já, em 1984. No 7 de Setembro, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo estimou que 125 mil pessoas participaram da manifestação pró-Bolsonaro.

Pandemia de Covid-19

O que Bolsonaro disse: que o governo pagou auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020. Realidade: O valor faz sentido se considerarmos a média do valor pago a todos os beneficiários ao longo de 2020. No ano passado, foram destinados R$ 288,7 bilhões a 67,9 milhões de brasileiros, de acordo com o Ministério da Cidadania e Assistência Social. Isso resulta em média de R$ 4.251 por beneficiário, o equivalente a US$ 7,97 na cotação atual. Mas é importante frisar que nem todos os brasileiros receberam o mesmo valor. O auxílio começou a ser pago em abril do ano passado, em cinco parcelas de R$ 600 ou R$ 1.200 (para mães solteiras).

O pagamento mensal equivale a US$ 112 ou US$ 224, na cotação atual. Depois, o programa foi estendido, com valores de R$ 300 e R$ 600 (para mães solteiras) — o equivalente a US$ 56 e US$ 112 mensais. O que Bolsonaro disse: que o governo federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e mais de 140 milhões de brasileiros já receberam a primeira dose, o que representa quase 90% da população adulta. Realidade: É verdade. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, 263 milhões de doses já foram recebidas pelos estados, e 142 milhões de pessoas foram imunizadas com pelo menos uma dose. Isso representa 87,7% da população com mais de 18 anos. A população adulta totalmente imunizada chegou a 50,07%. Considerando todos os brasileiros, 66,6% receberam ao menos uma dose, e 38,1% foram totalmente imunizados.

Corrupção

O que Bolsonaro disse: que o Brasil está há 2 anos e 8 meses sem nenhum caso concreto de corrupção. Realidade: É enganoso. Ao menos dois casos de corrupção envolvendo integrantes do Executivo são investigados pela Polícia Federal. Em maio, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão que envolveram o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e a cúpula do órgão ambiental por suspeitas de corrupção e favorecimento do contrabando de produtos ambientais. A suspeita é que os agentes públicos atuaram de forma a fragilizar a fiscalização e para permitir contrabando de madeira extraída de forma ilegal. O Ministério Público Federal e a PF também investigam suspeitas de corrupção no contrato do Ministério da Saúde para comprar a vacina Covaxin, com intermediação da empresa Precisa Medicamentos. O país pagaria US$ 1,6 bilhão por 20 milhões de doses – US$ 15 por unidade, o maior valor entre todas as vacinas. A Covaxin nem sequer tem autorização da Anvisa para aplicação. O contrato foi suspenso pelo próprio governo federal após a revelação das suspeitas de corrupção.

Empréstimos do BNDES

O que Bolsonaro disse: que o BNDES financiou “obras em países comunistas sem garantias” e que “quem honrava esses compromissos era o próprio povo brasileiro”. Realidade: É falso. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é uma empresa pública federal, realizou 148 operações em 15 países por meio do mecanismo de crédito para exportação de bens e serviços. A afirmação de Bolsonaro é falsa porque todos os contratos tiveram garantias e as inadimplências não foram cobertas por impostos dos contribuintes. Nesse tipo de operação, o dinheiro público é emprestado para as empresas brasileiras que realizam as obras no exterior. Depois, fica sob responsabilidade dos países estrangeiros fazer o pagamento da dívida com o banco. Essa devolução é feita com juros, em prazo determinado nos contratos. A União é quem estabelece as operações, países de destino, principais condições contratuais e mitigadores de risco, cabendo ao banco a análise e a execução delas. Os detalhes desse tipo de operação podem ser consultados em uma página criada pela instituição financeira para explicar como funcionam os contratos de exportação firmados a partir de 1998.

A maior parte dos empréstimos foi concedida entre 2007 e 2015, durante os governos Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff (2012-2016). De acordo com o BNDES, o projeto do Porto de Mariel, em Cuba, “foi o único que incorreu em 100% do risco soberano de um país, não sendo exigidas garantias de terceiros”. O mitigador de risco de crédito, nesse caso, era uma conta corrente em Cuba. O desembolso total em todos os contratos desde 1998 foi de US$ 10,5 bilhões, e US$ 12,4 bilhões foram recebidos de volta pelo BNDES em pagamentos de dívida e juros até junho de 2021. O saldo a vencer era de US$ 1,3 bilhão, e as parcelas em atraso e não indenizadas, de US$ 29 milhões, divididas entre Cuba e Venezuela. Além disso, US$ 830 milhões foram indenizados pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), diante de casos de inadimplência de Venezuela (US$ 555 milhões), Moçambique (US$ 122 milhões) e Cuba (US$ 153 milhões). O FGE é composto por prêmios pagos por empresas exportadoras que contratam o seguro, e não por impostos pagos pela população.

Meio ambiente

O que Bolsonaro disse: que 83% da energia no Brasil vem de fontes renováveis. Realidade: Está superestimado. Como o projeto Comprova mostrou nesta checagem de 2020, o Brasil tem 44,9% de fontes renováveis em sua matriz energética. Os dados são do Balanço Energético Mundial 2020, da Agência Internacional de Energia (IEA). O país tem o maior percentual entre as nações do G20. Logo atrás estão Indonésia (25%) e Índia (22%). A taxa do Brasil também supera a média mundial, de apenas 13,8% de energia renovável. O que Bolsonaro disse: que 14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, são destinados às reservas indígenas. A realidade: É impreciso. De acordo com a Funai, existem 450 terras indígenas.

Destas, nove já foram homologadas (passaram por todos os estudos, têm limites georreferenciados e receberam a autorização presidencial), e 441, regularizadas (têm registro em cartório em nome da União). Somadas, elas têm 1,07 milhão de km² – o equivalente a 12,6% do território nacional. Há ainda terras declaradas, que já passaram pelos estudos e aprovação da Funai e foram incluídas em portaria declaratória do ministro da Justiça; as delimitadas, que tiveram estudos aprovados pela Funai e aguardam a análise do Ministério da Justiça; as em estudo; e as interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados. Essas categorias somam 242 territórios, com área de 108.533 km² — 1,2% do território nacional. Considerando-se todas essas terras, seriam 13,8% do território nacional — valor próximo ao citado pelo presidente.

Mas é importante lembrar que, dias antes de ser empossado, Bolsonaro afirmou que não demarcaria “um centímetro quadrado a mais de terra indígena” — promessa que ele cumpre até o momento. O que Bolsonaro disse: que a área das terras indígenas no País é equivalente aos territórios da França e Alemanha somados. Realidade: É verdadeiro. Dados do Banco Mundial mostram que a Alemanha tem área de 349,4 mil km², e a França, de 547,6 mil km². Somados, são 896,93 km² — menos do que a área de terras indígenas já homologadas ou regularizadas no País. O que Bolsonaro disse: que 66% do território brasileiro tem vegetação nativa, “a mesma desde o seu descobrimento, em 1500”. Realidade: É enganoso. De acordo com um relatório do Projeto MapBiomas divulgado em agosto de 2020, o Brasil tinha 66,3% do território coberto por vegetação nativa.

Porém, isso não quer dizer que essas áreas estejam intocadas desde 1500, como sugeriu Bolsonaro. A mesma organização aponta que pelo menos 9,3% da vegetação natural do Brasil é secundária — ou seja, são áreas que já foram desmatadas e convertidas para uso antrópico pelo menos uma vez. Outro tipo de degradação ocorre por meio do fogo e da exploração madeireira predatória. O MapBiomas calcula que o Brasil perdeu 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa entre os anos de 1985 a 2019, o equivalente a 10,3% do território nacional. O que Bolsonaro disse: na Amazônia os desmatamentos tiveram redução de 32% no mês de agosto, em comparação ao mês do ano anterior. Realidade: é verdadeiro, mas falta contexto. Bolsonaro citou números recentes do sistema de alertas de desmatamento Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A plataforma indica que, em agosto de 2021, foram emitidos alertas para uma área total de 918 km², uma redução de 32% se comparado aos 1.359 km² registrados no mesmo mês em 2020. A comparação, entretanto, omite fatos importantes sobre o contexto da preservação ambiental no País. Apesar do recuo das estatísticas em agosto, março, abril, maio e junho de 2021 registraram recordes de alertas de desmatamento para esses meses desde o início da série histórica iniciada em 2015. O Deter é um sistema de monitoramento por satélite em tempo real que serve para indicar tendências do desmatamento nos biomas brasileiros. Os dados oficiais são consolidados por um outro sistema do Inpe chamado Prodes, que informa as estatísticas anuais. A área desmatada na Amazônia Legal em 2020, segundo o Prodes, foi a maior desde 2008.

Economia

O que Bolsonaro disse: que nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares no passado, e hoje são lucrativas Realidade: É verdade, mas falta contexto. O presidente omite que as estatais brasileiras registraram resultados positivos já na gestão de Michel Temer. Segundo dados do Ministério do Planejamento, em 2016 foi contabilizado um lucro de R$ 4 bilhões, ante prejuízo de R$ 32 bilhões no ano anterior. No primeiro ano de mandato de Bolsonaro, as empresas estatais geraram um lucro de R$ 109 bilhões. Já em 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus, foi registrado um recuo e as contas consolidadas indicaram um faturamento de R$ 60 bilhões. O que Bolsonaro disse: que o crescimento da economia estimado para 2021 é de 5%. Realidade: De fato, a previsão de alta no PIB em 2021 é de 5,04%, de acordo com Relatório de Mercado Focus divulgado nesta segunda-feira. Essa estimativa, no entanto, vem caindo — há quatro semanas, a alta prevista era de 5,22%.

A economia mundial deve crescer 5,7% este ano, segundo projeção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Vale ressaltar que a expectativa de aumento no PIB “é efeito estatístico, a recuperação da queda de 4,1% no ano passado”, segundo análise de Alexandre Calais, editor-coordenador de Economia do Estadão. No segundo trimestre deste ano, o IBGE registrou queda de 0,1% em relação ao período anterior. O que Bolsonaro disse: que o governo federal criou aproximadamente 1,8 milhão de novos empregos nos primeiros sete meses deste ano. Realidade: É verdadeiro. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), índice que monitora a geração de vagas regidas pela CLT no mercado de trabalho. O objetivo é subsidiar a tomada de decisão para ajuda aos desempregados. O que Bolsonaro disse: que o país terminou 2020 com mais empregos formais que em dezembro de 2019. Realidade: É impreciso fazer essa comparação. Em janeiro de 2020, o Caged alterou os procedimentos para declaração das informações e o uso de novas fontes de dados.

 

 

Dom Total com Agência Estado / Estadão Verifica///