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Não há tempo a ser desperdiçado

Não há tempo a ser desperdiçado com frivolidades, com aparências, com a tolice dos pernósticos, deslumbrados e alienados.

 

 

Não há quem não tenha saído da atual onda, amadurecido e/ou ‘envelhecido’, no melhor e no mais duro sentido, que tenha ficado imune ou ‘a salvo’ das mazelas da catástrofe transmitida em tempo real pela mídia (Pixabay)

 

Eleonora Santa Rosa*

 

 

 

Observação de cunho pessoal de impressões já consolidadas durante o estendido período da pandemia: o envelhecimento acelerado das feições do rosto e do corpo. Expressões do desgaste da rotina imposta, do receio da contaminação generalizada, do desassossego da morte à espreita, do medo da ausência de perspectiva de trabalho, do desalento das relações familiares expostas ao desgaste da convivência obrigatória diária, da tediosa rotina dos solitários, da melancolia crescente pela distância de amigos, afetos e familiares, e, no nosso caso, da depressão e inconformidade com a irresponsável e inaceitável conduta governamental das autoridades máximas do país no agravamento das consequências letais da Covid-19. De alguma forma, de algum modo, todos carregamos nos semblantes, nas posturas corporais, nos pensamentos, nas ações, ‘sequelas’ advindas da peste do século XXI, já prevista pelos cientistas e especialistas desde muito. Nada que aponte, por ora, para uma descompressão mais permanente, um voltar ao que jamais será como antes, um armistício duradouro. Pelo contrário, temos que nos (re)ver, nos (re)fundar, nos (re)descobrir em temporada de duro combate, em luta constante de preservação da vida, revista e reconstruída em sensibilidade e percepção, mais atenta e perspicaz (tomara) para o que se avizinha. Olhar-se no espelho é uma viagem que leva a vivências muito complexas e recônditas, labirintos sem fim em torno da memória, da história pessoal, dos sonhos aspirados em um mundo em outra escala, às vezes, ingênuos e idílicos, contrastados pelo presente que pesa toneladas e que sombreia o futuro que aponta para uma sucessão de fatos e acontecimentos inesperados, de alcance planetário, nos campos das pandemias e das inúmeras consequências da devastação ambiental.

Não há quem não tenha saído da atual onda, amadurecido e/ou ‘envelhecido’, no melhor e no mais duro sentido, que tenha ficado imune ou ‘a salvo’ das mazelas da catástrofe transmitida em tempo real pela mídia. Não há abrigo na alienação, no egoísmo do andar de cima, na arrogância da ostentação, no patrimônio da usura, na riqueza desmedida da exploração e da apropriação, no apartheid social. Não há blindagem e salvo conduto garantidos. Mais grave, ainda, efetivamente, para os miseráveis, os empobrecidos, os ‘malparidos’, os desalentados socialmente, os explorados desde sempre, para quem salvar-se já é uma prática constante desde o nascedouro. Não há tempo a ser desperdiçado com frivolidades, com aparências, com a tolice dos pernósticos, deslumbrados e alienados, com a pseudo-segurança da rotina do mesmo cravejado de teias e tédios do vazio, do que já foi e não é mais há muito. Recentemente em SP, na exposição dedicada à Clarice Lispector, me detive longo tempo no painel que citava um de seus escritos: ‘o futuro é o passado que ainda não se realizou’.

Pensei e continuo pensando a respeito, do significado profundo que esse pensamento encerra, das decisões que nos esperam e das marchas que precisam ter início antes do fim, seja lá quando for, e, espero, que seja o mais distante possível. Tempo de inteireza, tempo de integridade, tempo de entender-se no meio do caos, de encontrar os próprios caminhos e saídas, de manter-se altivo e ativo, de não tergiversar sobre o básico essencial, de dar-se ao respeito e exigir respeito, de entender que as relações demandam equilíbrio e cuidado, que o muito que já foi feito ainda é pouco ou quase nada, que muito há por fazer e por viver, que a sanidade passa pelo amor próprio, pelos outros em dose de equilíbrio e repartição sem cobrança, que amizades sinceras são poucas e que merecem cuidado redobrado e rega contínua, que separar joio do trigo é sinal de sabedoria e maturidade, que o sol é para todos e que seu naco de felicidade passa pela coragem e ousadia de ser e saber-se quem se é.

 

 

 

Dom Total *Eleonora Santa Rosa – Ex-secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais, ex-presidente do Conselho do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA, instituiu em sua gestão o Conselho Estadual do Patrimônio Cultural de Minas Gerais – CONEP. Implantou a primeira fase do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte e foi diretora executiva do Museu de Arte do Rio – MAR. Concebeu e implementou inúmeras ações e iniciativas referenciais no campo do Patrimônio Cultural, da Educação Patrimonial e de museus. Gestora, consultora e estrategista da área da Cultura, é autora de diversos artigos e do livro Interstício.

 

O texto reflete a opinião pessoal do autor, O autor assume integral e exclusivamente responsabilidade pela sua opinião.