Artistas gravaram clipe para simbolizar campanha que começou em resposta à contratação de sertanejos nacionais para festas populares.
A Comissão de Assuntos Municipais promoveu hoje (5) audiência pública para tratar da valorização e preservação da música do RS através da participação de artistas gaúchos em feiras e eventos nos municípios. Do encontro resultou a elaboração de carta a ser enviada aos prefeitos, entidades empresariais e municipalistas, aos deputados e ao governo do Estado, solicitando empenho na adoção do tradicionalismo no currículo escolar como princípio educacional e mais espaço aos gêneros musicais regionais e populares gaúchos, com a devida valorização financeira desses profissionais. A iniciativa quer a valorização da produção musical gaúcha e incentivo através de políticas públicas municipais e do estado.
Conforme explicou o deputado Ernani Polo (PP), autor da solicitação de audiência pública por sugestão do músico e produtor João Luiz Corrêa, da Confraria da Música, e do jornalista Giovani Grizotti, da RBS TV e autor do Blog Farroupilha, a ideia é dar início ao movimento para sensibilizar a opinião pública e as prefeituras para que promovam os artistas gaúchos ao organizarem os eventos festivos de suas comunidades. Uma das justificativas foi a grave situação provocada ao setor cultural durante a pandemia de Covid 19, período de dois anos que impactou a sobrevivência do setor musical do RS. “Queremos que nos eventos com atrações nacionais se dê espaço de igualdade de investimento financeiro e cultural aos grupos do estado”, resumiu o deputado.
Ao final da atividade, realizada na Sala João Neves da Fontoura, o Plenarinho, em formato híbrido, foi lançado o clipe Valoriza Tchê, para inserção em redes institucionais de radiodifusão e televisão e também nas redes sociais.
O tema reuniu expressões da música gauchesca, como o gaiteiro Renato Borghetti, jovens talentos, como Lipe Araújo, de 14 anos, e remanescentes da cultura tradicionalista, como Os Serranos, a 7ª Região Tradicionalista de Passo Fundo, Fábio, do Tchê Guri, o gaiteiro Muriel, de 9 anos, e também o humorista Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana, além de produtores musicais, bandas e autoridades públicas vinculadas ao tradicionalismo. Também entidades como a FAMURS, UVERGS, FEDERASUL, e o jornalista Paulo Sérgio Pinto, da Rede Pampa e da AGERT, prefeitos e vereadores estiveram representados na audiência, que teve início com o canto do Hino Rio-Grandense pela cantora lírica Cristina Sorrentino, acompanhada de Érlon Péricles e Lincoln Ramos.
Além de Polo, também participaram os deputados Luiz Marenco (PDT), que é músico e cantor tradicionalista, Sérgio Turra (PP), Paparico Bacchi (PL), Issur Koch (PP), também músico, a deputada Fran Somensi (Republicanos), e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Vilmar Zanchin (MDB). No início, o presidente da Comissão de Assuntos Municipais, Eduardo Loureiro (PDT), destacou a importância da música rio-grandense e a contribuição da região das Missões, terra de Pedro Ortaça, Jayme Caetano Braun, Noel Guarany e Cenair Maicá, e referiu a realização do Festival Canto Missioneiro desde 2008 em Santo Ângelo.
Pela Confraria da Música, João Luiz Corrêa expôs a vulnerabilidade dessa categoria profissional, que tem na música o seu sustento e de suas famílias e embora recolham a aprovação das comunidades pelo trabalho que realizam, vivem a instabilidade da alternância nas prefeituras e nos seus contratos de trabalho para as festividades locais. Essa descontinuidade do uso do dinheiro público nos talentos locais e regionais, resultado da falta de legislação que regulamente essa destinação, repercute no encolhimento da valorização da cultura gauchesca, argumentou.
Apesar do reconhecimento no país e no exterior do valor dos músicos gaúchos, a sobrevivência tem sido difícil e a tradição está perdendo espaço, alertou Corrêa. Ele criticou a dificuldade do estado em “vender a nossa cultura”, ao contrário do que têm feito os estados de Santa Catarina e Paraná. ”O amor à cultura tem que ter investimento”, garantiu o produtor musical que há 35 anos dedica sua vida ao ramo musical, atividade que envolve uma cadeia produtiva diversa e numerosa.
Foi o impacto da pandemia que despertou a consciência para a desvalorização dos músicos, produtores e trabalhadores dessa atividade cultural. “Não se trata de hobby, é uma profissão, sustentamos nossas famílias com a música”, desabafou. Sem uma legislação que regulamente esses contratos, o destino será a extinção da cultura gaúcha, profetizou Corrêa, diante do exemplo de migrações de talentos para outros estados, em especial São Paulo, onde encontram reconhecimento e condições adequadas de sobrevivência com a profissão. A cada show no RS com a presença de artistas de outros estados, os músicos daqui percebem sua pobreza, uma vez que os contratos têm cachês altos, são pagos lá fora e nada desses recursos circula aqui, minguando ainda mais a cadeia produtiva local. João Luiz reconhece o mérito desses artistas, que conseguiram se fortalecer em seus estados e têm a reciprocidade dos investimentos, diferente do RS, “nós usamos a cultura como um símbolo, mas a maioria dos nossos filhos nem usam pilcha por falta de motivação”, argumentando em favor da regulamentação de recursos para o setor.
Um dos ícones da música regional, Renato Borghetti trocou a gaita pelo microfone para dizer que sempre é preciso explicar que cultura gera economia, “músico é profissão”, disse o gaiteiro que já fez mais de 30 turnês pelo exterior. Ele pediu diálogo e defendeu a educação como ferramenta para sedimentar a cultura do RS, como está fazendo com a Fábrica de Gaiteiros em Barra do Ribeiro e outras quatro cidades, um projeto social de iniciação ao instrumento destinado a crianças de 7 a 14 anos.
Ernani Polo destacou o trabalho voluntário de Borghetti e Jair Kobe como “garotos propaganda” da campanha Valores que Ficam, uma iniciativa da Assembleia Legislativa para que os recursos dos contribuintes que pagam Imposto de Renda fiquem no RS e sejam destinados para entidades sociais que atendem crianças e adolescentes e pessoas idosas.
A presidente da Frente Parlamentar dos Vereadores em Defesa da Tradição Gaúcha, Rose Grings, de São Luiz Gonzaga, conclamou a adesão de seus pares nas câmaras municipais em favor da mobilização.
Iniciativas parlamentares
Nas suas manifestações, os deputados registram iniciativas que tramitam na Assembleia em conformidade com a reivindicação dos músicos e produtores. Paparico Bacchi (PL) falou do projeto que idealizou que todo o evento público do RS tenha 50% do recurso público obrigatoriamente destinado à cultura gaúcha, matéria que pode ser acelerada e aprovada ainda nesta legislatura, que se encerra em dezembro.
O músico e deputado Luiz Marenco (PDT) mostrou o relatório final da Comissão Especial sobre a Cadeia Produtiva da Cultura e da Música do RS, onde constam os exemplos da Bahia e Pernambuco no investimento na cultura local que envolve mais de 134 mil trabalhadores, 48 mil microempreendedores, com repercussão nos impostos, emprego e renda. Defendeu o estudo do tradicionalismo nas escolas como forma de resgatar a história cultural gaúcha, e também para assegurar a sobrevivência dessa cadeia produtiva e explicou que proposição de sua autoria defende que a Lei de Incentivo à Cultura não pode ter destinação para show nacional justamente para assegurar a sobrevivência da cadeia produtiva cultural do estado.
O deputado Sérgio Turra (PP) destacou a importância da discussão e da tradição, dizendo que além dos projetos de incentivo à distribuição dos recursos públicos, “é preciso despertar a paixão pelo movimento tradicionalista na base”, referindo-se às escolas. Informou que a Assembleia aprovou de sua iniciativa o reconhecimento de relevante interesse público do Instituto Renato Borghetti de Cultura e Música. A deputada Fran Somensi (Republicanos)informou ações favoráveis aprovadas pela Assembleia, de iniciativa do governo, como a redução das alíquotas do ICMs, e a destinação de R$ 200 mil de emendas de sua autoria para a cultura gaúcha e outros R$ 100 mil que destinou ao Projeto Paixão Côrtes, para a desburocratização dos editais, e defendeu políticas públicas para fomentar o setor.
Vilmar Zanchin (MDB) antecipou apoio da bancada do MDB ao movimento e sugeriu a aceleração dos projetos que tramitam na Assembleia e estão relacionados com esse tema. De sua parte, Issur Koch (PP), que também é músico, informou que tem projeto, em parceria com Sérgio Turra, para que 50% dos recursos do Pró-cultura sejam para artistas locais.
*Fonte: Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa do RS