Especulação e subjetividade ajudam a explicar o que fez empresas caírem R$ 100 bi num dia e recuperarem metade no outro
O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou a quarta-feira (10) em queda de 3,35%. O tombo refletiu a desvalorização de ações de empresas supostamente relacionada a declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a necessidade de gastos com programas sociais.
Mas, afinal, por que a fala de Lula influenciou no valor de empresas negociadas na bolsa de valores? Como, aliás, a bolsa funciona?
A Bolsa é um lugar onde investidores compram e vendem ações. Já as ações são pequenas fatias de uma determinada empresa.
Na Bolsa, essas ações são negociadas no pregão, que funciona durante o horário comercial. Nesse período do dia, investidores que desejam vender ações de determinadas empresas anunciam sua intenção e determinam o preço que desejam receber pelo título. Quem deseja comprar tal ação faz um anúncio semelhante, deixando claro quanto deseja pagar por cada papel negociado na bolsa.
Quando o preço de venda bate com o preço de compra, o negócio é fechado. O valor da ação no negócio é registrado e passa a ser considerado o “valor de mercado” do papel.
Se durante o pregão mais investidores decidem comprar ações dessa empresa, a tendência é que quem detém essa ação a anuncie por um preço mais alto. O “preço de mercado da ação” tende a subir.
Já se mais investidores decidem se desfazer da ação, a tendência é que eles rebaixem o preço para venda. O valor de mercado do papel tende a cair.
“Funciona como um grande balcão com gente comprando ativos financeiros e outros vendendo”, resumiu o economista Daniel Conceição, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Quando muita gente decide que é hora de comprar alguma coisa, o preço tende a subir. Quando acham que está na hora de vender, o preço cai.”
Existem hoje na B3 ações de cerca de 400 empresas sendo negociadas. Milhares de operações de compra e venda são fechadas todos os dias. Essas operações servem de base para índices calculados pela B3, como o Ibovespa.
Se o preço das ações de empresas consideradas pelo cálculo do Ibovespa sobe, o índice sobe. Se o preço diminui, o índice cai, como ocorreu na quarta.
“O que aconteceu na quarta foi a consequência de muita gente decidindo que era hora de vender ações de empresas, especialmente as afetadas por decisões estatais, como a Petrobras”, complementou Conceição.
Levando em conta o valor de mercado das ações na bolsa, é possível estimar o valor de mercado de toda uma empresa. Segundo o jornal O Globo, como o preço das ações caíram, empresas listadas na bolsa perderam R$ 100 bilhões em valor na quarta.
Mais da metade disso foi recuperado na quinta-feira (11), quando o Ibovespa subiu 2,5%.
As ações da Petrobras, por exemplo, caíram cerca de 10% desde a eleição. Só na quinta-feira (11), porém, subiram cerca de 4%.
O que levou à queda?
Investidores compram uma ação pensando em ganhar dinheiro com ela de duas formas: vendendo essa ação a preços mais altos no futuro ou recebendo a parte dos lucros dessa empresa a que um detentor de ações tem direito.
Se no pregão de quarta investidores resolveram se desfazer de ações, derrubando o preço delas, é sinal de que não esperam que o preço do papel suba ou que não esperam que a empresa lucre a tal ponto de repassar as quantias esperadas por eles por ação.
Vale destacar, portanto, que a queda do Ibovespa na quarta-feira tem a ver com a expectativa de investidores para o futuro. Na quarta, efetivamente, nada ocorreu para justificar uma queda generalizada no valor das empresas listadas na Bolsa. O que houve, na verdade, foi uma piora na avaliação dos investidores sobre o futuro das companhias. Já na quinta, essa avaliação melhorou.
“Aí entra a subjetividade”, afirmou Conceição, da UFRJ. “Mesmo que o investidor saiba que não há motivo objetivo para muito mais gente decidir vender uma ação no futuro próximo, ele deveria vender a ação se ele achar que muita gente vai decidir vender.”
“Há ainda o efeito manada”, disse Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Várias pessoas tendem a ter o mesmo comportamento [vender ações, neste caso] sem saber muito as razões por isso.”
Por que a expectativa piorou?
De acordo com os especialistas ouvidos, a piora das expectativas de investidores está relacionada, principalmente, às primeiras decisões do governo de transição. No final da tarde de terça-feira (9), o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anunciou a equipe econômica de transição. De noite, Lula reforçou a necessidade da criação de um espaço extra no Orçamento Federal para o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023 – o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) só reservou dinheiro para o pagamento de R$ 405.
As notícias levantaram dúvidas sobre um suposto risco à estabilidade das contas públicas entre os investidores. Isso, em tese, pode elevar as taxas de juros no país, gerar inflação e, assim, prejudicar a economia como um todo.
“Criou-se uma preocupação sobre a capacidade do governo de pagar a dívida pública”, explicou o economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). “O dólar subiu, empresas estão endividadas em dólar, o preço das ações caiu.”
Conceição, contudo, vê certa seletividade do mercado. Para ele, investidores reagem histericamente à proposta do Lula de gastar mais para melhorar a vida do povo, mas ficaram tranquilos quando Bolsonaro gastou “sem limites” para buscar a reeleição. Também não reclamaram de declarações do atual presidente contra a vacinação contra o coronavírus ou quando o Brasil registrou 500 mil mortes por covid.
Lula, aliás, ironizou o esse “nervosismo” do mercado. “Nunca vi um mercado tão sensível quanto o nosso. Engraçado é que ele nunca ficou nervoso em quatro anos de Bolsonaro”, disse.
Weiss, da UFRGS, disse que é preciso considerar até a intenção de investidores de “chantagear” o novo governo. “Pode ser uma forma de o mercado fazer com que o governo faça o que ele tem interesse”, afirmou.
Como isso afeta a população?
Oliveira, da Anefac, diz que a queda da bolsa, a alta do dólar e dos juros vinculadas às expectativas de mercado são ruins. Prejudicam investidores, que são cerca de 4 milhões hoje no Brasil, mas também a economia como um todo, porque têm impacto na inflação, por exemplo, e em outros indicadores.
Weiss ressaltou, contudo, que o sobe-e-desce da bolsa é comum. Só traz impactos na economia real caso seja duradouro, e nada indica que a queda de quarta-feira vai se repetir nos próximos dias.
“A bolsa de valores é uma fonte importante de financiamento para empresas abrirem capital [emitirem ações para financiar projetos]. Então, se há um ritmo positivo na bolsa, empresas conseguem se arrecadar valores maiores e tem um potencial de realizar investimento”, explicou ele. “Mas o movimento especulativo não têm impacto significativo nisso.”
Fonte: Brasil de Fato