Debate tratou de temas como aumento da violência e falta de rede de acolhimento, privatizações e abandono da periferia
Mulheres de movimentos sociais do campo, da cidade e feministas denunciaram, em audiência pública na Assembleia Legislativa do RS, realizada nesta quarta-feira (8), a deterioração das condições de vida das mulheres e seus dependentes no estado. O debate foi promovido pelas comissões de Direitos Humanos, Educação, Segurança Pública e Serviços Públicos, marcando o 8M no parlamento gaúcho.
“Essa audiência pública e os espaços políticos que ocupamos é de resistência”, ressaltou a deputada Laura Sito (PT), que presidiu a audiência ao lado das deputadas Sofia Cavedon e Stela Farias, do PT. Também as deputadas Bruna Rodrigues (PCdoB), Luciana Genro (PSOL) e Delegada Nadine (PSDB) participaram da audiência, que contou ainda com a presença dos deputados Adão Pretto Filho, Miguel Rossetto e Leonel Radde, do PT, e Mateus Gomes (PSOL).
Entre os temas tratados estiveram os efeitos da privatização da água na região Metropolitana na vida das mulheres periféricas, as dificuldades de acesso à saúde e nas Delegacias de Polícia pelas mulheres surdas, e a violência sistemática no RS contra a vida das mulheres. As demandas recebidas, como a retomada urgente dos aparelhos de acolhimento das mulheres vítimas de violência doméstica, foram reunidas para a reunião que ocorreria com o governador Eduardo Leite (PDSB) ainda ontem, mas que foi transferida e acabou ocorrendo hoje (9).
Políticas públicas para mulheres sem orçamento
Os temas das deputadas iniciaram pela educação, com a deputada Sofia Cavedon, à frente da Comissão de Educação, observando que “ou a educação muda, ou a violência continua”, frase adotada pela Procuradoria da Mulher, a qual presidiu, referindo-se à base patriarcal da sociedade que controla as mulheres para explorá-las. Pontuou a conquista de direitos, como o direito ao aborto legal, a humanização do parto, acessibilidade às mulheres com deficiência, acolhimento das vítimas de violência doméstica, algumas das demandas que ao lado de políticas públicas poderão estancar o atual cenário de violência e morte de mulheres.
A deputada Laura Sito mostrou os alarmantes números de mulheres vitimadas pelo feminicídio no RS, 106 assassinadas em 2022 e nove em janeiro deste ano, que ela afirma ser reflexo do desmonte das políticas públicas para as mulheres nos últimos quatro anos pelo governador Eduardo Leite. Sem a cidadania garantida pelo estado, a vida das mulheres vale menos, “somos cidadãs de segunda categoria”, salientou a parlamentar, para quem a retomada da agenda de direitos pelo governo federal vai refletir em todas as mulheres.
Privatizações refletem nas mulheres da periferia
O desabastecimento de água nas cidades periféricas da região Metropolitana foi o tema da deputada Stela Farias, que foi prefeita de Alvorada, cidade onde 52% da população é feminina. Ela destacou que, na cidade, como em outras seis da região, já surgiram os efeitos da privatização do saneamento básico e na periferia as mulheres estão pagando por serviços que não estão disponíveis, como o esgoto cloacal. Este assunto, avisou, entrará na pauta da comissão que preside, de Segurança e Serviços Públicos.
Stela também sugeriu que a presidente do Tribunal de Justiça, Iris Helena Medeiros, lidere o movimento pela reinstalação da Rede Lilás no RS.
Na mesma linha, a deputada Bruna Rodrigues pediu atenção em Porto Alegre ao processo de privatização do DMAE, assunto que repercutirá diretamente nas mulheres da periferia. Contou a rotina das mulheres da Associação Maria da Glória, no Morro da Cruz, que lutaram pela distribuição de caixas d’água para assegurar esse direito humano durante a pandemia, com a ausência do estado.
“O serviço privatizado não chega na periferia”, alertou. Ela pediu projeto amplo para apurar as dificuldades das mulheres periféricas, em sua maioria negras, “as mais afetadas pela ausência de políticas públicas”. Recurso que, segundo ela, é capaz de impedir que as crianças e mulheres fiquem nas sinaleiras pedindo dinheiro, como acontece agora.
A deputada Luciana Genro salientou o descaso do governador Eduardo Leite com as políticas públicas para as mulheres: fechou da Secretaria Estadual da Mulher, deixou sem comando e sem recursos o Departamento da Mulher e desestruturou o Centro de Referência da Mulher na Capital.
“O desmonte no RS foi reflexo do governo Bolsonaro”, garantiu. Disse que as ações das mulheres devem se multiplicar em todos os espaços, “é um conjunto de lutas gigantesco e no 8 de março temos que unificar e pedir que parem de nos matar, exigimos respeito, igualdade e direitos”.
A delegada Nadine Anflor (PSDB) destacou sua trajetória profissional na defesa das causas das mulheres como titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre. Ela entende que a luta das mulheres é coletiva e sem ideologia, e assegurou que o governador Eduardo Leite “quer fazer mais pelas mulheres”. Antecipou que pretende mais do que a Secretaria das Mulheres, quer “mais investimento e espaço” nas questões que dizem respeito às mulheres.
A diretora do Departamento de Mulheres do governo estadual, Tábata Bier, informou que no próximo dia 27, às 15h, acontecerá a posse das conselheiras eleitas para o Conselho Estadual da Mulher. Ela assegurou que há empenho do governo em ampliar os Centros de Referência, que são 30 no RS e outros 40 novos centros estão sendo implementados no interior.
Disse ainda que será feita reforma no Centro de Referência da Mulher e outros investimentos em espaços, estratégia do governo para “não enxugar gelo olhando só para a violência”.
Única saída é a “garantia de política públicas efetivas”
Nos discursos intercalados, a coordenadoria da Rede Internacional de Estudos da Mulher e Arte Popular, a professora da Escola de Humanidades da PUC, Edla Egert, lembrou que é preciso recuperar e conhecer o que a humanidade vivenciou ao longo da história para entender as origens das desigualdades estruturais vivenciadas pelas mulheres no mundo todo. “São mais de 5 mil anos de tradição patriarcal”, ressaltou. Para avançar, defendeu que “a história das mulheres, que ficou à margem da educação escolar, passe a fazer parte da história oficial.”
Pelo Levante Contra os Feminicídios, Télia Negrão lembrou das mulheres assassinadas nos últimos anos, como Débora Rodrigues, militante social da Lomba do Pinheiro, e Lidiane Moreira, em Uruguaiana, vítima do machismo e também do despreparo dos agentes públicos. “Não há saída para as mulheres que não seja através da garantia de política públicas efetivas”, afirmou.
Pelo Sindiágua, Franciele Silveira de Menezes afirmou que as mulheres têm sido as mais afetadas com as privatizações. “Hoje no RS as mulheres têm que lutar pelo básico do básico que é ter acesso à água potável. No Brasil temos cerca de 15,8 milhões de mulheres sem acesso à água tratada e 40% delas são mulheres negras e chefes de família”, disse, alertando que o RS está na contramão do mundo ao privatizar sua água e saneamento. “O que tem acontecido é a perda desses serviços”, avaliou.
Da Associação de Mulheres Maria da Gloria, Angela Comunal relatou as rotinas do Morro da Cruz, no bairro Rubem Berta, na Vila Cruzeiro, na Ponta Grossa, no bairro Bom Jesus, e disse que nessas localidades “empoderamento feminino é poder falar, sair de casa, ter água para tomar, um prato de comida”. Pediu valorização das mulheres que trabalham em atividades coletivas, como as Cozinhas Comunitárias, nesses locais periféricos e reconhecimento do seu perfil para o mercado de trabalho.
Outras manifestações foram registradas, de forma presencial e virtual, como de Laisa da Terra Indigena da Guarita, do Movimento de Mulheres Camponeses, das Mulheres Negras e Quilombolas, da Defensoria Pública, e diversos coletivos feministas.
Fonte: Brasil de Fato RS / com informações da Agência de Notícias da ALRS