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Incra reconhece quatro territórios quilombolas no Rio Grande do Sul

Etapa é a penúltima antes da titulação definitiva. Ao todo, existem 111 processos de regularização de territórios quilombolas abertos no RS

Ocupação do Quilombo da Anastácia, em Viamão, remonta ao início do século 20. Foto: Divulgação/Incra/RS

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou, nesta segunda-feira (20), quatro Portarias de Reconhecimento de territórios de comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul. No Dia da Consciência Negra, as portarias reconhecem e declaram os limites dos territórios das comunidades quilombolas Linha Fão, com 168 hectares, no município de Arroio do Tigre; Família Fidélix, com 4,5 mil m² em Porto Alegre; Anastácia, com área de 64 hectares em Viamão; e Arnesto Penna, com 264 hectares em Santa Maria.

O ato é a etapa do processo de titulação de quilombos anterior à decretação das áreas – nos casos em que há imóveis privados a serem desapropriados dentro dos perímetros reconhecidos pelo Incra. As quatro portarias somam-se a outras três já publicadas este ano (Picada das Vassouras/Quebra-Canga, em Caçapava do Sul; Quadra, em Encruzilhada do Sul e Costa da Lagoa, em Capivari do Sul) – o que encerrou um período de seis anos sem portarias de reconhecimento para quilombos gaúchos.

Para Janete Aparecida Benck, vice-presidente da Associação Comunitária Quilombo Família Fidélix, a publicação da portaria é um alívio para a comunidade. “Tudo o que nos dá segurança nos traz mais tranquilidade, até no sentido de saúde mesmo, do nosso emocional”, comenta, lembrando os vários enfrentamentos pelos quais as 23 famílias já passaram, inclusive com ameaças de despejo. “Para nós é muito importante, estamos há bastante tempo nesta luta”, destaca, lembrando que abriram o processo em 2004.

O território da comunidade Família Fidélix fica entre os bairros Azenha e Cidade Baixa de Porto Alegre, e a maior parte de sua área pertence ao município. A ocupação remonta à década de 1980, quando famílias descendentes de escravos em Santana do Livramento migraram para capital, após sucessivos deslocamentos e perda de terras na fronteira oeste do estado.

Já o território da comunidade Arnesto Penna, na zona rural de Santa Maria, tem uma ocupação que data do início do século 20. Pesquisas que compõem o processo de regularização chegaram ao testamento de Ambrozina Penna – uma grande proprietária que, ao falecer em 1905, deixou terras para os filhos de sua ex-escrava Balbina. Os descendentes, além das terras, também herdaram o sobrenome. Atualmente, a comunidade reúne 16 famílias. O processo de regularização fundiária foi aberto no Incra/RS em 2006.

Na comunidade Quilombo da Anastácia, em Viamão, a ocupação do território é igualmente antiga. Remonta também ao início do século 20, com a formação do núcleo familiar de Anastácia e Olímpio Gomes, que foram para a região morar em terras de parentes libertos da escravidão. A área legitimamente herdada por Anastácia foi sendo reduzida ao longo do tempo por várias ocorrências, entre as quais, a construção de uma barragem na década de 1950.

“Para nós, a publicação da portaria é muito importante”, afirma o presidente da Associação do Quilombo da Anastácia, William dos Santos Florindo. De acordo com ele, a comunidade tem buscado trazer de volta famílias que ao longo do tempo foram deixando a área. Atualmente, 16 famílias residem no quilombo. “Com o reconhecimento, vamos poder viabilizar todos os projetos que temos para tornar nossa terra produtiva e sustentável.”

A comunidade Quilombo de Linha Fão, em Arroio do Tigre, teve reconhecido o território de suas 33 famílias. A área foi reconstituída com base na ocupação da região Centro-Serra do RS pela população negra em fins do século 19. As famílias descendem do casal Aparício Miranda e Belmira Xavier, filhos de escravos que receberam terras de um patrão na década de 1920, de onde foram expulsos nos anos de 1970, migrando para o “Fão”.

“A gente fica muito feliz. É uma coisa que a gente está há anos atrás, valeu a espera. Passava ano e saía ano e nada, mas agora, como diz o ditado aqui na roça, é só correr para o abraço”, comemora a presidente da Associação Quilombola de Linha Fão, Marlise Borges. O “abraço”, no caso do processo de regularização, é o título final em nome da comunidade – mas ainda há mais uma etapa antes desta conclusão.

Etapas
Desde 2003, quando foi publicado o Decreto nº 4.887, o Incra é o órgão federal responsável pela titulação das terras de comunidades remanescentes de quilombos. O processo é longo. Inicia com a Certidão de Autoreconhecimento, emitida pela Fundação Cultural Palmares, e exige vários estudos. O Incra providencia a elaboração de diversas peças técnicas com informações históricas, antropológicas, socioeconômicas, cartográficas, fundiárias, entre outras, para compor o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território da comunidade.

Após a publicação do RTID, há prazo para interessados contestarem o relatório. Após análise e julgamento de contestações e recursos, o Incra publica então a Portaria de Reconhecimento, que formaliza a identificação definitiva do território e declara seus limites. Se houver imóveis (títulos ou posses) privadas dentro da área reconhecida, é necessário um Decreto Presidencial autorizando a autarquia a promover as desapropriações. Os imóveis são avaliados a preço de mercado e pagos em dinheiro. Após a etapa de desintrusão, o Incra pode emitir o título em nome da associação que representa a comunidade. O documento final é coletivo, imprescritível e não permite venda e penhora da área.

No RS, o Incra possui 111 processos de regularização de territórios quilombolas abertos. Destes, quatro chegaram à etapa final com emissão dos títulos. São os territórios das comunidades de Casca (em Mostardas, parcialmente titulado); Família Silva (Porto Alegre, parcialmente); Chácara das Rosas (Canoas) e Rincão dos Martimianos (Restinga Seca, parcialmente). Com as publicações de hoje, o Incra/RS conta com 21 portarias emitidas.

*Fonte: Sul 21