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Possível dolarização argentina impactaria exportações brasileiras

Retirada das “retenciones” sobre vendas externas tornaria produtos agropecuários do país vizinho mais competitivos no mercado internacional

Um dos produtos de maior exportação do Brasil à Argentina é a soja (Foto: Fernando Dias / Seapi-RS)

A vitória do ultraliberal antissistema Javier Milei, que prometeu um grande choque econômico para estancar a grave crise que assola a Argentina, é cercada de incógnitas sobre o rumo das relações diplomáticas com o Brasil. Principal elemento de seu projeto de governo, a dolarização da economia, se implementada, poderá ter impacto negativo sobre as exportações brasileiras, avaliam economistas e analistas do setor. A medida tornaria commodities agrícolas como a soja e carnes bovinas argentinas mais competitivas no mercado internacional em relação aos itens produzidos no país.

A adoção do dólar norte-americano como moeda oficial é a arma do presidente eleito contra a inflação, que acumulou 143% no período dos últimos 12 meses até outubro – o nível mais alto em 30 anos. Para o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, a dolarização proposta por Milei exigiria a retirada das chamadas retenciones móviles (taxação sobre as exportações de produtos agropecuários), para estimular o ingresso de dólares. “No momento em que ele cortar as retenciones, a Argentina vai exportar muito mais. Até o mercado se ajustar, teremos um concorrente grande, um gigante aqui do lado, vendendo produto mais barato. Imagine uma Argentina com uma safra cheia para vender, sem retenciones”, diz Da Luz, acrescentando que a vitória de Milei poderá incentivar um aumento da área cultivada para o próximo ciclo de verão nas lavouras onde o plantio ainda não foi realizado.

No caso dos produtores de leite brasileiros, que enfrentam dificuldades com o aumento das importações de leite e derivados da Argentina, Da Luz acredita que a troca de governo possa ter um efeito positivo, levando o governo federal brasileiro a aplicar algum tipo de sobretaxa aos itens procedentes do país vizinho. Os pecuaristas argentinos contam com subsídios conhecidos como “Impulso Tambero”, o que faz com que o leite importado chegue ao Brasil a preços inferiores aos do produzido localmente. “O que a Argentina vinha fazendo é contra as regras do Mercosul, mas o governo brasileiro fez que não viu, porque estava engajado na campanha do Massa (Sergio Massa, candidato derrotado). Pode ser que deseje, a partir de agora tomar uma atitude que já deveria ter tomado em julho”, afirma Da Luz.

O professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) Argemiro Brum observa que a proposta de dolarização encontra resistência tanto no Congresso argentino, onde Milei dificilmente terá maioria para aprová-la, quanto em setores da sociedade argentina. Outra dificuldade para a implementação da medida é a falta de dólares para substituir os pesos. “A questão é técnica. Pelos estudos que a gente está conseguindo acompanhar, a Argentina precisaria de uns 40 a 50 bilhões de dólares em reservas, no mínimo, para começar esse processo. E eles chegam a estar com reservas negativas”, explica Brum.

Segundo o professor, a dolarização impactaria não apenas as exportações brasileiras de grãos, mas também as de carnes bovinas e vinhos. Brum lembra que a Argentina é o terceiro maior destino de produtos brasileiros em geral, atrás da China e dos Estados Unidos. “Tenho dúvidas de que Miley vai insistir nesse radicalismo. Ele está pegando uma economia destroçada. O discurso dele é boicotar o Mercosul, brigar com o (presidente) Lula, com a China. Se levar isso à frente, vai ser o caos na Argentina e é muito provável que não dure muito tempo no governo, talvez em seis meses já tenha uma fortíssima oposição”, prevê.

O economista Carlos Cogo, da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, destaca que o agronegócio argentino apresentou aos candidatos à presidência mais de 14 propostas, entre as quais a unificação do câmbio, a liberação de cotas e estoques para exportações e o fim das retenciones, hoje estabelecidas em 33% para a soja em grão, 12% para milho e trigo e 9% para a carne bovina. “Milei promete a redução gradativa e fim dos impostos em até dois anos, o que poderá esbarrar na crise fiscal do país, porque a eliminação dos impostos sobre exportações do agronegócio significaria lançar mão de arrecadação”, destacou o analista em nota.

Para Cogo, a dolarização poderia estimular as vendas externas, já que os produtores não precisariam segurar os estoques de produtos agrícolas para proteção cambial, mas é difícil de ser implantada na prática. “A eleição de Milei poderá trazer menor intervenção na questão cambial. O menor controle cambial poderia beneficiar o agronegócio argentino em termos de recuperar a competitividade e aumento das exportações, mas não será automático”, avaliou.

*Fonte: Correio do Povo