Porto Alegre teve 31,51% de abstenção neste domingo, taxa inferior apenas a 2020, quando a eleição municipal ocorreu em meio à pandemia
Nos últimos anos, a abstenção eleitoral tem se tornado um fenômeno crescente em Porto Alegre, refletindo uma tendência observada em várias regiões do Brasil. Em 2024, a abstenção atingiu a marca de 31,51% do eleitorado na Capital. Desconsiderando o pleito realizado durante a pandemia da Covid-19, 2024 registrou o percentual mais alto de abstenção desde a redemocratização em Porto Alegre.
Dados das últimas eleições indicam que o número de eleitores que optam por não comparecer às urnas vem subindo de forma consistente, gerando preocupações entre especialistas sobre o impacto desse comportamento no processo democrático. Durante as eleições municipais de 2020, por exemplo, a Capital registrou um recorde histórico de abstenção, com 33,08% do eleitorado não comparecendo às urnas em primeiro turno, de acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS). Esse índice, que já era elevado nas eleições anteriores, continuou sua escalada, superando a marca de 2016, quando a taxa foi de 25,26%.
Abstenções no primeiro turno das eleições municipais Porto Alegre:
1984: 14,85%
1988: 7,29%
1992: *
1996: 14,43%
2000: 12,7%
2004: 13,63%
2008: 16,35%
2012: 18,55%
2016: 25,26%
2020: 33,08%
2024: 31,51%
No primeiro turno da eleição geral de 2022, a taxa de abstenção foi de 22,48% em Porto Alegre, o que indica que as eleições municipais atraem muito menos o eleitorado do que as disputas pela presidência e pelo governo do Estado. O número de eleitores que não compareceram no domingo chegou a superar o número de votos obtidos pelo primeiro colocado à Prefeitura, Sebastião Melo (MDB): 345.544 ausentes contra 345.420 votos no atual prefeito, diferença de 124.
Segundo Fabrício Pontin, Professor do Departamento de Relações Internacionais e de Educação e da Pós-Graduação de Educação na Universidade LaSalle, quando falamos de abstenção em teoria política, podemos a identificá-la em três níveis diferentes: como consequência da estabilidade política, da frustração social e dos entraves econômicos. E, às vezes, essas causas ocorrem simultaneamente.
Em cenários estáveis, a abstenção ocorre porque as pessoas não veem diferenças significativas entre os candidatos, interpretando a eleição como pouco decisiva. Agora, em um contexto de frustração social, a abstenção reflete a insatisfação com a política tradicional e a falta de confiança nas instituições, levando eleitores desiludidos a optarem por não votar ou a apoiar candidatos “anti-sistema”. Além disso, essa “rejeição” também pode ser resultado de dificuldades econômicas e sociais, como os custos de transporte, tempo e cuidados familiares, que impedem algumas pessoas de exercerem o direito ao voto.
Para Paulo Peres, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o nível alto de abstenções é oriundo de dois fatores. O primeiro ponto, de caráter mais estrutural, revela que a abstenção tem crescido de forma gradual desde 2008. Isso indica um descontentamento crescente em relação à política e às candidaturas disponíveis, além de uma insatisfação generalizada com os partidos. “Tudo o que ocorreu no país desde 2013 favoreceu esse desencantamento”, diz.
Peres também mencionou que, excluindo a eleição durante a pandemia, entre 2016 e as eleições de 2024, a abstenção aumentou quase 10 pontos percentuais, um salto maior do que o observado anteriormente – o que sugere a influência de um fator mais conjuntural. “Penso que o problema das enchentes é uma variável explicativa plausível para isso. Uma parte dos eleitores, provavelmente, ainda nem tem condições de votar. Outra parte pode ter se desiludido tanto com a política e a administração Melo, sem ter encontrado nas candidaturas concorrentes uma alternativa. Juntando os dois fatores, tivemos essa elevada abstenção”, afirma.
Ele destaca, ainda, um fator que já é bastante debatido entre pesquisadores políticos: o voto estar deixando de ser obrigatório para se tornar opcional, ao menos na prática. “O voto, de fato, está se tornando praticamente facultativo. Se a gente observar a taxa de comparecimento eleitoral em países com voto facultativo, os valores são muito elevados, às vezes superam os 50% do eleitorado. Se a justificativa ou as penalidades para a abstenção forem facilitadas cada vez mais, podemos ter a consolidação estrutural de uma abstenção cada vez mais elevada, em torno de 35% ou 40%, a depender da capacidade de mobilização dos partidos ou do quanto cada eleição é considerada decisiva para questões mais cruciais”, esclarece.
Para além da Capital, a abstenção também foi um fator marcante em outras cidades do Rio Grande do Sul. Em Canoas, 31,83% dos eleitores não compareceram às urnas, apresentando o índice mais elevado entre as cidades mencionadas. Pelotas registrou uma abstenção de 24,33%, enquanto Caxias do Sul teve uma taxa ligeiramente maior, com 25,13%. Já em Santa Maria, a marca atingiu 27,54%.
Esses números revelam um padrão de ausência significativa nas eleições, evidenciando a necessidade de estratégias para contornar isso. Contudo, Pontin avalia que “não é simples esse processo”. “Esse tipo de vinculação política e afetiva tende a durar por ciclos bem longos, especialmente quando vinculados a sentimentos anti-sistema”, afirma.
Assim, para ele, a tendência é que essas pessoas continuem se envolvendo em projetos políticos mais radicais no curto e médio prazo. “O que pode mudar? Basicamente, programas de governo que reestruturam o ambiente político dessas pessoas, e eventos políticos sísmicos, como golpes de estado e guerras”, diz Pontin.
Fonte: Sul 21