Secretária de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do MDA, Ana Terra falou com o Brasil de Fato no G20 social
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) acompanha o processo de testagem das máquinas chinesas para a agricultura familiar que começaram a chegar ao Brasil em fevereiro deste ano. O primeiro lote de 30 máquinas está sendo testado no Rio Grande do Norte e um segundo lote com 50 equipamentos deve chegar nos próximos meses à capital federal para serem testados na Universidade de Brasília (UnB).
“Pensar a indústria brasileira de produção de máquinas e tratores adaptados tem sido uma preocupação nossa. E o que a gente está fazendo agora é levantando demanda, organizando e vendo que é possível de fato ter máquinas adaptáveis. Uma grande discussão que se faz historicamente, se é viável ter uma máquina ou ter um trator [para a agricultura familiar] e a gente está provando com esses experimentos que é sim possível e que tem tecnologia adaptada para a realidade da agricultura familiar”, disse ao Brasil de Fato Ana Terra, secretária de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do MDA.
Além da importação e posterior fabricação das máquinas para a agricultura familiar no Brasil, ela considera que a “reparação histórica” à agricultura familiar por parte do governo brasileiro também deve contemplar o incentivo à produção de sementes, bioinsumos, agroindustrialização e fortalecimento das empresas da agricultura familiar. “Pensar a democratização desses espaços, pensando ciência, tecnologia, inovação, com o controle popular, é fundamental para o próximo período”, defende.
A secretária do MDA participou nesta quinta-feira (14) da mesa sobre Tecnologia e Inovação na Agricultura Familiar no G20 Social, no Rio de Janeiro (RJ), que encerrou a programação do seminário Tecnologia e inovação: a agroecologia na reforma agrária, com patrocínio da Finep. Ela aponta que essas discussões realizadas no contexto do G20 social estão em sintonia com a agenda principal do Brasil na presidência do G20 este ano, de combate à fome e à crise climática. “Construir esse Pacto Global contra a Fome nos coloca nesse rumo de entender que um outro projeto de desenvolvimento do campo brasileiro é possível e que a gente caminha nesse sentido. Então, todo esse processo que a gente vem construindo de diálogo no G20 social vai também permear e potencializar essa discussão do Brasil no G20.”
Confira a entrevista completa
Sobre a perspectiva de “reparação histórica” que a Debora Nunes, da coordenação nacional do MST, colocou em relação às máquinas agrícolas chinesas, que outras frentes podem potencializar a produção de alimentos saudáveis pela agricultura familiar no Brasil?
Estar num seminário que discute ciência, tecnologia e inovação é algo importante, pensando a agricultura familiar, principalmente porque esse espaço foi negado para a agricultura familiar. Historicamente, muitas das instituições de pesquisa do Brasil, desde a revolução verde, dedicam seus esforços à produção de pacotes tecnológicos que estão voltados para a exportação para grande monocultura. Pensar a agroecologia, a cooperação, a agricultura familiar, a reforma agrária, é necessário para a transformação desse modelo produtivo que tem gerado inclusive a crise climática. Quando a gente fala dessa reparação histórica a partir da mecanização, a gente tem que pensar também na necessidade de uma reparação histórica no que se refere às sementes, aos bioinsumos, à agroindustrialização, ao fortalecimento das empresas da agricultura familiar, cooperativas, associações, empreendimentos solidários e o acesso ao mercado, também pensando em abastecimento alimentar. Pensar a democratização desses espaços, a socialização desses espaços, pensando ciência, tecnologia, inovação, com o controle popular, é fundamental para o próximo período.
Em relação às máquinas chinesas em processo de testagem no Rio Grande do Norte e essa nova leva que está chegando na UnB, como o MDA está acompanhando esse processo? Existe um diálogo para a instauração de fábricas que produzam esses equipamentos no Brasil?
A gente tem apostado muito nesse processo de mecanização. O MDA acompanha todos esses processos, todas as delegações que foram feitas à China foram em parceria com MDA. A gente acredita no enorme potencial das máquinas chinesas no sentido de ser uma entrega rápida, inclusive para os agricultores, mas aposta também fundamentalmente nesse processo de mecanização e da indústria brasileira. Pensar a indústria brasileira de produção de máquinas e tratores adaptados tem sido uma preocupação nossa. E o que a gente está fazendo agora é levantando demanda e organizando e vendo que é possível de fato ter máquinas adaptáveis. Uma grande discussão que se faz historicamente, se é viável ter uma máquina ou ter um trator [para a agricultura familiar] e a gente está provando com esses experimentos que é sim possível e que tem tecnologia adaptada para a realidade da agricultura familiar.
Como esses temas vão permear a discussão dos chefes de Estado que vão acontecer na segunda e terça-feira no encontro do G20?
A linha central do governo brasileiro e a proposta que o presidente Lula fez do Pacto Contra a Fome orienta muito essas nossas discussões, das discussões que a gente tem feito com os outros chefes de Estado. A gente teve recentemente em Roma, por ocasião do Dia Mundial da Alimentação e o sonho dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), de cumprir os 17 objetivos de trazer isso como uma pauta necessária diante da urgência climática, do aquecimento global, de tudo o que está acontecendo, pensar a agricultura familiar como representante da produção de alimento, como responsável no combate à fome e construir esse Pacto Global contra a Fome nos coloca nesse rumo de entender que um outro projeto de desenvolvimento do campo brasileiro é possível e que a gente caminha nesse sentido. Então, todo esse processo que a gente vem construindo de diálogo no G20 social vai também permear e potencializar essa discussão do Brasil no G20.
A produção da agricultura familia do MST com foco na agroecologia é voltada para a produção de alimento minimamente processados, recomendados pelo Guia Alimentar da População Brasileira. Existe uma discussão sobre o preço desses produtos, muitas vezes inacessíveis para a população de baixa renda, enquanto os ultraprocessados, que causam uma série de prejuízos à saúde, são consumidos por essa população devido ao seu baixo valor. Como o MDA tem olhado essa perspectiva de tornar o alimento saudável mais acessível?
Um grande avanço que nós tivemos no MDA esse ano foi o lançamento do Plano Alimento no Prato, que é o plano nacional de abastecimento alimentar. Ele é uma demanda que está nas atas do Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional] desde 2003 e que a gente nunca tinha conseguido fazer. O MDA pela primeira vez traz a pauta do abastecimento para si. A pauta do abastecimento sempre esteve vinculada ao Mapa [Ministério da Agricultura]. Com isso, a gente também traz a Conab, o Ceagesp e o Ceasa pro âmbito do MDA. Então é a gente reconhecer a agricultura familiar como a principal produtora de alimento e fortalecer essas iniciativas da agricultura familiar, as cozinhas solidárias. Todo esse processo que foi feito, as centrais de abastecimento popular e todo esse processo que surgiu também na pandemia, por uma necessidade premente, tanto dos movimentos, quanto de quem estava nas cidades passando fome e a gente fortalecer esses processos, que são processos populares a partir do plano, com um conjunto imenso de iniciativas que vão da discussão de preço de alimentos, de um acompanhamento, numa parceria da Conab, do Dieese, para acompanhamento do preço da cesta básica. A formulação de cestas básicas regionalizadas. Então, como que a gente aproveita e pensa nos produtos da sociobiodiversidade promovendo essa diversidade alimentar que é uma característica brasileira que não pode se perder nunca? Esse processo todo também envolve educação alimentar, envolve pontos de comida, cultura e cuidado, que deve ser um lançamento para o ano que vem. É um processo que a gente está trabalhando e construindo, incidindo também. O ministro Paulo Teixeira tem sido incansável na defesa da taxação de alimentos ultraprocessados e da taxação de agrotóxicos também, então como que a gente formula e pensa na necessidade de fazer com que a reforma tributária torne os alimentos saudáveis mais baratos também.
A reforma tributária é uma pauta fundamental e importante para o governo brasileiro, mas é uma pauta que ainda tem que ter muito amadurecimento e participação social. Acredito que a gente deva promover mais escutas. O MDA tem feito isso de promover escutas e caminhar nesse sentido, tentando fazer a incidência no Senado também.
O MDA retomou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que ficou sem recursos durante o governo de Jair Bolsonaro, e tirou da lista de privatizações o Ceagesp e o Ceasa de Minas Gerais, importantes centros de distribuição de alimentos. O que isso representa para a agenda de combate à fome do governo Lula?
O PAA é uma política pública que brilha aos olhos do mundo todo. Você conseguir juntar e articular a produção da agricultura familiar e fazer com que ela chegue para quem precisa é fundamental. No ano passado nós apresentamos um orçamento e chegamos a receber demandas de R$ 1,1 bilhão da agricultura familiar para fornecimento de alimento, o que mostra a potência que é, fortalecendo inclusive quilombolas, indígenas e assentados da reforma agrária. Para esse ano, nós estamos lutando pelo recurso, também estamos na Ploa [Projeto de Lei Orçamentária Anual] de 2025 para garantir recursos para a execução do programa ano que vem, articulando ao PAA outras modalidades de compra, como é o caso da compra institucional, em que toda a estrutura do governo tem que fazer a compra de minimamente 30% de alimentos da agricultura familiar. Esse processo de retomada de políticas públicas e de pensar o abastecimento é a reconstrução de algo que levou o Brasil a sair do Mapa da Fome em 2014. A gente ter Ceasa Minas e Ceagesp, as duas principais centrais de abastecimento da América do Sul numa pauta de privatização, demonstra bem como que isso vinha sendo tratado no governo anterior. Então, para a gente trazer o Ceasa e o Ceagesp, mas não só trazê-los para o MDA, mas trazê-los com o compromisso de ampliação da participação da agricultura familiar nesses espaços, que a agricultura familiar tenha lugar nessas centrais tão importantes. É um processo que está sendo muito intenso, bonito também, com a diretoria das duas centrais muito comprometida em fazer com que a agricultura familiar, os alimentos e as organizações da agricultura familiar estejam ali representadas.
Fonte: Brasil de Fato