Ameaças e violência têm gerado crescente insegurança no território

Um grave conflito armado entre membros do povo Kaingang eclodiu na Terra Indígena Nonoai, localizada no Norte do estado do Rio Grande do Sul no último final de semana. A disputa interna, alimentada por questões de liderança e arrendamento de terras, tem gerado ameaças, violência e crescente insegurança no território.
O pivô do conflito se concentra na figura do cacique José Horácio Nascimento, que, juntamente com sua família, é acusado de arrendamentos de terras e por uso indevido dos recursos obtidos via financiamentos para plantio de soja. Prática que, além de gerar lucros, compromete o usufruto das terras pela comunidade. Relatos de tiros e confrontos entre os grupos começaram a se intensificar, com a presença de pessoas não-indígenas armadas, que supostamente estariam apoiando o cacicado e pressionando aqueles que se opõem à sua liderança.
O conflito, que já é histórico na região, remonta aos arrendamentos de terras, um processo que vem retirando os direitos territoriais dos Kaingangs. Roberto Liebgott, advogado e missionário leigo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da Região Sul do Brasil, explica que a situação atual é consequência de uma série de fatores. “A causa principal é o arrendamento de terras, que transfere o usufruto do território indígena para terceiros, muitos deles com interesses econômicos e sem qualquer compromisso com a população local”, afirmou Liebgott. Segundo ele, o empoderamento excessivo de alguns líderes indígenas, ligados ao cacicado, tem gerado exclusão, violência e até práticas criminosas, como tráfico de armas e drogas, no interior da terra indígena.
Resistência
Em entrevista ao Brasil de Fato RS, uma indígena da TI Nonoai e uma das vozes de resistência ao cacicado que pediu para não ser identificada, se pronunciou sobre o clima de tensão que assola o território. Ela descreve o conflito como uma luta por liderança. “Esse conflito ocorre por liderança e pelo arrendamento de terras da Terra Indígena Nonoai, porque ela possui uma grande quantidade, é a segunda maior do estado, então é muito grande. E a gente tá nessa luta aqui contra esse cacicado de 40 anos, um cacicado machista que passa por geração, né? O senhor José Horácio Nascimento, e assim está se passando pela hierarquia da família. E o filho dele, que é o vice-cacique da TI, está incitando a violência”, explica.
Ela detalhou os momentos de terror que a comunidade têm vivido. “Em uma videoconferência de reunião de pacificação, ele [José Horácio Nascimento] fala diretamente para a minha pessoa, onde ele diz que: ‘não ia ficar assim, que se a gente não parasse com a manifestação em 10 dias, ele cumpriria a palavra dele. Então ele diz que não custa ficar 25, 30 anos na cadeia, mas o serviço dele seria feito’. E realmente está se cumprindo, mas a gente não vai recuar.”
“O tiroteio começou a partir das 22h30 da noite de domingo e pela manhã de novo começou tudo do lado do outro grupo, que estão defendendo o senhor José Horácio Nascimento. E eles estão com armas de fogo, estão com não-indígenas junto, quadrilhas, porque a família deles ali, eles fazem parte de uma facção. E o pessoal de cá são pessoas humildes. Estamos aqui com mulheres grávidas, estamos com crianças, estamos com nossos maridos, que a gente agora há pouco começou a se encontrar, porque até então, de ontem à noite, as crianças se espalharam todas. Nossos maridos, para nos proteger, também atacaram com cacetes. Somos um povo humilde, não temos condições de comprar armas”, relata.
Ela afirma que o grupo tem o direito de se manifestar e acusa o cacicado de agir por ganância. Ela relatou que estão impedidos de sair para fazer denúncias, pois o território está trancado e fortemente armado. “Nós não conseguimos fazer os boletins de ocorrência e cortaram as redes de internet. Eu tenho meus dados móveis só, então tá difícil até de fazer uma transmissão ao vivo. Eles mesmo querem se autodeclarar lideranças e caciques para estar fazendo a arrecadação do arrendamento das terras e distribuir para si mesmos.”
De acordo com o coordenador do Cimi, a Polícia Militar, depois de acionada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), esteve no local no domingo (16) à noite, mas informou que o “clima era de normalidade”. A coordenadora da Funai, Maria Inês de Freitas, natural da TI Guarita, comunicou que as respostas institucionais sobre o caso têm sido insuficientes até o momento e que acompanha à distância. A portaria que autorizava a presença da Força Nacional está vencida, o que a impede de atuar.
Fonte: Clara Aguiar (Brasil de Fato RS)