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‘Porongos’: filme dá protagonismo aos Lanceiros Negros e revisita massacre

Com parte das filmagens concluídas, o diretor da obra, Diego Müller, fala sobre o processo de realização do longa

Foto: Thiago Olivar

No mês em que o Rio Grande do Sul celebra a Revolta Farroupilha, chegam ao fim, no interior do estado, parte das filmagens de uma obra que revisita um capítulo pouco lembrado dessa guerra. Em produção, o filme “Porongos” coloca os Lanceiros Negros no centro da narrativa, trazendo o Massacre de Porongos para as telas do cinema. Em entrevista ao Sul21, o diretor Diego Müller detalha o processo de realização e o desafio de transformar em cinema um acontecimento histórico que permanece esquecido no imaginário popular gaúcho.

O longa acompanha Adão Caetano, lanceiro negro em que na luta por liberdade e dignidade expõe as contradições dos líderes republicanos. A partir da combinação entre fatos reais e abordagem ficcional, o personagem se insere em um dos episódios mais emblemáticos e controversos da história do estado, pouco explorado pela literatura e pela mídia.

“É escasso. Se consegue encontrar o que fale sobre a Revolução Farroupilha, tem bastante coisa, mas sobre Porongos, sobre os negros dentro da Guerra dos Farrapos, tem pouco”, afirma Müller.

O Massacre de Porongos marcou um dos últimos capítulos da Guerra dos Farrapos (1835–1845). Mais de cem soldados negros, que lutavam ao lado dos rebeldes em busca de liberdade, foram assassinados em uma emboscada das tropas imperiais. Embora haja divergências sobre as circunstâncias, documentos históricos apontam que a traição aos Lanceiros Negros foi resultado de um acordo prévio entre chefes farroupilhas e o Império, abrindo caminho para o massacre daqueles que haviam confiado na promessa de liberdade.

O diretor explica que, antes de iniciar a escrita do roteiro, dedicou-se a uma pesquisa histórica para compreender os acontecimentos da Guerra dos Farrapos e a participação da população negra no conflito. Esse levantamento teve como base obras da literatura, em especial o livro História Regional da Infâmia, de Juremir Machado da Silva, além de monografias e outras referências que ajudam a contextualizar o combate.

A partir disso, Müller une fatos históricos e liberdade artística. “O mais importante é fazer que a tua história tenha sentido, que as pessoas possam entender a história. E aí, corromper a história real, no meu entendimento, se autoriza a fazer isso a partir do momento em que você tem o cerne da história contemplado na narrativa”, explica o diretor sobre o processo desenvolvido.

Esse equilíbrio exigiu concessões, como reunir características de personagens reais em apenas um ou subtrair figuras históricas dos cenários narrados. “O equilíbrio tá em você respeitar a história, a história real, mas entender que a gente não é historiador. A história dos fatos a gente deixa para os historiadores, a gente precisa criar uma ficção que tenha narrativa, que tenha sentido e que contemple o filme”, afirma o diretor.

Müller ressalta que um dos principais desafios da produção é humanizar personagens históricos já consagradas no imaginário popular, como Bento Gonçalves. Ao trazer para a tela a tradicional “figura do gaúcho”, o diretor procura revelar uma nova faceta desse personagem, menos idealizada e distante da imagem consagrada do homem branco heroico.

“Aqui a gente tem essa cultura de idealizar as figuras históricas, construir estátuas, tratá-los como heróis e pessoas que estão numa linha da perfeição”, observa. “A gente ainda vai ter que esperar para entender como o público vai se deparar com essas figuras longe das praças, das suas estátuas, porque eles vão ser colocados dentro do que eu entendo como muito mais próximo da realidade, como todo ser humano é, com suas virtudes e com o seu defeito”, destaca Müller.

O elenco reúne nomes de destaque, como Emílio Farias no papel de Adão Caetano, Samira Carvalho interpretando Mahín e Thiago Lacerda como Bento Gonçalves. As filmagens se concentraram em cidades do Rio Grande do Sul, entre elas Caçapava do Sul, Minas do Camaquã e Bagé, territórios marcados por batalhas e pela presença de quilombos. A escolha desses cenários buscou proporcionar aos atores uma imersão direta na realidade histórica que baseia a narrativa.

“Foi simbólico e importante também. Porque a gente acabou colocando eles dentro de uma máquina do tempo. Fez com que tivessem mais condições de entender a geografia do lugar, o vento, a chuva”, diz Müller. Filmado durante o inverno, o projeto enfrentou as intempéries do clima, que ajudaram a compor a atmosfera das cenas, mas também impuseram dificuldades à equipe.

Com aproximadamente 70% do longa já concluído, ainda faltam as gravações das sequências de batalhas, incluindo a Batalha do Fanfa e o próprio Massacre de Porongos, além de cenas intermediárias. Para isso, a produção busca novos financiamentos.

“A gente precisa agora, a partir disso que foi feito, com o material promocional do que já foi filmado, botar embaixo do braço e sair atrás de mais fontes de financiamento, sejam privadas ou estatais, para que a gente consiga ainda esse ano ter uma segunda etapa de duas semanas e concluir o filme”, afirma o diretor.

Müller ressalta que, mesmo sem a produção concluída, a expectativa é conquistar o apoio do público e dos futuros espectadores. Diante das dificuldades para viabilizar o financiamento, ele aposta no engajamento da audiência para que o projeto avance e alcance sua finalização. A intenção é garantir que a representação negra, ausente na narrativa da história gaúcha, possa assumir o protagonismo.

“Eu acho que a gente tá trazendo uma produção que vai dar luz ao debate, vai trazer argumento para o debate e fazer com que a gente possa dar dignidade para a história desses escravizados que lutaram na revolução e acabaram sendo, no final dos planos, massacrados”, pontua Müller.

Fonte: Marihá Maria / Sul 21