Entre as medidas estão o levantamento dos arrendatários e a notificação dos mesmos sobre a proibição da atividade e a apreensão da produção
O juiz Diogo Edele Pimentel, da 1ª Vara Federal de Carazinho, deferiu uma liminar, dia 25 de julho, determinando uma série de medidas para terminar com a prática do arrendamento na Terra Indígena (TI) de Nonoai, localizada no norte do Rio Grande do Sul. Entre as medidas estão o levantamento dos arrendatários e a notificação dos mesmos sobre a impossibilidade de continuar com a atividade, apreensão da produção que está depositada em cooperativas e liberação dos grãos somente quando o produtor for indígena e comprovar que ele foi o responsável pela produção. A prática do arrendamento de terras vem alimentando uma série de conflitos violentos em áreas indígenas no Estado e vem sendo alvo de denúncias por movimentos indigenistas e organizações de direitos humanos.
A medida foi provocada pela ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Estado do RS com objetivo de “implementar um projeto de gestão ambiental e territorial na TI de Nonoai, voltado à eliminação das formas de exploração por não indígenas e ao fortalecimento das práticas indígenas de manejo, uso sustentável e conservação dos recursos naturais e à inclusão social dos povos indígenas”. A TI Nonoai abrange uma área de 19.830 hectares, onde vivem 2.814 índios das etnias Kaingang e Guarani.
Nesta ação, o MPF assinala que a Funai elaborou uma nota técnica em que coloca a Terra Indígena Nonoai como uma das mais negativamente impactadas pela prática do arrendamento. O ordenamento jurídico brasileiro, lembra ainda o Ministério Público, proíbe o arrendamento para pessoas não indígenas e que já foram ajuizadas algumas ações em função da continuidade dessa prática. O MPF destaca também que foi elaborado um projeto de transição a ser implementado na TI de Nonoai para terminar com esta prática ilegal, que culminou na celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo MPF, Funai e Cooperativa dos Trabalhadores Rurais Indígenas de Nonoai (Copinai).
Esse TAC tinha por objetivo, ao final de cinco anos, estabelecer um novo modelo de autossustentabilidade e respeito à legislação ambiental na terra indígena. Os contratos de arrendamento dariam lugar à produção autônoma pela comunidade indígena e, proporcionando um modelo de desenvolvimento sustentável para essa população. Entretanto, observa o MPF, após alguns anos, o TAC passou a ser contestado por parte da comunidade indígena, não se conseguia saber se as ações implementadas estavam alcançando os objetivos e a Funai demonstrou dificuldades em realizar ações de fiscalização. Em função disso, o MPF decidiu não participar da renovação do TAC e decidiu ingressar com uma nova ação que essa semana obteve uma liminar favorável.
Em sua decisão, o juiz Diogo Edele Pimentel observou que as terras tradicionalmente ocupadas por grupos indígenas são bens da União, cabendo sua posse permanente e o usufruto exclusivo das utilidades e riquezas naturais aos índios que ocupam a área. “Com a publicação da Lei n. 6.001/73, passou a ser expressamente proibido não só todo e qualquer arrendamento de terras indígenas, mas qualquer ato que tenha por objetivo o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos índios ou pelas comunidades indígenas. A partir de 1988, a proibição de atos de ocupação, domínio ou posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas foi alçada ao status de norma constitucional”, assinalou.
Assim, acrescentou, “aos indígenas não cabe, em hipótese alguma, por qualquer forma, arrendar, gravar de ônus, alienar ou fornecer, por qualquer forma, áreas de terras dentro de reserva indígena. As comunidades tradicionais são apenas usufrutuárias das terras, de propriedade da União”. Na avaliação do magistrado, o arrendamento das terras indígenas Kaingang no norte do Estado constitui a principal fonte de problemas vivenciados por esses povos, que permite o aprofundamento das desigualdades dentro dessas comunidades já tão vulnerabilizadas. “Beneficiam-se, assim, pequenos grupos de indígenas que, por meio de violência física e/ou simbólica, dominam os demais, os quais são lançados à perpetuação da miséria; beneficiam-se injustamente, também, grandes produtores rurais, que obtêm nessas terras à margem da lei custos menores de produção e, por consequência, possibilidade de incremento de seus lucros”, afirmou.
O juiz determinou que a Funai faça o levantamento e qualificação dos arrendatários e os notifique da impossibilidade de continuar com o plantio, já que é vedado o arrendamento e o plantio de transgênicos. Além disso, os réus deverão constituir comissão interinstitucional e multidisciplinar, com a participação de indígenas, destinada a elaborar, promover e apoiar, em até 90 dias, iniciativas de qualificação das políticas públicas e dos programas e ações da agricultura familiar. Além disso, deverão garantir a segurança alimentar das famílias que precisem enquanto o Plano de Gestão Territorial e Ambiental da TI de Nonoai não for implementado.
A liminar determinou também que a União e Funai somente autorizem o plantio e colheita da produção de grãos na safra atual e nas futuras quando houver a indicação precisa de alguns dados, como o nome do produtor indígena, e destinação da produção. Elas também deverão apreender toda produção da TI, que tenha sido depositada nas cooperativas, e somente poderão liberar os grãos caso o produtor seja indígena e comprove, documentalmente, que ele próprio foi o responsável por toda a produção. Também ficou estipulado que a colheita de soja e milho transgênicos não será liberada. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Fonte: Ascom Justiça Federal do RS