Há 34 anos, ex-jogador convocou a mídia e falou do plano de criar um partido político e disputar a eleição presidencial
“O ex-jogador de futebol Pelé disse que poderá se candidatar à Presidência em 1994. Afirmou que se considera um socialista e que pretende criar um partido próprio caso se decida pela vida política.” É difícil acreditar que as duas frases acima estamparam, em algum momento da história, a capa de um dos maiores jornais impressos do Brasil, a Folha de S.Paulo. Mas isso, de fato, aconteceu.
No dia 8 de novembro de 1989, às vésperas da eleição presidencial que levou o alagoano Fernando Collor ao Palácio do Planalto, as bancas de jornais pelo país exibiam uma manchete curiosa: “Pelé quer ser presidente e se declara socialista”, dizia o título, disposto na metade de baixo da capa da Folha.
As declarações foram feitas no dia anterior, 7 de novembro, durante uma entrevista coletiva concedida na sede do clube Sírio Libanês, na zona sul de São Paulo. Na ocasião, Pelé apresentou uma nova empresa chamada “O Rei”. Porém, com a iminência da eleição presidencial daquele ano, o assunto principal foi um tema que o ex-jogador costuma se esquivar durante a vida: a política.
À época, o então apresentador e empresário Sílvio Santos ainda insistia em se lançar candidato, pelo Partido Municipalista Brasileiro, para disputar contra grandes figuras políticas que, de fato, participaram daquele pleito. Entre eles, Lula (PT), Leonel Brizola (PDT), Ulysses Guimarães (MDB) e Mário Covas (PSDB). Os planos do dono do SBT, que, dias depois, foi vetado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram alvo de críticas de Pelé.
“Sílvio Santos é uma excelente pessoa, mas não tem base política nem plano de governo. Ele dificilmente faria uma boa administração”, afirmou. Em outro trecho da conversa com os jornalistas, disparou: “Se eu for candidato, vou procurar fazer um plano com antecedência e participar dos debates na TV”. Questionado, Pelé se declarou socialista e disse que, se entrasse para política, atuaria dentro dessa linha ideológica.
O fato chama a atenção porque o “Rei” jamais empunhou a bandeira do socialismo. É verdade que, cinco anos antes, em 1984, Pelé se posicionou a favor da campanha das Diretas Já, e que, em 1969, tenha dedicado seu milésimo gol da carreira às “criancinhas pobres”. Mesmo assim, o ex-jogador nunca foi associado à esquerda, até porque ficou marcado pela relação com a Ditadura Militar que governava o Brasil durante o tricampeonato da Copa de 1970, no México.
Não há registros na imprensa de que, após se declarar socialista e confessar o desejo de ser candidato a presidente, em 1989, Pelé tenha sido criticado, ainda que falar mal de Pelé seja um dos esportes preferidos dos brasileiros.
Num trecho de sua autobiografia, publicada em 2010, ele explicou o teor político do discurso após o “Gol 1000”. “Acho que muita gente não entendeu o que eu estava querendo dizer [sobre as criancinhas]. Fui um pouco criticado, com pessoas me chamando de demagogo. Achavam que eu não tinha sido sincero. Mas isso não me incomodou. Acredito ser importante que pessoas como eu mandem mensagens sobre a questão da educação. Não haverá futuro se você não educar os jovens”, escreveu.
Anos depois, em 1995, ele assumiu o ministério extraordinário dos Esportes de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em pouco mais de três anos à frente do ministério, Pelé levou como bandeira de sua gestão a modernização do futebol e a garantia dos direitos trabalhistas dos atletas profissionais. Com sua atuação, ganhou a inimizade do cartola brasileiro João Havelange, da Fifa.
Foi responsável ainda pela Lei Pelé, que aboliu o “passe” e forçou a profissionalização dos departamentos de futebol dos clubes, que passaram a pagar Imposto de Renda.
Na mesma entrevista coletiva em que se declarou socialista, Pelé não declarou voto no pleito que se avizinhava, o de 1989 – nem mesmo fez declarações simpáticas ao petista Luiz Inácio Lula da Silva ou no então socialista Roberto Freire. Apenas negou que tivesse aderido à candidatura de Collor e disse que se sentia um intermediário entre a população e os candidatos. Por isso, fazia questão de atender a todos os postulantes.
No início de 2022, procurei a assessoria de Pelé para comentar aquela entrevista concedida nos finais dos anos 80. Como seu estado de saúde já era debilitado, não foi possível ouvi-lo sobre aquelas declarações. O “Rei” deixa essa história como mais um elemento de sua relação com a política. Um elemento que não deveria ser ignorado.
Fonte: Paulo Motoryn (Brasil de Fato)