Hélio Doyle fala também sobre o trabalho de reconstrução da comunicação pública
Em visita à China desde o início da semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nesta sexta-feira (14), uma série de convênios de comércio e parcerias com o governo do presidente Xi Jinping. Entre eles, destaca-se o acordo de cooperação entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Agência de Notícias Xinhua.
No início da semana, o governo brasileiro também havia anunciado um tratado com o China Media Group (CMG), maior grupo de imprensa estatal da China e considerado o maior conglomerado de comunicação do mundo em escala de operações. A parceria seria firmada através da Secretaria de Relações Institucionais da presidência.
Ao todo, o CMG opera 47 canais de TV (com conteúdo em seis idiomas e alcance de 162 países), 17 emissoras de rádio e produção de conteúdo radiofônico em 44 idiomas. Além de rádio e TV, o grupo também administra três sites de notícia e 20 jornais e revistas de circulação nacional.
Para entender mais sobre os convênios entre Brasil e China nos setores de comunicação pública e estatal, a Pulsar Brasil conversou com o presidente da EBC, Hélio Doyle. Além de esclarecer sobre os termos e objetivos dos diferentes acordos, o jornalista comentou sobre o desafio de reconstrução da EBC após anos de sucateamento e o esforço da empresa para garantir a brasileiras e brasileiros uma comunicação pública “de qualidade, relevância e credibilidade”.
Confira a entrevista a seguir:
Nesta semana o governo brasileiro anunciou dois acordos com o governo chinês na área da comunicação. Um com a Agência Xinhua e outro com o China Media Group (CMG). O que a EBC pode ganhar com essas parcerias?
Hélio Doyle: O acordo com o China Media Group (CMG) foi com a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência. É um acordo de cooperação, de troca de conteúdos, intercâmbios de tecnologia, organização de eventos comuns e promoção de conteúdo. Não foi um acordo com a EBC, foi com a Secretaria de Relações Institucionais.
A EBC já tem um acordo com o CMG com validade até 2024. Ele foi assinado em 2019 e estava paralisado. Nós recebemos a visita de diretores da empresa chinesa [neste ano] e conversamos sobre a retomada desse acordo que já existe, porque, embora tenha sido assinado em 2019, não aconteceu nada durante esse período.
O acordo que a EBC assinou hoje na China foi com a Agência Xinhua. É um outro acordo.
E quais são os termos do convênio com a Xinhua?
É um acordo básico de cooperação entre duas produtoras de conteúdo. Eles vão nos disponibilizar gratuitamente as notícias deles em língua portuguesa e inglesa e, em contrapartida, nós vamos disponibilizar também o nosso material. Isso inclui o direito de publicar imagens dos dois lados. Então é uma troca de conteúdo.
Além disso, a gente pode favorecer o intercâmbio de pessoal. Troca de experiências, visitas mútuas, cursos, tudo isso está previsto no acordo. E apoio também. Por exemplo, quando a Xinhua precisar de apoio técnico ou logístico aqui no Brasil, nós prestaremos a eles. Quando nós precisarmos de apoio na China, eles nos ajudarão.
Vamos supor (é só uma suposição) que a gente mande um jornalista à China para fazer algum tipo de matéria no país. Nesse caso, eles nos darão apoio com, por exemplo, o fornecimento de equipamento, logística, etc. E a gente se compromete a fazer a mesma coisa com eles aqui.
O acordo com a Xinhua tem algo a ver com o firmado entre a Secretaria de Relações Institucionais e o CMG?
Não. São duas coisas diferentes. Esse acordo com a Xinhua eu assinei aqui no Brasil. Nós mandamos o acordo pra China e ele foi assinado pelo presidente da Xinhua hoje, durante a solenidade em Pequim.
Como eu já tinha assinado o documento aqui, o nosso ministro das Relações Exteriores assinou hoje um memorando reafirmando esse acordo. Foi mais para não faltar o ato público assinatura. Porque, como eu não estava lá, eu não poderia assinar.
Qual a importância dessa abertura do governo para parcerias com sistemas e modelos de comunicação estatal e pública de outros países?
Naturalmente, o modelo que a gente pretende na EBC é inspirado nos que já existem em outros países. Tem as emissoras públicas do Canadá, do Japão, na Europa, na Argentina…
Mas a gente não tem um modelo. Existe, sim, uma conjunção de modelos. Quando o presidente Lula fala, por exemplo, na BBC, ele fala de um modelo conhecido internacionalmente, respeitado, com grande relevância no mundo inteiro. Mas sabemos da dificuldade que nós temos de atingir um patamar que uma BBC tem. Não seria nada fácil.
A gente pretende disseminar melhor no Brasil esse conceito da comunicação pública, que é muito pouco entendido aqui no país. Há muita confusão – e há justificativas para isso – entre o que é comunicação pública e o que é comunicação estatal, até pela conformação da EBC, que é uma empresa estatal. Então, cria-se essa confusão, pois é uma empresa estatal fazendo comunicação pública.
Mas se você examinar os modelos que existem em outros países, todos eles também geralmente são empresas de caráter estatal, só que com diferentes formas de financiamento. Algumas o próprio contribuinte financia, outras são financiadas através [do pagamento] de taxas sobre uso de aparelho e outras por orçamento, como é o nosso caso: orçamento e prestação de serviços.
O nosso objetivo é disseminar esse conceito de comunicação pública e fazer uma comunicação pública real. Inclusive por isso, aqui na EBC, nós estamos no processo de separar os canais públicos dos canais estatais.
Nós teremos uma comunicação governamental mediante prestação de serviço ao governo, conforme previsto na lei que constitui a EBC. E, ao mesmo tempo, teremos uma emissora de televisão com programação pública, as rádios com programação pública e uma agência pública de notícias com conteúdo de comunicação pública. Esse é o nosso projeto fundamental neste momento: uma programação de qualidade, de relevância e credibilidade.
Como tem sido o desafio de assumir a EBC depois dos anos de sucateamento da empresa?
O desmonte da EBC começou em 2016, quando o [Michel] Temer assumiu. Nesse período chegou a ser cogitada a privatização da empresa, foi feito um PDV [Plano de Demissão Voluntária] em que muita gente saiu, houve muito desestímulo ao trabalho, censura, palavras proibidas, notícias proibidas, um desrespeito muito grande às empregadas e empregados da empresa.
Então, pode-se dizer que tem sido um trabalho de reconstrução. Um trabalho de reconstrução do caminho que a comunicação pública vinha tendo no Brasil. Digamos que foi uma trajetória que estava se iniciando, foi interrompida e a gente precisa retomá-la. Retomar a partir de quando parou, em 2016, e retomar visando mudanças não só quantitativas como também qualitativas.
Podemos dizer que nós estamos envolvidos, hoje, em uma reconstrução da EBC. Estamos reestruturando a empresa, reorganizando os quadros, enfrentando muitas dificuldades naturais de uma empresa pública e de um orçamento restrito que nos foi deixado pelo governo anterior. Mas vamos tocando acreditando que, ao longo dos próximos anos, a gente consegue reconstruir a empresa e avançar.
*Fonte: Brasil de Fato